Petróleo, jihadistas e Irão. Ufa! (Parte II)

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Um ano exato passou desde que Salman se tornou rei da Arábia Saudita e nenhum dos desafios que o esperavam está hoje resolvido: as dificuldades financeiras geradas pelo preço do petróleo, a ameaça do Estado Islâmico e as guerras por procuração com os iranianos, da Síria ao Iémen. Não por acaso, o título da análise publicada aqui a 24 de janeiro de 2015 era "Petróleo, jihadistas e Irão: Ufa!" e o desta é igual. Na realidade, os desafios são maiores, pois se o barril se vendia a 50 dólares agora ronda os 30; também os ataques dos jihadistas no reino prosseguem; assim como a guerra não declarada com o Irão atingiu nova proporção com o corte de relações, ao mesmo tempo que o acordo sobre o nuclear aproxima Teerão de Washington.

Salman tem 80 anos. Será o último dos filhos de Ibn Saud, fundador da moderna Arábia, a governar. Como herdeiro designado tem o sobrinho Muhammad bin Nayef, de 57 anos, o que já por si promete um sério rejuvenescimento da liderança. Mas neste ano de reinado foi no segundo na linha de sucessão, o seu filho Mohammad bin Salman, que o monarca apostou. Com apenas 30 anos, o príncipe possui a energia que falta ao pai e exibe um protagonismo surpreendente, como se pode ver pelas fotos desta semana a acolher o presidente Xi Jinping da China, de visita à Arábia Saudita. Também deu uma extensa entrevista à revista The Economist.

Alto, como o mítico avô beduíno, Mohammad bin Salman impressiona tanto os poderosos como as massas sauditas, preocupadas com o futuro de um reino que construiu a sua prosperidade com base nas exportações petrolíferas e que vê agora uma quebra abrupta das receitas e, logo, dos benefícios que o Estado distribui. Ajuda à sua influência que presida ao conselho económico do reino, o organismo que controla a petrolífera Saudi Aramco. Mas é preciso não esquecer que o príncipe foi também nomeado ministro da Defesa e, nessa condição, tem um papel-chave na nova coligação islâmica contra o Estado Islâmico assim como na operação visando os rebeldes no Iémen.

Ou seja, se os desafios do reino são muitos, os últimos meses mostraram determinação em reagir aos acontecimentos em vez de apenas atenuar os efeitos, o que seria mais óbvio para o conservadorismo saudita. E é evidente a mão de Mohammad bin Salman nessa estratégia.

Vejamos de que forma os sauditas têm atuado: 1) perante a derrocada do preço do petróleo, resistência às pressões de outros membros da OPEP para cortar na produção a fim de não perder quota; em paralelo, possibilidade de colocar em bolsa parte da Saudi Aramco, o que traria um vasto encaixe de dólares; 2) frente aos jihadistas, mão-de-ferro interna, com meia centena de execuções logo a abrir o ano e ainda a criação de uma coligação para bombardear o Estado Islâmico na Síria e no Iraque sem deixar de participar na aliança com o mesmo objetivo liderada pelos Estados Unidos, velho aliado e protetor; 3) no âmbito do duelo regional com o Irão xiita, envolvimento da guerra civil iemenita ao lado do poder sunita, reforço do apoio aos grupos rebeldes não jihadistas que combatem o regime sírio e execução de um clérigo xiita saudita de forma a intimidar qualquer contestação entre a minoria religiosa que habita o oriente do reino.

Há razões para os sauditas estarem otimistas: o seu petróleo é barato de extrair, logo voltará a gerar receita; as reservas de divisas permitem tolerar o enorme défice; o país pode, se necessitar, recorrer ao crédito internacional. O que significa que apesar dos ufa!, os Saud respiram com menos dificuldade do que parece. O maior problema, aliás, pode vir da própria lógica dinástica. Ninguém garante que em caso de sucessão, Mohammad bin Salman seja promovido a herdeiro por Muhammad bin Nayef apesar de este não ter filhos.

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