Petições sem resposta: Ministérios incorrem em crime de desobediência
Vários ministérios, com o da Educação à cabeça, têm deixado sem resposta dezenas de pedidos de informação feitos pelos deputados, a propósito de petições que são dirigidas à Assembleia da República. Um silêncio que à luz da lei faz incorrer os ministérios - no caso, na figura dos seus titulares, os ministros - no crime de desobediência, punível com um ano de prisão ou multa até 120 dias. No entanto, ao que ao DN apurou, esta prerrogativa nunca foi acionada.
A entrega e tramitação parlamentar das petições é regulada pela lei do "Exercício do Direito de Petição". O diploma estabelece que uma "comissão parlamentar, durante o exame e instrução [da petição], pode ouvir os peticionários, solicitar depoimentos de quaisquer cidadãos e requerer e obter informações e documentos de outros órgãos de soberania ou de quaisquer entidades públicas ou privadas". A informação só pode ser recusada se estiver em causa o "segredo de Estado, segredo de justiça ou sigilo profissional". A lei acrescenta que o "cumprimento do solicitado pela comissão parlamentar tem prioridade sobre quaisquer outros serviços da Administração Pública, devendo ser efetuado no prazo máximo de 20 dias". E conclui, no capítulo relativo às sanções, que a "recusa de depoimento ou o não cumprimento das diligências previstas constituem crime de desobediência".
Acontece que o não cumprimento das diligências pedidas pelas comissões parlamentares tem sido regra entre alguns ministérios. A começar pelo da Educação, que regista o maior número de pedidos de informação que ficaram sem resposta - o DN contou 20 no ano e meio que leva esta legislatura. Entre as petições em que foi solicitada informação, sem que esta tenha chegado à Assembleia da República, contam-se um texto "Em Defesa da Escola Pública", que teve como primeiro peticionante a FENPROF, e que reuniu 77562 assinaturas. O pedido foi feito em julho de 2016 e a tramitação parlamentar foi fechada em outubro do mesmo ano sem qualquer contributo do ministério liderado por Tiago Brandão Rodrigues. Outra petição apresentada pela Federação Nacional dos Professores, titulada "Um regime de aposentação justo para os docentes", com 27977 subscritores, também foi concluída, no passado mês de março, sem qualquer resposta. Mais recente, a petição que solicita a adoção de medidas quanto ao peso das mochilas que as crianças transportam para a escola - com 48016 assinaturas - continua à espera de resposta. O pedido de informação da comissão parlamentar data de 21 de março último.
O ministério da Educação é o campeão das não respostas, mas também é, de longe, o mais requisitado pela comissão parlamentar a prestar informação no âmbito das petições. Logo a seguir, de acordo com os registos da Assembleia, o ministério da Saúde deixou sem resposta sete pedidos. Um exemplo: no âmbito de uma petição a solicitar a "comparticipação para aquisição de equipamento de medição dos níveis de glicose por indivíduos com diabetes" - com 11265 subscritores - foi pedida informação ao ministério em dezembro de 2016. Sem que a resposta tenha chegado, o deputado relator da petição insistiu, em março deste ano. Até agora, com o mesmo resultado. O mesmo sucedeu com uma petição que defende que o "acompanhamento no parto se reporte ao casal (mãe e pai)", com um número recorde de assinaturas entre os textos que não mereceram resposta dos ministérios - 83678. O Ministério do Trabalho também conta várias omissões, tal como as Finanças - embora, neste último caso, o número de respostas seja superior aos pedidos não respondidos.
Sanção prevista nunca foi usada
O DN questionou o ministério da Educação sobre as razões para este silêncio face ao parlamento. Na resposta, é argumentado que "sem prejuízo de eventuais melhorias no processo e tempo de resposta às solicitações dirigidas ao ministério, este procura sempre responder, nos termos da lei, às solicitações de informação que lhe são dirigidas". O Ministério da Saúde não respondeu às questões que lhe foram colocadas.
O DN questionou vários deputados sobre se alguma vez foi feito recurso à sanção prevista na lei, para o que seria necessária a apresentação de uma queixa-crime - ninguém tem memória de que tal tenha sido feito. O comunista António Filipe, um dos "veteranos" da Assembleia da República, recorda que, numa anterior legislatura, face à falta de resposta de um ministério, insistiu no pedido lembrando ao destinatário que isso constituía crime. Foi respondido prontamente.
Perante a mesma questão, José Matos Rosa, presidente da comissão parlamentar de Saúde, disse ao DN que a questão nunca foi levantada por qualquer relator de uma petição. O DN tentou também contactar o presidente da comissão parlamentar de Educação, sem sucesso.