Peru. O original e a cópia de Machu Picchu
Na véspera do Natal, o Peru, na edição de hoje do "Diário de Notícias". Não há coincidências, talvez. Falemos, então, de uma história de turismo naquele país sul-americano. Antes da pandemia, a capacidade de carga de Machu Picchu foi ultrapassada e os responsáveis locais entenderam fazer uma cópia (Machu Picchu+1, segundo Pedro Castro, em artigo recente no "Publituris") ao lado do original, mais parecendo que estamos em Las Vegas. Não satisfeitos com isso, para 2030 será inaugurado um segundo Machu Picchu e programa-se expulsar os índios e transformar cada casa em alojamento turístico. Dois mil turistas vão para o património original, outros ficam-se pela cópia, para que todos possam ver e levar uma recordação. Talvez nas fotos não se note a diferença. O problema é que à pala da sustentabilidade se destruiu uma parte significativa do caminho milenar dos incas e uma parte dos prados andinos e das florestas anãs de altitude. A "Velha Montanha", que é a tradução de Machu Picchu, pode ser atingida de comboio, de autocarro e a pé. Uma agência de viagens programou três rotas a iniciar, no mesmo dia, em pontos diferentes por outros tantos grupos. O primeiro grupo partiu da cidade aeroportuária de Cusco, de comboio, durante quase quatro horas, até chegar a Águas Calientes, que entretanto cresceu desordenadamente, de onde partiu um miniautocarro, que demora cerca de 30 minutos até Machu Picchu, pela rodovia Hiram Bingham que sobe a encosta desde a estação ferroviária de Puente Ruinas. O segundo grupo seguiu o Caminho Inca, numa caminhada de quatro dias para chegar a Machu Picchu pela Porta do Sol, partindo de uma viagem de comboio até ao quilómetro 82 da ferrovia Cusco-Águas Calientes, de onde parte o caminho a pé, durante 45 quilómetros, com descanso nos acampamentos, ou fazer um percurso mais curto, que pode ser realizado de duas maneiras: em dois dias, com descanso no alojamento próximo às ruínas de Wina Wayna, chegando à Porta do Sol pela manhã, ou caminhar os 12 quilómetros num único dia, chegando a Machu Picchu, no final da tarde, tal como foi escolhido pelo grupo. Finalmente, o terceiro grupo partiu também de Cusco, para fazer o passeio do Vale Sagrado dos Incas até Ollantaytambo e aí tomar o comboio até Aguas Calientes e depois um miniautocarro. Escolhi a primeira versão e fui inserido no primeiro grupo. Esta viagem aconteceu antes da pandemia. Durante este período, houve uma grande diminuição de turistas estrangeiros, mantendo-se algumas centenas de visitantes peruanos. Portanto, houve um êxodo da indústria do turismo e com pessoas a mudarem de negócio, designadamente voltando à agricultura. A ideia do Governo passou por usar a crise como botão de "reset" para que o turismo possa retornar de forma diferente, fazendo o "upgrade" necessário, como, por exemplo, incentivar os turistas a quererem ir além da observação da cultura para vivenciá-la, ou seja, uma aposta no turismo experiencial. Este baseia-se nas emoções e nos sentimentos dos viajantes. As atividades oferecidas no turismo experiencial tendem a ser pouco convencionais e tornam cada experiência singular. Trata-se de dar um novo sentido aos lugares visitados. O turismo de emoções deixa de lado o típico turismo de massas, onde se visitam os lugares mais conhecidos e tudo é observado superficialmente, enquanto a experiência global faz com que o próprio viajante faça parte do local que visita. Dessa forma, não se trata mais de visitar um antigo assentamento, mas de conhecer em pormenor como vivem os habitantes, por exemplo, revivendo sua maneira de preparar as refeições. A ideia é conseguir uma experiência holística. A verdade é que os agentes apostam cada vez mais neste produto turístico para atrair mais público. Quanto mais experiências pessoais e em grupos menores, melhor aceitação eles têm. O turismo experiencial é fazer com que o viajante participe, mais do que observar, para compreender e interpretar melhor. E, como tudo na vida, experiência é o que cada um de nós faz com o que lhe acontece, nem que seja repudiar falsas sustentabilidades. Porém, pergunto, a propósito: Será possível manter originalidades num mundo cheio de cópias?
Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.