PIDE tentou conspiração para derrubar Mobutu
O regime de António Salazar foi o pivô, em 1966, de uma grande conspiração internacional para derrubar o Governo do general Mobutu Sese Seko e colocar no poder na República do Zaire (ex-Congo Belga) o ex-Presidente da secessionista província do Catanga, Moisés Tschombé. No planeamento do golpe de Estado contra Mobutu, Lisboa e Angola seriam locais estratégicos de passagem e de logística para o pessoal e o armamento. Estavam envolvidos «mercenários» belgas, franceses, norte-americanos, espanhóis, sul-africanos e rodesianos, e ainda algumas grandes empresas multinacionais, como a Union Minière.
Um relatório operacional detalhado e minucioso da direcção da PIDE, de Dezembro de 1966, elaborado dias antes do golpe que não chegou a ser levado às últimas consequências, referenciava, com pormenor, as forças em presença, e as suas ligações a vários governos.
O general Mobutu subiu ao poder no antigo Congo Belga, em Novembro de 1965, através de um golpe militar, afastando Joseph Kasabuvu, com o apoio dos países ocidentais.
Moisés Tschombé foi sempre, desde a independência do Congo da sua potência colonial, a Bélgica, um elemento considerado «moderado» e pró-ocidental. Manifestou--se contra Patrice Lumumba, quando este assumiu, em 1960, o cargo de primeiro-ministro após a independência, sendo nessa altura aliado de Mobutu. Com o assassínio de Lumumba, nas lutas de poder interno, Tschombé, governador da rica província do Catanga, declarou unilateralmente a sua cessação. Kasabuvu conseguiu, mais tarde, afastar o antigo governador do Catanga da província em Outubro de 1965, seguindo para o exílio em Espanha.
Depois de ascender ao poder, Mobutu pretendeu manter, inicialmente, uma certa equidistância face aos seus antigos aliados europeus, reformulou algumas alianças internas e procurou apoios entre alguns governos nacionalistas africanos, nomeadamente a Tanzânia.
Para o sucesso do golpe, Tschombé e os seus apoiantes contavam, essencialmente, com a participação de «mercenários brancos» presentes, normalmente como seguranças «em todo o Congo» ao serviço dos seus país de origem.
O documento especifica quais: «Os belgas, 350 homens, comandados pelo general Delperdange»; «os franceses, comandados pelo comandante coronel Bob Denard, 200 homens, entraram em contacto com Tschombé por intermédio dos Serviços Secretos Franceses da Presidência do Conselho»; «os sul--africanos e rodesianos, 300 homens, comandados pelo coronel John Peeters»; «os espanhóis, 60 homens, são fiéis a Tschombé; «a CIA, que controla a Wigmo, Aviação de Combate Táctica do Congo), assegurou a Tschombé que se manteria neutra».
Os conspiradores, que assessoravam Moisés Tschombé, consideravam, em documento programático e justificativo do golpe, escrito à mão, e inserido no dossier da operação, que a PIDE arquivou, que o golpe de Estado «deve fazer-se por Elisabethville», alastrando depois por todo o país. Argumentavam os homens de Tschombé para justificar o golpe de Estado que, na ocasião, «o regime de Mobutu depende sempre mais do dispositivo interior organizado pelas influências de Leste e dos apoios exteriores provenientes das mesmas fontes». Na execução do golpe, segundo o relatório policial, o antigo governador do Catanga deveria seguir para a sua antiga província, a partir de um avião Super Constelation «estacionado em Lisboa».
O avião deveria voar para as Canárias, «toma o Presidente Tschombé e segue para o mesmo aeroporto» (não referenciado) em Angola, onde também deve aterrar um DC-7, «estacionado na Bélgica». Da Rodésia, assinala ainda o documento, viriam dois aviões, um DC4 e um Heron, que também voarão para o mesmo aeroporto angolano.
Do aeroporto angolano «parte o DC4 com 60 homens, o DC7 com os restantes 40 homens e restante armas e o Heron com o Presidente Tschombé». No Catanga, o dispostivo de aterragem seria organizado «em colaboração com a Union Minière».
Entre a documentação da PIDE existente na Torre do Tombo encontra-se uma mensagem cifrada, enviada de Luanda para Lisboa, a alertar que havia «fuga informações que se relaciona rádio» e com um recado de confidencialidade: «Segue carta avião hoje.»
Não parece que a fuga de informações reportada tivesse levado a abortar a operação, mas sim o facto de Mobutu ter conseguido espaço de manobra interno, endurecendo o regime e, acima de tudo, retomar uma aproximação aos países ocidentais, de quem se tornou um dos aliados mais firmes durante quase 40 anos até ser afastado do poder por Desiré Kabilla.