Peso do salário mínimo no trabalho recua para o nível mais baixo de há sete anos

No segundo trimestre, 20,8% dos trabalhadores recebiam o mínimo definido por lei, apesar desta retribuição ter aumentado 50% desde 2015. "Diferença entre homens e mulheres nunca foi tão pequena", revela a ministra.
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O mercado de trabalho por conta de outrem está a atravessar um novo dinamismo salarial com as remunerações a descolar da retribuição mínima mensal garantida, que este ano aumentou 55 euros ou 7,8% para 760 euros. O peso do salário mínimo nacional (SMN) no trabalho caiu, no segundo trimestre, para 20,8%, o valor mais baixo desde 2016 (21%), primeiro ano da governação socialista de António Costa, na comparação homóloga, revelam os mais recentes dados do Ministério do Trabalho solicitados pelo Dinheiro Vivo.

Este movimento surge apesar de "o salário mínimo ter subido 50% e de termos mais um milhão de trabalhadores declarados à Segurança Social desde 2015", salientou a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, em declarações ao DV. Analisando a evolução da retribuição mínima desde 2015, que estava nos 505 euros, e até 2023, quando subiu para 760 euros, verifica-se um incremento significativo de 255 euros brutos mensais, o que corresponde a um aumento de 50,5%. Também a força laboral contratada por conta de outrem subiu, tendo ultrapassado os quatro milhões.
Tradicionalmente, novos impulsos do salário mínimo levam a que mais trabalhadores aufiram aquele valor, que é decretado pelo governo, o que provoca uma aproximação do mínimo ao ganho médio. No segundo trimestre de 2021 e 2022, anos em que o SMN era de 665 euros e de 705 euros, respetivamente, quase um quarto dos trabalhadores estavam neste bolo. Mas o maior pico verificou-se em 2020, quando este ordenado subiu 35 euros ou 5,8% para 635 euros: mais de 27% da força laboral ganhava o mínimo tabelado por lei.

O ano de 2023 traz outra realidade, ainda que a percentagem de trabalhadores com o SMN tenha estado a recuar desde o início da pandemia (2020). No segundo trimestre, 838 111 trabalhadores por conta de outrem, ou 20,8% do total de mais de 4 030 919 declarados à Segurança Social, recebiam o ordenado mínimo, proporção que caiu 3,5 pontos percentuais face ao mesmo período de 2022, quando 24,3% dos trabalhadores auferiam o SMN. Em percentagem, é também o valor mais baixo de há sete anos. Em termos absolutos, observou-se um decréscimo de 98 mil funcionários, já que, no ano passado, 935 860 tinham a folha de vencimento indexada ao SMN.

A desigualdade por género melhorou substancialmente. "A diferença entre o número de homens e mulheres com SMN nunca foi tão pequena como neste último trimestre", destacou Ana Mendes Godinho. Em 2016, havia mais 77 336 mulheres a receber o SMN do que os homens. Agora, apenas mais 5335 trabalhadoras estão com SMN comparativamente com o sexo masculino. Ou seja, a desigualdade salarial reduziu-se em 93%, segundo as estatísticas da tutela. Em detalhe, no segundo trimestre, 421 723 trabalhadoras estavam no ordenado mínimo, mais 5335 comparativamente com os homens (416 388). Os dados do mesmo período de 2022 mostram um fosso muito superior: existiam 480 630 funcionárias com o vencimento mínimo, ou seja, mais 25401 do que o número de homens (455 229).

"Normalmente, a incidência do SMN é maior nas mulheres do que nos homens, mas, no segundo trimestre, conseguimos uma diferença de apenas cinco mil, sendo que o número mais baixo que já alguma vez tínhamos era de cerca de mais 20 mil mulheres a ganhar oo SMN ordenado mínimo comparativamente com os homens", sublinha a ministra do Trabalho. E acrescenta: "No fundo, estamos a conseguir igualar a percentagem de homens e mulheres com SMN".

Para além disso, há menos jovens a receber o mínimo. Assim, a percentagem de trabalhadores, com menos de 25 anos, recuou 4,7% face a 2022. Em termos absolutos, no primeiro trimestre de 2023, 78 mil auferiam a retribuição mínima garantida, ou seja, menos nove mil relativamente ao período homólogo do ano passado, ainda que o emprego jovem tenha crescido, de acordo com a informação enviada pela tutela. Os dados do Ministério ainda não detalham, contudo, a distribuição do salário mínimo por tipo de contrato (efetivo ou precário) e por nível de formação.

Para Mendes Godinho, "estes números mostram que o mercado de trabalho está cada vez mais a descolar do salário mínimo". "Escassez de mão-de-obra, inflação, aumento real quase nulo do salário mínimo e dinamismo da contratação coletiva" são alguns dos fatores que explicam esta trajetória descendente relativa ao peso do SMN, explica ao DV o professor da Universidade do Minho e especialista em Economia do Trabalho, João Cerejeira.

"Com o fim da pandemia, atividades como o turismo e o comércio recuperaram e começaram a contratar mais, a procura subiu", segundo Cerejeira. Neste cenário, e tendo em conta que, em termos reais, isto é, deduzindo a inflação, o aumento do SMN, nos últimos dois anos, foi praticamente nulo, as empresas sentiram-se pressionadas a aumentar mais os salários", continuou. Por outro lado, "a contratação coletiva que esteve congelada durante o período covid-19 está agora a recuperar, tendo-se verificado uma subida do número de convenções e trabalhadores abrangidos, o que também faz elevar os ordenados, uma vez que, por norma, estes instrumentos preveem melhores remunerações e condições para os funcionários", rematou.

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