PGR: violência policial deixou de ter análise especial desde 2011
O Ministério Público (MP) deixou de cumprir um despacho do ex-Procurador-Geral da República, Cunha Rodrigues, que obrigava os magistrados a dar atenção especial às denúncias contra agentes da autoridade, entre as quais as de violência policial. A ordem foi revogada pelo sucessor Pinto Monteiro, em 2011, juntamente com um conjunto vasto de outros despachos relativo a diversos temas, no que chamou um "processo de atualização e reformulação" da base de dados" do MP.
O despacho de Cunha Rodrigues, datado de 1993, numa altura em que a violência policia estava na ordem do dia , foi recordado ao DN por alguns procuradores, a propósito da acusação contra os 18 polícias da esquadra de Alfragide. Alguns magistrados olham para este caso como um sinal de que alguma coisa de errado se pode estar a passar na forma como estas situações têm sido investigadas, quando a maioria dos inquéritos , garantem fontes judiciais, são arquivados. A agravar a apreensão está o facto de, segundo os últimos números divulgados pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), relativos aos primeiros seis meses deste ano, se estar a registar um aumento das queixas contra polícias: 411, contra 333 em igual período de 2016. Destas 165 foram logo arquivadas e, até agora, apenas foram abertos quatro inquéritos, segundo noticiou o Expresso. A tendência de subida regista-se desde 2015.
Intitulado de "Processos Crime contra agentes de autoridade", o despacho de Cunha Rodrigues assinalava que "as ocorrências em que são intervenientes agentes de autoridade requerem tratamento que evidencie a relevância criminal dos factos, o seu tratamento por instâncias formais de controlo e respetiva evolução processual". Ordenava aos procuradores que comunicassem "diretamente e no mais curto prazo, ao gabinete do PGR todas as ocorrências criminais que deem origem à instauração de inquérito contra agentes da autoridade, remetendo cópia da respetiva denúncia ou auto de notícia, ou informação especificada quanto à identidade completa e categoria dos agentes e tipos de crime objeto da investigação". Os magistrados do MP deviam também explicar as suas decisões sobre os casos: "deverão, igualmente, remeter pronta informação sobre o sentido e fundamentos do despacho que ponha termo ao inquérito e das decisões judiciais que ponham termo ao processo", determinava o ex-PGR. O DN tentou, mas não conseguiu, contactar Cunha Rodrigues, nem Pinto Monteiro.
Questionado o gabinete da atual Procuradora-Geral, Joana Marques Vidal, sobre os resultados desta orientação e de que forma é agora feito o controlo das investigações às denúncias de violência policial, limitou-se a responder que "o acompanhamento hierárquico efetua-se nos termos do previsto no Código de Processo Penal e no Estatuto do Ministério Público".
Há mais de duas semanas que o DN pediu também à PGR informações sobre os inquéritos abertos a denúncias de violência policial especificamente na comarca da Amadora, onde a atuação da PSP tem sido alvo de críticas, principalmente por parte de habitantes das chamadas "zonas urbanas sensíveis". Vários testemunhos relatam casos de alegado abuso da força, racismo, ofensas e agressões gratuitas a moradores. As queixas, contam, são todas arquivadas. O DN quis saber o número de inquéritos abertos contra a atuação policial, quantas acusações foram deduzidas, quantos arquivamentos decretados, quais os órgãos de polícia criminal responsáveis pelas investigações, se o MP alguma vez tinha avaliado estes processos. A resposta chegou esta segunda-feira: "pese embora a relevância da matéria, não nos é possível, de momento, obter os elementos solicitados, atenta a sua especificidade e dado o decurso do período de férias judiciais".
A mesma ausência de explicações mais detalhadas sobre as investigações deste género de casos aconteceu com a IGAI. Num e-mail enviado na passada quarta-feira, na sequência da divulgação dos números do primeiro semestre, foi pedida uma sistematização mais completa, relativa às queixas desde 2012: número de denúncias que deram entrada, das analisadas pela IGAI, quantas foram arquivadas, quantos inquéritos foram abertos, quantos processos disciplinares instaurados, sanções aplicadas e processos pendentes. Não chegou qualquer resposta até ao fecho da edição.