Pescador de almas
Eduardo Soares. Habituado às lides do mar, este bombeiro e pescador, conhecido como 'Tubarão', seguiu a tradição familiar e resgatou duas náufragas que gritavam em pânico, correndo o risco de serem arrastadas por ondas de dois metros no cabo Raso, a 19 de Maio do ano passado. A coragem valeu-lhe o prémio de Bombeiro de Mérito 2007, recompensa para quem quer "vestir a farda e ajudar quem precisa". Nele, isso é "um dever e uma vocação"
Nunca mais viu as mulheres que salvou. Basta o dever cumprido
"Mau, vai haver mão de vaca!", pensou para os seus botões o bombei- ro de terceira classe Eduardo Soares, de 35 anos, conhecido como "Tubarão" nos meios piscatórios, quando foi convocado para comparecer no quartel, a um domingo, pelo comandante da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Cascais (AHBVC).
Tão convencido estava de que iria levar uma qualquer descompostura que foi preciso quebrarem o suspense para o impedirem de despir a farda e rumar logo a casa: afinal, o motivo da reunião era comunicar-lhe que tinha sido distinguido como Bombeiro de Mérito 2007, pelo salvamento no mar de duas mulheres vítimas de naufrágio no cabo Raso.
Ainda com as luzes dos 15 minutos de fama nos olhos, após a recente participação em directo, ao lado de Manuel Luís Goucha, na gala Heróis por Uma Causa, realizada pela TVI no Coliseu de Lisboa, ao lado de Manuel Luís Goucha, Eduardo Soares lembra ao DN gente diversos pormenores ocorridos na noite de 19 de Maio do ano passado quando, cerca das 23.30, a viatura em que prestava serviço, numa equipa de sete elementos comandada pelo subchefe Firmino Soares, seu irmão, recebeu uma chamada de socorro a um possível naufrágio na zona do cabo Raso, em Cascais.
"Ainda pensámos que se tratasse de uma brincadeira, mas, apesar do mau tempo, vi a luz vermelha do mastro, e que a situação era perigosa. Eram duas mulheres, de idades entre os 20 e os 30 anos, que tinham partido de Lisboa numa regata com um iate de mais de dez metros mas voltaram para trás, e ficaram encalhadas. Gritavam com o terror de serem levadas pelas ondas, com cerca de dois metros, enquanto soprava um vento forte de noroeste", recorda o voluntário.
'Surf' salvador
Feita a segurança da embarcação com uma espia que Eduardo, guiado tanto pela experiência de pescador profissional como pelo treino de bombeiro, levou, correndo pelas rochas descobertas pela maré vazia, até às duas vítimas, as quais ataram o cabo à popa do barco, foi então a altura do salvamento propriamente dito.
"Atirei-lhes um cabo mais fino atado a uma bóia, ficando eu com outro mais grosso, fixado em terra. Depois ia-lhes dizendo quando deviam fazer surf com a bóia - agora atirem-se! - aproveitando as ondas, até chegarem em segurança à costa", descreve.
Essa viagem radical demorou cerca de dez minutos, num total de 60 desde a resposta à chamada até que as duas mulheres foram entregues aos cuidados do INEM. "Sei que ficaram bem mas, até hoje, nunca mais as vi..."
Passados minutos, já depois de ter desmobilizado a maior parte dos efectivos do local, o comandante dos voluntários cascaenses viu o mar desfazer o que restava do veleiro.
O bombeiro e o mar
Não é com agradecimentos que Eduardo alimenta a vontade de continuar a ser bombeiro, como os irmãos Firmino e Fernando Soares. Este, já falecido, recebeu em 1982 a mais alta condecoração da Liga dos Bombeiros Portugueses, a Medalha de Ouro de Três Estrelas, pelo salvamento de um pescador, durante a primeira gala do prémio Bombeiro do Ano, hoje denominado Bombeiro de Mérito.
"Gosto de vestir a farda e socorrer as pessoas que precisam. É um dever e uma vocação."
Também seguiu o exemplo fraterno da pesca profissional, que lhe valeu, aos 16 anos, a alcunha de "Tubarão". "Ele estava no quartel e passou um homem que não regulava bem e meteu-se com ele. Disseram--lhe para ter cuidado, que era um pescador, e ele disse: parece mesmo um tubarãozinho... Ficou logo ali baptizado", explica Firmino... o "Moreia".
A pesca profissional foi há pouco abandonada por Eduardo, que já só vai ao mar por desporto, nas folgas de fim-de-semana: juntou o útil ao agradável. "Trabalhava de manhã num barco só quando estava num mês de serviço à tarde, porque nos outros não dava. Como precisava de pagar as contas e isso não chegava, consegui ficar aqui nos bombeiros como maqueiro."
Mas não se esquecem facilmente histórias de dias de pesca como aquele em que, em 1991, com o irmão Firmino, o "Tubarão" apanhou nas redes... um tubarão-frade com mais de cinco metros: "O bicho estava já morto e era maior do que o barco: demorámos mais de uma hora da Boca do Inferno à praia do Peixe, onde o entregámos para ser destruído."
As façanhas de socorro e salvamento, essas, são também muitas, e, quando a faina do bombeiro corre bem, é de trazer almas à segurança que Eduardo Soares pode, com justiça, gabar-se. O Prémio Bombeiro de Mérito, que deverá receber em Setembro, é disso merecida recompensa.