Philip Seymour Hoffman

<em>Synecdoche, New York</em> foi em 2008 o OVNI do Festival de Cannes. O filme que intrigou a crítica, o filme que coloca o espectador na margem da dúvida. Um drama existencial de Charlie Kaufman, o criador de <i>Adaptação</i> e <i>Queres Ser John Malkovich?</i> Em Cannes, falámos com o protagonista, o oscarizado Philip Seymour Hoffman, que defende com unhas e dentes a visão de Kaufman. Para conferir nos cinemas a partir de quinta-feira.<br />
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Era importante para si ser exacto na maneira como interpreta uma personagem que chega até aos oitenta anos?
Fiz alguma pesquisa e percebi que as pessoas nessas idades são todas diferentes. Há quem tenha uma energia tremenda, há quem seja de uma lentidão avassaladora… Cheguei a ficar indeciso de como o iria interpretar nessa fase. Por exemplo, o Sidney Lumet, quando me filmou em Antes que o Diabo Saiba que Morreste, tinha 81 anos e movia-se como um miúdo de 31. Olhava para ele e nada indicava a sua idade. Resolvi então ir para a via da subtileza. Dei-lhe alguma lentidão.

Depois de ter filmado com  Sidney Lumet o thriller Antes Que o Diabo Saiba que Morreste, trabalhou neste Synecdoche, New York, de Charlie Kaufman. O que muda radicalmente entre trabalhar com um veterano aclamado e um argumentista que se estreia na realização?
A diferença é que com realizadores como o Lumet e o Mike Nichols um actor aprende imenso. Esses veteranos sabem muito o que querem. Têm noção exacta de como vai ser um dia de filmagens, de quais são os objectivos. O Lumet, por exemplo, tem uma enorme sabedoria na forma como dirige os actores. Com o Kaufman foi diferente. Em todo o processo ele também foi aprendendo. Foi algo novo para todos, mas também não foi aquela coisa de trabalhar com alguém que nunca tinha trabalhado em cinema. O Kaufman já anda ligado ao cinema há muito tempo e esteve sempre bastante envolvido na produção dos filmes que escreveu. Muitas vezes senti que ele parecia um cineasta veterano.

Muitos se queixam que o guião de Charlie Kaufman atinge momentos de um surrealismo incompreensível. Entre os actores houve discussões em torno do sentido e percepção da história?
Nunca houve nenhum momento no guião que me causasse dúvidas… Seja como for, o Charlie Kaufman esteve sempre disponível para explicar alguma dúvida. No fim, o filme ganha uma lógica. Percebe-se sempre quando entra o subconsciente e em que período as personagens se encontram. Em suma, a narrativa anda à volta de um encenador de teatro que depois do seu divórcio vê a mulher ir viver para Berlim com a filha e nunca mais regressar. Depois disso, sofre com a separação, fica incapaz de gerir esse corte e nunca consegue voltar a ter relacionamentos até ao momento em que conhece uma mulher que poderá ser a sua alma gémea. Depois de fazer amor com ela fica uma série de anos sem voltar a vê-la. Mais tarde tenta contratá-la para a produção do seu espectáculo teatral. Apesar de o conseguir, ela já está com outro homem. Ao mesmo tempo, ele envolve-se com uma actriz jovem. O tempo passa e os dois casam-se apesar de ele não a amar. Paralelamente, a sua filha da primeira mulher cresce e começa um caso de amor com um amigo da mãe. Enfim, são quarenta anos na vida de um homem afectado pela separação. Tudo o resto são imagens do seu subconsciente, tem que ver com noções temporais e diálogos que ele ouve. Aí torna-se um filme bastante subjectivo contado através do seu ponto de vista. De alguma forma, trata-se de uma metáfora das nossas vidas e de como somos todos os protagonistas da nossa história. Tudo o que vemos e ouvimos é a percepção daquele homem. Quem perceber isso perceberá a lógica do filme.

Foi difícil deixar para atrás esta personagem tão complexa?
Digo que tive uma tarefa muito exigente e emocional. Apesar de também testemunharmos acontecimentos mundanos, vemos sempre aquele homem a reagir a acontecimentos que temporalmente são muito importantes. No final temos alguém que diz que não se conhece a si próprio. Mas não podia estar mais feliz por ter estado envolvido neste filme.

O que acha que esta personagem procura?
Ser amada incondicionalmente.

