Peter Broderick faz música sem fronteiras
Peter Broderick, que entre quarta e sexta-feira atua em Aveiro, no Porto e em Lisboa como um dos nomes em destaque no festival Misty Fest, aceitou aos 20 anos mudar de vida, de forma radical, em nome de um convite dos dinamarqueses Efterklang, que o descobriram como instrumentista e criador da forma mais prosaica possível, através do MySpace. Conhecido como músico de sessão, por exemplo para Zooey Deschanel e M. Ward, sobretudo pelos seus desempenhos com o violino (o único instrumento em que dispôs de formação académica), o norte-americano, nascido no estado do Maine, mas desde cedo enraizado em Portland, Oregon, gosta de recordar que, à época, nem sequer tinha passaporte... Tal não o impediu de atravessar os mares e de cumprir um "plano quinquenal" com os nórdicos, respeitáveis pontas-de-lança do rock dito alternativo.
Terá sido, também, essa revolução a permitir-lhe desenvolver o gosto por áreas musicais que, longe de se cingirem ao rock, cedo revelaram o seu apreço por alguns dos maiores nomes da chamada música contemporânea, como Arvo Part e John Cage.
Para muitos dos que hoje o conhecem - e reconhecem como uma força criativa autónoma e marcante -, o "romance" terá começado com a edição de Home (2008), um disco que, se constituísse uma aventura solitária, atiraria Broderick para o catálogo, bastante elástico, da neo-folk: em canções-chave como It"s Alright ou Not At Home, há um trabalho tão planante como rigoroso das violas acústicas, secundadas por outros instrumentos ocasionais, e há uma aposta na justaposição das vozes, com o autor a "dobrar-se" a si mesmo, de modo a que o desfecho final soe como um ensemble, rico, magnético, infinito.
Acontece que, depois disso, Broderick só regressaria a um "disco vocal" (a expressão é escolhida pelo próprio) quatro anos depois e, pelo meio, numa atividade que pode, sem margem de erro, ser considerada fervilhante, ele fez um pouco de tudo: música para pequenos filmes, para bailados, para servir de apoio a instalações artísticas. Mais: tomou como base o piano, sem deixar de aflorar outras presenças inesperadas (até o banjo, a viola de arco, o acordeão) e sem abdicar de um desenvolvimento lógico, que implicou a sua proximidade com a eletrónica. Estes desenvolvimentos acabaram por obrigar a uma viagem no mapa dos rótulos: muitos dos que abordam, agora, a sua obra empurram-no para o terreno dos neoclássicos.
Estar próximo, ser espontâneo
Algo que colide com uma das traves-mestras definidas por Broderick para explicar o seu lugar na música: o ser espontâneo. Ou seja, quando poderia pensar-se numa abordagem cerebral, o músico - agora com 29 anos - renega qualquer excesso de racionalismo: "Uma das maiores provas de que a minha motivação passa por ser espontâneo está nisto: eu continuo a gravar a primeira coisa que me vem à cabeça, seja uma simples melodia ou um caminho para poder improvisar sobre algo que já esteja feito. Julgo que este método também se prende com o facto de eu tocar muitos instrumentos, em vez de me focar apenas num. Se fosse mais paciente, talvez tentasse desenvolver, prolongar, o trabalho sobre um mesmo tema, uma mesma melodia. Mas não sou assim: prefiro experimentar todas as ideias que me passam pela cabeça, e faço-o o mais depressa possível... para não as perder, entretanto".
No seu disco mais recente, Partners, este artista - já comparado a um canivete suíço, por ser compacto, elegante e plural - presta, em piano solo, homenagem a John Cage. O que chega para aumentar a expectativa e o mistério face aos seus concertos portugueses, onde tudo pode acontecer. Sabe-se, apenas, que Broderick tem por lema alternar temas instrumentais e vocais. Quanto ao resto, ficamos quase-quase como São Tomé: é ver para querer.