Os opostos atraem-se. Esta é a premissa da animação de verão da Disney, Elemental, de Peter Sohn, aposta da Pixar que nos EUA não teve resultados de bilheteira condizentes com o historial do passado. O romance em questão diz respeito a dois seres da Cidade Elemento. Ele chama-se Wade e é uma alma aquática feliz, rapaz de boas famílias aguadas, ela Ember, jovem fogosa que ajuda o pai emigrante numa loja na zona menos "in" da cidade. Cidade essa onde os moradores pertencentes aos elementos fogo, água, terra e ar vivem em conjunto. Um romance impossível que desafia crenças num mundo gerido pelas fronteiras instituídas. O moral da história: os seres aquáticos são descritos como privilegiados e eventualmente preconceituosos, enquanto os do fogo mais classe trabalhadora e vistos como emigrantes..Peter Sohn, descendente de emigrantes coreanos, tem dito que o filme tem uma linhagem autobiográfica. As metáforas são muitas e num encontro em Cannes quando o filme teve direto a seleção oficial fora de competição a confissão foi evidente: "demorámos sete anos a fazer este filme...Apanhámos muitas eras sociais na América ao longo desta feitura...Mas Elemental é mesmo muito pessoal e tentei sempre ter em mente a necessidade de funcionar como um agradecimento aos pais. E os meus faleceram durante a produção, logo havia uma necessidade fervorosa disto ter de correr bem! Honrar os meus pais tornou-se a prioridade!! Pensando naquilo que eles se sacrificaram para me criarem nos EUA surgiram muitas ideias, sobretudo memórias de infância quando num McDonalds ouvi alguém a gritar para nós voltem para o vosso país! Esses temas vieram de um lugar muito pessoal...O filme é também uma análise sobre o que eles abdicaram em prole da minha educação. Toda a nossa equipa refletiu acerca dos sacrifícios dos seus pais. Esse foi o nosso farol, não nos podíamos focar em nada mais sob o risco de ficarmos perdidos em referências. Sempre que havia uma dispersão pensava nesse farol. Creio que o filme fala por si próprio: tudo o que de lá sai vem de compaixão, de empatia...Mas atenção que a ideia de contar algo pessoal assusta-me de morte! Isto poderia esmagar-me, embora na Pixar haja uma proteção e uma compaixão para que possamos seguir estas ideias"..Sobre a filosofia Pixar, Sohn é explícito: "trabalhar neste estúdio não tem a ver com hierarquias. Todos queremos é ajudar o filme, essa é a crença comum e todos estão a sempre a atirar as melhores ideias. Por exemplo, comecei em À Procura de Nemo como artista de esboços! Mas depois o realizador, o Andrew Stanton, começou a achar que os meus desenhos poderiam trazer algo à história. Foi aí que cheguei à parte da narrativa e imaginei toda uma sequência. O problema é que o Andrew odiou o meu trabalho e rejeitou-o. Lembro-me de ter ficado destruído porque achava que estava lá todo o meu coração! Pensei, será que da próxima vez meto todo o meu coração de novo? E a resposta era...sim!! Ser rejeitado custa como o caraças, mas é bom para o filme! Há que colocar sempre todo o coração no projeto! Essa é a lição de todos os filmes da Pixar...", em especial numa obra que aborda questões de racismo e luta de classes. Sohn vai até mais longe: "este é um filme que percebe uma das regras dos filmes sobre corpos da Pixar, onde duas personagens diferentes que não se dão bem mas que depois acabam por se ligar ao verem algo do outro que é fator de atração. Em Elemental estas personagens tem buracos, as suas vidas têm um buraco criado por algo. E a nossa história é sobre como ambos conseguem encher esse buraco um do outro...A rapariga do fogo tem um buraco que vem do fardo da família, um fardo que não é feito para si, enquanto que ele tem o mesmo problema e acaba por funcionar como um espelho através da sua empatia"..Num plano mais pessoal, já que esta é uma narrativa sobre aquilo que nos é oposto e o que daí sai como atração, o DN quis saber qual o oposto do realizador e a resposta foi divertida: "sou fanático pelas novelas coreanas, farto-me de chorar! Era algo que me fazia comunicar com a minha mãe...Eu não conseguia ligar-me a ela em muitas coisas mas ao vermos as novelas juntos sentíamos uma proximidade. Dava-me muito prazer emocionar-me ao seu lado"..Sobre esta nova ordem na animação de Hollywood, após a "revolução" de Super Mario Bros. e a conquista das bilheteiras do Homem-Aranha animado, Sohn, lembra que em matéria de super-heróis, a Pixar já terá inovado com The Incredibles, mas sabe, ou pressente, que os tempos estão a mudar: "mas isso dos super-heróis tem que se lhe diga. Algumas das nossas personagens têm superpoderes que nós criámos mas não são super-heróis! A