Pistas para explicar a 'maldição' do cinema português

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Uma "atitude de desconfiança de base" e uma "não identificação com o produto apresentado" poderão explicar a escassa simpatia que os portugueses manifestam pelo cinema que se faz no seu país - cinema que, paradoxalmente, desconhecem ou muito pontualmente vêem. A percepção de que um filme português é - ou poderá ser - destituído de qualidade, representando "um risco de tempo e de dinheiro", figura, aliás, entre as linhas de força do estudo "O Cinema Português e os seus Públicos Situação Actual e Evolução Futura", desenvolvido pela Universidade Lusófona, por encomenda da Associação de Produtores de Cinema (APC), com apoio do ICAM, e cujos resultados foram ontem apresentados.

Manuel José Damásio, coordenador deste trabalho que procurou identificar hábitos, atitudes, crenças e comportamentos dos públicos nacionais face à produção cinematográfica do País, lembrou que esta fraca apetência radica "em dois problemas uma não identificação e, associada a esta, uma indiferença generalizada" - manifestada por 58,2% dos inquiridos - face ao que se produz, dado o "rótulo negativo que se colou" ao cinema nacional e se perpetua por contágio, pelo simples "passa palavra" de "ideias feitas". Porque, regra geral, esta percepção "não é alicerçada no conhecimento": ou seja, não se viu o filme que se rotulou de mau, levando toda a produção nacional por arrasto.

A mesma indiferença manifesta-se na "falta de uma memória relativamente à produção contemporânea". Ela está, no entanto, viva quando se evocam os anos de ouro do cinema português, descritos de "forma positiva", em particular no plano emocional - dimensão que a maioria dos inquiridos não encontra (ou julga, a priori, não encontrar) no cinema português de hoje.

Para Manuel Damásio, "a principal conclusão que se retira é que terá de ser feito um enorme esforço para quebrar a barreira da indiferença". Porque é entre os indiferentes, lembrou, que "há um potencial público a conquistar" para o cinema português. Que, por seu turno, terá de repensar a sua forma de estar, em particular nos campos da promoção, diversificação de géneros e alargamento de públicos-alvo, os mais referidos nas sugestões/recomendações constantes deste trabalho.

No estudo, que a uma análise quantitativa inicial (por inquérito, junto de cerca de duas mil pessoas), aliou uma análise mais aprofundada, seguindo a metodologia de focus group, as respostas dos inquiridos vivem, regra geral, de qualificativos sombrios os filmes portugueses são vistos como "depressivos" e "monótonos", quando não "enfadonhos", obcecados por "temas urbanos e decadentes", "sem ritmo", "teatrais" no sentido do excesso, "desinteressantes" e tecnicamente problemáticos, com elencos desadequados - a maioria gostaria de ver em cinema nomes consagrados ou popularizados por via da participação em telenovelas - e alvo de deficiente promoção. Quadro que dificilmente encaixa nas escolhas dos inquiridos, que associam cinema a um momento de evasão do dia-a-dia e dizem procurar nele sobretudo divertimento e distracção. Circunstância que poderá explicar as excepções : criações "que puxam pela curiosidade, tais como filmes de humor, ou produções independentes, como Balas e Bolinhos, O Ninja das Caldas, ou com elenco mais popular, Sorte Nula".

Presentes na apresentação deste estudo, que prosseguirá, tanto Paulo Trancoso, presidente da APC, como Mário Vieira de Carvalho, secretário de Estado da Cultura, defenderam um maior envolvimento das televisões na promoção/divulgação do cinema português, como uma das vias para mudar este quadro de divórcio.

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