Peter Brook

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Criador de espectáculos vistos em Lisboa com certa regularidade e até mestre de veteranos do teatro português, como João Mota e Manuela de Freitas, Peter Brook faz agora estreia absoluta no Algarve, através de duas produções da sua companhia. No Centro Cultural de Lagos, a Faro Capital Nacional da Cultura (FCNC) apresenta um programa que esteve em risco de ser cancelado e cuja viabilização, in extremis, a descativação de verbas do Ministério da Cultura para FCNC possibilitou. Trata-se d'A Morte de Krishna, segundo um excerto d'O Mahabharata (hoje, às 18.00) e d'O Grande Inquisidor, espectáculo livremente adaptado do romance de Dostoievski Os Irmãos Karamazov (amanhã, 21.30). Espectáculos em língua francesa, legendados.

Intérprete dos dois e no primeiro a contracenar com o actor Antonin Sthaly, é Maurice Bénichou, que acompanha Peter Brook desde 1974 e a sua emblemática encenação do Tímon de Atenas de William Shakespeare. O(a) leitor(a) recordará talvez Maurice Bénichou, enquanto actor convidado no popular filme francês O Fabuloso Destino de Amélie. E, por nomear um filme/a sua memória, aqui vai outra memória que poderá também ser-lhe comum a transmissão pela RTP, em episódios semanais, de uma desmesurada produção, com base em cantos da epopeia sagrada indiana Mahabharata pelo poeta Vyasa (18 cantos, 200 mil versos), adaptação do argumentista Jean-Claude Carrière e de Marie-Hélène Estienne, sob direcção do encenador, teórico teatral (autor de, entre outras obras, o fundamental The Empty Space/L'Espace vide) e realizador de cinema Peter Brook (n. 1925), britânico radicado em Paris e director-fundador, há quase 40 anos, do Théâtre des Bouffes du Nord e do Centro Internacional de Criação Teatral.

Pois acontece que o texto A Morte de Krishna é, nem mais nem menos que um excerto do Mahabharata de Vyasa, em versão dos referidos colaboradores de Peter Brook. O espectáculo constitui-se numa parábola sobre a morte e a vida, com interacção do divino Krishna e dum caçador, que o fere na planta de um pé, por ter confundido, na penumbra da floresta, os seus pés cruzados em posição meditativa iogi com as orelhas de um antílope. Embora ferido de morte, Krishna aceita-a com filosófica serenidade. A acompanhar a representação, há música composta por um dos actores (Antonin Stahly), na cena iluminada por Philippe Vialatte.

Aos mesmos desenhador de luz e compositor se devem também a iluminação e as atmosferas sonoras de O Grande Inquisidor. Marie-Hélène Estienne assina, para este espectáculo, adaptação duma parte d'Os Irmãos Karamazov (1879-1880), o monumental derradeiro romance de Dostoievski, no qual os titulares irmãos Ivan, Mitia e Smerdiakov são suspeitos de ter assassinado o pai, passando entretanto por provas que lhes revelam a sua verdade profunda. Na parte adaptada à cena, a acção situa-se em Sevilha, na Espanha do século XVI, com Cristo regressado e o Cardeal Grande Inquisidor a atravessar uma praça, benzendo o povo sem dizer palavra e seguindo caminho, enquanto um prisioneiro é conduzido para a prisão do Santo Ofício e fechado numa cela.

Apresentados os resumos, fundamental mesmo é a volta que o encenador lhes dá, a forma expressa em cena. No caso de Peter Brook, tudo acontece num grande despojamento cénico e interpretativo, obedecendo basicamente a princípios por si defendidos em The Empty Space (último capítulo, O teatro imediato) "Devemos provar que não há qualquer batota, que não escondemos nada. Devemos abrir as mãos nuas e dar a ver que não temos nada na manga. Então, poderemos começar."

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