Piratas: democracia direta e Pokéstops nas urnas de voto
Em abril, no pico da crise provocada pela divulgação dos Papéis do Panamá, o Partido dos Piratas chegou a ter 40% das intenções de voto. Agora, passados uns meses sobre a demissão do primeiro-ministro Sigmundur David Gunnlaugsson (que colocara milhões de fortuna familiar num paraíso fiscal) e quando o atual executivo marcou as eleições antecipadas para 29 de outubro, a formação liderada por Birgitta Jonsdottir merece a confiança de pouco mais de 25% dos islandeses. Mesmo assim suficiente para passar dos atuais três deputados (num total de 63) para 18 a 20 e, provavelmente, chefiar o próximo governo da ilha.
Fundado há quatro anos, como parte de uma rede de partidos dos Piratas em vários países - sobretudo nórdicos - europeus, a formação defende uma mudança radical no sistema político. A sua plataforma aposta na democracia direta, com os eleitores a poderem propor lei, depois sujeitas a referendo, na maior transparência na governação, a descriminalização das drogas, o aumento dos impostos para os mais ricos e a reforma da lei dos direitos de autor. Se chegarem ao poder, os piratas prometem trabalhar numa nova Constituição para a Islândia, dar asilo a Edward Snowden, o ex-analista da NSA responsável pela divulgação de detalhes sobre os sistemas de vigilância dos EUA. E fiel à sua ideia de reinventar a democracia através das novas tecnologias, o partido estará a negociar com a empresa produtora do jogo Pokémon Go a criação de Pokéstops (onde os jogadores podem ganhar bolas para apanhar pokémons) nos locais onde serão colocadas as urnas de voto em outubro. Tudo para atrair mais eleitores jovens.
"Olho para nós e acho que estamos preparados [para governar]. Aliás, o facto de nunca o termos feito antes e de não termos pessoas a dizer-nos como o fazer, significa que seremos cuidadosos. Vamos fazer as coisas de forma diferente", garantiu Jonsdottir ao diário britânico The Guardian, antes de acrescentar: "Somos populares, não populistas". A poeta, que chegou a trabalhar na WikiLeaks de Julian Assange, explicava em junho à Reuters que "as pessoas olham para o governo à procura de um paizinho que tome conta das coisas, mas a certa altura é preciso crescer e assumir as responsabilidade".
O que começou como um movimento de protesto contra o sistema, que em 2013 conseguiu 5% dos votos, ganhou hoje uma dimensão que leva a analista Eva Heida Önnudottir a comparar o Partido dos Piratas islandês ao Podemos em Espanha ou ao Syriza na Grécia. Caso cheguem de facto ao governo, "o seu sucesso vai depender do que eles conseguirem concretizar, daquilo que fizerem no seu primeiro mandato", acrescentou.
Após a divulgação dos Papéis dos Panamá (11,5 milhões de documentos da sociedade de advogados panamiana Mossack Fonseca com informações sobre paraísos fiscais), Gunnlaugsson foi o primeiro - e na verdade o único - líder mundial a ser obrigado a afastar por estar envolvido no escândalo. O chefe do governo islandês cedeu à pressão das ruas, com enormes manifestações em Reiquejavique, diante do Parlamento, a exigir a sua demissão. Os maiores protestos populares que a ilha de pouco mais de 300 mil habitantes viu em toda a sua história. Mas na altura, o executivo de centro-direita (coligação entre os partidos do Progresso e da Independência) manteve-se em funções, com o até aí ministro das Pescas, Sigurdur Ingi Johannsson, e poucas mais alterações.
Nas próximas eleições, antecipadas seis meses em relação à data prevista, o resultado é uma incógnita. Se é quase certo que os islandeses deverão castigar o Partido do Progresso de Johannsson, as sondagens mostram que os eleitores de direita se mantêm fiéis ao Partido da Independência, seu parceiro de coligação. Mas a verdadeira dúvida é o resultado do Partido dos Piratas e qual será o seu papel numa eventual coligação de governo. Para já Jonsdottir garante estar disposta a conversar com toda a gente, desde que os parceiros respeitem as suas ideias. Uma convivência que promete não ser fácil.
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