Pierre Bonnard de novo em Cannes
Na secção de ante-estreias (Cannes Première), o festival deu a conhecer o retrato de um pintor, Pierre Bonnard (1867-1947), que, como recordou o delegado-geral Thierry Frémaux, tem a sua história visceralmente ligada a Cannes e, em particular, à zona de Le Cannet, onde viveu os seus anos finais. Trata-se de um duplo retrato que o próprio título reflete: Bonnard, Pierre et Marthe. O filme centra-se, assim, na longa e atribulada ligação amorosa de Bonnard e Marthe de Méligny (1869-1942), iniciada quando ele, em Paris, corria o ano de 1893, a convidou para seu modelo - num período de conflito do par, em meados da década de 1920, Marthe viveu a sua solidão optando também por pintar.
A oportunidade temática do filme realizado por Martin Provost é tanto maior quanto, por esta altura, no Museu Bonnard (precisamente na zona de Le Cannet, cerca de três quilómetros a norte do Palácio dos Festivais), está patente uma exposição dos desenhos e quadros de Marthe - que assinava Marthe Solange -, pequena mas fascinante coleção de alguém que, por certo marcada pelo tratamento das formas e cores de Bonnard, encontrou uma via muito pessoal de expressão.
Cinematograficamente, Bonnard, Pierre et Marthe define-se como um objeto biográfico tradicional, ainda que rejeitando as facilidades de qualquer academismo. Provost tem sido, aliás, um cineasta apostado nos "retratos de artistas", tendo realizado, por exemplo, Séraphine (2008) sobre Séraphine Louis, curiosamente contemporânea de Bonnard.
Com os papéis de Bonnard e Marthe entregues, respetivamente, a Vincent Macaigne e Cécile de France, o filme evita a facilidade de sugerir qualquer correspondência automática entre as vidas dos protagonistas e as especificidades dos seus quadros. A pintura surge mesmo como uma componente natural dessas vidas, tanto mais poderosa quanto Bonnard apostou em desafiar as representações tradicionais da natureza. Ou como ele diz, referindo a ambição do grupo de pintores pós-impressionistas que integrou (Les Nabis), tratava-se de revolucionar a pintura francesa - e tinha toda a razão ao dizê-lo.
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