Pimenta do Maranhão
Não há melhor síntese do "político à antiga brasileira" - uma espécie, esperemos, em vias de extinção no prazo de duas ou três gerações - do que José Sarney, 87 anos, presidente do Brasil de 1985 a 1989, entre muitos outros cargos.
Sarney pertence ao PMDB, o partido que se confunde com o Estado e que nunca elegeu, pelo voto, nenhum presidente, embora tenha participado, patrocinado e corrompido todos os governos desde a redemocratização do país até hoje.
Dominou, qual Coronel de romance de Jorge Amado, por meio século, direta ou indiretamente, um estado do Nordeste brasileiro, graças à propriedade de milhares de imóveis, de dezenas de órgãos de comunicação social e dos cofres públicos, sendo certo que o Maranhão, o estado em causa, não por acaso é o mais pobre e atrasado do Brasil em múltiplos indicadores.
Promoveu os três filhos, Roseana (governadora maranhense por 12 anos), Fernando (hoje membro da suspeitíssima FIFA) e Zequinha (atual ministro de Temer), a cargos de poder, além de manter em postos estratégicos uma oligarquia de apadrinhados, um expediente tradicional da "elite" política local.
Aparece com frequência, como aliás a sua prole, nas páginas policiais dos jornais por causa de um menu de crimes que vai de acusações de corrupção a sobrefaturamento de obras, passando por irregularidades em licitações, tráfico de influência entre público e privado e perseguições políticas.
Foi até gravado na Lava-Jato, como qualquer político brasileiro que se preze, a combinar com aliados, isto é, com a cúpula do atual governo, táticas para travar o alcance da operação liderada pelo juiz Moro.
Tem, por outro lado, os típicos comportamentos políticos dissimulados dos seus pares, como na eleição presidencial de 2014, quando fez campanha por Dilma Rousseff mas acabou por votar em Aécio Neves - na suposta solidão da cabine, uma indiscreta câmera de TV apanhou-o a escolher o "45", número atribuído na urna eletrónica ao neto de Tancredo Neves.
E a vaidade pessoal, tão comum nos políticos de países com tiques de terceiro mundo, levou-o à exploração de campos, como a literatura. Um seu romance, Brejal dos Guajas, foi, aliás, considerado pelo crítico e artista Millôr Fernandes "uma obra--prima sem similar porque só um génio poderia escrever um livro errado da primeira à última frase". Millôr rematou dizendo que, por si só, o livro do então presidente da República era motivo para impeachment.
Essa mesma vaidade, na versão culto da personalidade, fez ainda que Sarney batizasse com o seu nome (e dos seus filhos e dos seus aliados) prédios públicos, avenidas, passarelas do samba, pontes, bairros e até cidades. Como a Presidente Sarney, com 17 mil habitantes, fundada em 1994 pelo então governador do Maranhão e aliado histórico José Ribamar Fiquene, que, por acaso, criou mais ou menos na mesma altura a cidade de Ribamar Fiquene, em homenagem a si mesmo.
Ora Presidente Sarney - a cidade, não o político - foi notícia no ano passado por, segundo levantamento inédito do Índice de Bem-Estar Urbano, efetuado pelo Observatório das Metrópoles e coordenado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, ter sido ironicamente avaliada como a pior das 5565 cidades brasileiras, por não ter abastecimento de água, saneamento básico, empregos, hospitais e recolha de lixo.
Presidente Sarney voltou a ser notícia na semana passada quando um deputado estadual, Bira do Pindaré, solicitou a realização de um plebiscito para o regresso ao nome anterior da localidade, Pimenta do Maranhão. "É perseguição", reagiu um outro deputado, de nome Adriano Sarney, neto dele, do homem que dá nome à cidade.
Com a palavra, agora, no tal plebiscito, os 17 mil habitantes da pior das 5565 cidades do país. Cabe a eles dar mais um passo, ainda que simbólico, rumo ao sepultamento dos hábitos dos "políticos à antiga brasileira".