verdade é que Elemental é verdadeiramente original, não se baseia numa franquia, não é uma sequela nem nada disso. Nos dias de hoje é difícil que isto possa acontecer...Seja como for, é um filme muito comercial mas é um grande desafio para a Disney. O que posso garantir é que foi feito com montes de amor, aqui não sabemos fazer de outra maneira. Resta também saber onde e como as pessoas querem ver os filmes. A Disney + já está implantada, mas, ao mesmo tempo, depois da pandemia, estamos numa sala de cinema a rir ao lado de pessoas que também se estão a rir, é algo que mexe com a nossa química. Isso do templo do cinema é algo que não se pode replicar. Foi essa a chave de Super Mario Bros. e aconteceu com os meus filhos que são mesmo putos - antes, com a pandemia, não puderam conhecer a sensação da sala de cinema...E tudo o que fazemos na Pixar é a pensar no grande ecrã - essa é a nossa fidelidade imaculada. Queremos perseguir essa vertigem coletiva de um sentimento da plateia"..Peter Sohn, o pai deste Elemental, é um dos meninos queridos desta fase da Pixar, mesmo tendo no currículo A Viagem de Arlo, longa-metragem de 2015 que não foi propriamente um dos clássicos do estúdio impulsionado por John Lasseter. Sohn que é também recorrentemente chamado para dar a sua voz a personagens secundários. Além de animador, foi também um dos produtores de Luca, animação da Pixar que apenas pôde ser vista na plataforma Disney +....É consensual: os melhores filmes de animação vêm sempre com o logo da lâmpada. A Pixar, antes ou depois de vir como o nome da sua casa mãe, a Disney, sempre foi garante de qualidade. É o estúdio de animação que parece ter uma receita indestrutível, o estúdio que nos habitou mal: sucessos de bilheteira quase sempre com vénia da imprensa especializada. Segue uma amostra de uma possível lista dos melhores dos melhores. Desde 1995 que a animação CGI da Pixar formou um gosto, um olhar..TOY STORY- OS RIVAIS - John Lasseter - 1995.Uma história de brinquedos que ganham vida quando os humanos não os viam. O primeiro filme da Pixar era uma limpeza para os olhos de um público que não estava habituado a esta nova técnica de imagens geridas por computador. Obra que mudou a história da animação mas sobretudo uma feliz combinação de arte narrativa com um humor tão comovente como irreverente..RATATOUILLE - Brad Bird-2007.E no período de ouro do estúdio - quando era inevitável trazer sempre o Óscar de melhor filme - chegava a colaboração com Brad Bird, mago da animação que trazia um olhar de autor nesta comédia "gourmet" que fazia uma belíssima ponte para públicos graúdos e infantis. Uma ode à perfeição já com uma avanço técnico cada vez mais revolucionário..WALL.E - Andrew Stanton- 2008.Uma história de robôs com o sentido da vida. Profecia arriscada da Pixar num conto de "sci-fi" puro com a magia do estúdio. Uma magia que é quase secreta na forma como narra a história de amor entre robô chamado Wall.e e Eva, uma robô que o leva para uma aventura inesperada. Acima de tudo, a criação de um universo visual sofisticado e com um bom gosto elaborado, diferente de tudo o que se tinha visto. Mais outra obra à frente do seu tempo e capaz da tal transversalidade de audiências....UP- ALTAMENTE-Pete Docter -2009.Absoluta obra-prima do catálogo do estúdio. Uma combinação de melodrama adulto com diversão pura na história de um idoso que viaja com a sua casa nos céus até a um destino que sempre quis visitar com a sua esposa falecida. Docter, agora um dos mandões do estúdio, fazia um cinema de animação altamente emocional e tinha direito a abrir o Festival de Cannes....TOY STORY 3- Lee Unkrich- 2010.Outra das obras-primas da casa. Como superar a sequela maravilhosa de Toy Story, Toy Story 2- Em Busca de Woody? O impossível aconteceu numa terceira parte que sintetiza todo manancial das possibilidades "humanas" e tecnológicas destes filmes. O filme comoveu uma geração que terá crescido com Woody e o outros brinquedos. Apesar de ser uma sequela, mais original era impossível....SOUL-UMA AVENTURA COM ALMA -Pete Docter- 2020.Não foi um dos grandes sucessos do estúdio porque a pandemia não o deixou - apenas teve ordem de estreia na plataforma da casa mãe, mas Soul é sem dúvida o grande filme "arriscado" da Pixar: uma obra sobre uma personagem adorável que...morre! A história passa-se no limbo, no outro lado depois de morrermos. Enfim, um filme sobre a morte que é afinal uma lição de vida. Uma lição sem alguns dos moralismos da Disney numa construção dramática com jazz experimental e um brinde à cultura afro-americana. Será dos filmes Pixar que melhor envelhecerá com o tempo..dnot@dn.pt