Pessoas e Doenças Raras, Investigar, Diagnosticar, Tratar e Proteger

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Nas últimas duas décadas, todos aqueles que pertencem a um gigantesco grupo, hoje composto por mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo, atingidas por uma das muitas doenças raras já diagnosticadas, cujo número ainda não terá sido corretamente decifrado, mas que se estima estar entre as 6.000 e as 8.000, têm acompanhado com uma enorme expectativa o crescente interesse que esta causa tem despertado no setor social e no da saúde. Pelas constantes publicações, que ocorrem em maior número durante o mês de fevereiro e já suficientemente divulgadas por todos os órgãos de comunicação, não vou referir-me às estatísticas, às origens ou às causas da raridade.

A comunidade científica e a indústria farmacêutica divulgam, quase diariamente, os resultados nem sempre brilhantes mas demonstrativos do seu empenho em minimizar os efeitos destas doenças e, sobretudo, em contribuírem para o seu tratamento ou para a sua cura, se isso se afigurar possível. Claro que não estão sozinhos. À sua volta, procura-se agregar conhecimento através da organização de Redes de Referência, por enquanto, apenas Europeias. As ERN - European Reference Network, criadas por concurso da União Europeia em 2016, e lançadas formalmente na Cimeira de Vilnius em 2017, têm sido determinantes para a captação de novos defensores dos doentes, os EPAG - European Patients Advocacy Groups. Adicionalmente, e não menos importantes, os Prestadores de Cuidados de Saúde (HCP"s) foram chamados a constituírem os grupos principais na necessária organização de respostas para estas pessoas.

Acompanho com muita atenção, desde o início deste processo e na qualidade de EPAG na Rede Europeia de Doenças Neuromusculares EURO NMD, toda a sua evolução e o envolvimento empenhado dos muitos profissionais de saúde. Em conjunto com parceiros de outros países, tem sido possível construir verdadeiras bases de conhecimento e de vontade para construir um futuro melhor. No centro de todo este entusiasmo, e com uma equipa de profissionais de nível internacional, está a EURORDIS. Esta organização liderou um Estudo Prospetivo, iniciado pela Comissão Europeia e financiado pelo Projeto Piloto e Programa de Ações Preparatórias da Comissão Europeia - o "Rare 2030". Desse estudo, saíram oito recomendações finais que abrangem o diagnóstico, o tratamento, os cuidados de saúde, a investigação, a importância dos dados em saúde e das infraestruturas europeias e nacionais, definindo um roteiro para as políticas das doenças raras na próxima década.

A primeira recomendação sugere um quadro político europeu que oriente a implementação de planos estratégicos nacionais consistentes, monitorizados e avaliados regularmente por um organismo multissetorial. Em Portugal, a Estratégia Integrada para as Doenças Raras aguarda há algum tempo por uma discussão séria e objetiva, alargada a todos os representantes dos doentes, da saúde, da ação social, da investigação, do medicamento, entre muitos outros que compõem o grande grupo de interessados na resolução deste problema, para o futuro da sociedade. Portanto, é necessária e urgente, uma maior e mais efetiva demonstração de interesse por parte dos decisores, nomeadamente dos ministérios envolvidos.

De todas as outras recomendações, destaco a segunda. Sem margem para dúvidas, ou para hesitações, esta refere-se à importância de um Diagnóstico Precoce mais rápido e mais preciso das doenças raras, através das normas e dos programas já harmonizados na Europa. Talvez seja necessário acrescentar que o Diagnóstico Precoce só faz sentido nas doenças para as quais já exista tratamento, embora isso não seja matéria consensual em alguns países. Em Portugal, está em curso um processo de implementação de projetos piloto para a inclusão no PNRN - Programa Nacional de Rastreio Neonatal, vulgarmente conhecido pelo "Teste do Pezinho", de duas doenças raras. A Drepanocitose, já implementado desde o final de janeiro, e a Atrofia Muscular Espinhal (AME) cujo estudo e aplicação estão a ser acompanhados de perto pela APN e pela SPEDNM, em conjunto com o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Pela importância e urgência do diagnóstico pré-sintomático, que permitirá um tratamento mais precoce e, consequentemente mais eficaz para uma doença tão grave, espera-se que, este último, entre em funcionamento em breve.

O DDR - Dia das Doenças Raras lança, anualmente e já em quase todo o mundo, alguns temas para a mesa da discussão e envolve algumas entidades responsáveis por novas políticas neste setor. No nosso país, os representantes dos doentes, e eles próprios, aguardam há alguns anos que a Estratégia 2015-2020 seja continuada, definida, debatida, implementada e consolidada. Apesar de contarmos com mais 22 Centros Afiliados das Redes Europeias, desde 1 de janeiro 2022 onde, pela primeira vez, se inclui um Centro ligado à Rede EURO-NMD localizado no Centro Hospitalar Universitário do Porto, entre outros pelos quais ansiávamos há muito tempo, considero que é urgente continuar o trabalho atribuído à Comissão Interministerial criada pelo Despacho n.º 2129-B/2015. À DGS compete dar seguimento ao que, há anos demais, está à espera de continuidade. Só com o envolvimento e auscultação de todas as partes interessadas, poderemos melhorar a vida destas pessoas.

Porque estas pessoas também contam.

Presidente da APN - Associação Portuguesa de Neuromusculares

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