Tal como a personagem também se debate com angústias criativas?
Neste filme tive angústias diárias… Nunca se tem a certeza. Mas ser criativo é também tentar fazer aquilo que nos faz ficar melhores. Isso custa muito, quer na vida, quer no trabalho. É preciso que estejamos disponíveis e envolvidos.

É daqueles actores que tem algum prazer em nunca fazer muitas previsões sobre o futuro?
Não penso muito em planos, não. Como actor, pelo menos, não… Mas faço previsões para a minha vida pessoal!

Após ganhar o Óscar em Capote surgiu em si algum desejo de querer mudar algo na sua vida profissional?
Talvez… Pessoalmente, o Óscar não me afectou, mas favoreceu-me na carreira, nem que seja fazer-me ficar mais conhecido no mundo inteiro. De resto, estou na mesma. E a verdade é que sou pai de duas crianças, não quero viajar muito em trabalho. Se pudesse, durante os próximos dez anos só filmava em Nova Iorque. Quando se tem 25 anos é fácil viajar de um lado para o outro.

E tem altos padrões de exigência consigo próprio?
Tento fazer o melhor. Mas todos temos expectativas interiores e gostam de um elogio. Como actor, gostaria que em cada papel as pessoas sentissem que estão a olhar para mim pela primeira vez. Ainda assim não é possível controlar nada disso. Não há nada a fazer…

O que é mais importante no critério de escolha de um trabalho? O argumento ou o realizador?
Depende. Penso sempre em quem está a realizar e em quem escreveu o argumento. Neste caso do Synecdoche, New York foi o realizador. O Charlie Kaufman convenceu-me com um jantar onde me contou todo o conceito de filmar um tipo na sua meia vida que não sabe por onde ir. E foi logo aí que fui espicaçado. Neste filme o espectador nunca sabe o que apanhará a seguir.

São filmes atrás de filmes. Tem encontrado tempo para si próprio?
Não tenho, não. Tenho trabalhado muito. Por acaso, ultimamente acumularam-se projectos com os quais já me tinha comprometido. Alguns desses filmes demoraram muito tempo a conseguir o financiamento. Mas agora vou tentar abrandar. Tentarei ter tempo para mim.

SAMANTHA MORTON, A MUSA DO ENCENADOR

Depois de uma trombose inesperada em 2006, Samantha Morton voltou ao cinema com este Synecdoche, New York.  Aos 30 anos uma tragédia quase que a vitimava. Mas depois de ter recuperado a fala e o andar lutou para voltar ao normal. Neste filme é uma das muitas musas de um encenador teatral traumatizado pelas mulheres. Uma interpretação, como sempre sem falhas, de uma actriz já nomeada ao Óscar por duas vezes e que é conhecida do grande público por filmes como Relatório Minoritário, de Steven Spielberg e Sweet and Lowdown-Através da Noite, de Woody Allen. Em Cannes, juntou-se a Philip Seymour Hoffman para tentar defender Synecdoche, New York. Outra das particularidades do seu trabalho é que durante a rodagem estava com quase cinco meses de gravidez. Mas quando lhe perguntámos por que razão a crítica internacional acusou o argumento de ilógico e confuso, fez questão de sacudir a água do capote: «Não me cabe a mim tentar falar da coerência desta narrativa. O Charlie Kaufman é que é o responsável. Os actores só têm de preparar o papel da melhor maneira que sabem e serem dedicados ao projecto.» Mas depois deste filme onde aparece jovem e idosa, Samantha dedicou-se à realização, com The Unloved, um telefilme. Talvez por isso goste de separar as águas. Nesse seu primeiro trabalho atrás da câmara não surge como actriz. Podemos também supor que entre ela e Charlie Kaufman possa ter havido fricção. A actriz inglesa já confessou publicamente que não é fácil no plateau. Acerca de Philip Seymour Hoffman sobram elogios: «Já o conhecia do teatro. Sempre quis trabalhar com ele e estivemos para entrar num projecto que não aconteceu. Agora posso dizer que aprendi muito, graças ao seu trabalho. Já me tinha acontecido o mesmo com Sean Penn e com Sam Riley, que em Control estava a fazer a sua estreia como protagonista. Enfim, quando estamos ao lado de grandes talentos aproveitamos sempre alguma coisa. É como trocar uma bolas com um craque de ténis».  No futuro já temos encontro marcado com ela em The Messenger, onde interpreta uma viúva de um soldado americano no Iraque. É só pena não estar comprado para Portugal Mister Harmony, em que interpreta uma sósia de Marilyn Monroe. Aí sim, prova que é uma das mais talentosas actrizes inglesas da sua geração.

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