Personalizada e menos de massas: o que os jovens querem da igreja

O que pensam os jovens do mundo e da igreja? O que querem e o que esperam dela? O DN ouviu um dos três portugueses que estiveram em Roma, em março, a participar na reunião que juntou jovens de todo o mundo para responderem a estas questões. Os bispos começam agora a discuti-las no Sínodo dos Jovens
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O que querem os jovens da igreja? A pergunta impõe-se numa altura em que começa o Sínodo dos Jovens em Roma, mas a resposta já foi dada e é tão simples quanto isto. "Que seja autêntica", diz ao DN Tomás Virtuoso, um dos três jovens portugueses que estiveram em março em Roma a preparar a reunião que agora vai ser levada a cabo por mais de 400 bispos e até ao dia 28 de outubro.

E explica: "Uma igreja que os escute, acompanhe, que os ajude na conversão, que tenha discernimento e que aceite os desafios de hoje. Uma igreja que não se feche, isole, num conjunto de considerações teóricas, mas que seja uma igreja mais próxima das suas raízes, das bases, que seja igreja de um para um, que personalize, que não tenha medo de ser vulnerável e de reconhecer as suas falhas, porque isso só a aproxima das pessoas. Uma igreja que seja capaz de falar ao coração dos jovens, que os ajude a aprofundar critérios, a formar a sua própria consciência e que os acompanhe."

Este é o desafio que ficou vertido no documento de quase 20 páginas entregue ao Papa logo em março e que traduz o pensamento dos jovens que ali estiveram reunidos a trabalhar durante cinco dias. A este documento foram ainda anexados pensamentos, citações e conclusões de inquéritos feitos online, em paróquias e em dioceses de todo o mundo.

Foi o próprio Papa Francisco que quis juntar os jovens nesta reunião magna para saber o que pensam do mundo, da igreja, o que esperam e o que querem dela, para preparar os trabalhos e o documento que vai estar na base da discussão dos bispos. E lançou logo um alerta a todos os que ali estavam, mais de 300, oriundos da Europa, África, Ásia, América Latina, América do Norte, Médio Oriente, etc: não pensem em juventude, não existe. Existem jovens e não são todos iguais. Para Tomás, como que a dizer "pensem em vocês, no que são, um a um, na vossa diversidade, diferenças, testemunhos, caminhos e na vossa fé." Tomás tem 24 anos e foi a Roma como representante do Secretariado Internacional das Equipas de Jovens de Nossa Senhora. Com ele estiveram ainda Joana Serôdio, uma bioquímica, de 30, que representou a Conferência Episcopal Portuguesa, e Rui Teixeira, um médico, também na casa dos 30, que esteve a representar os movimento de escuteiros católicos de todo o mundo.

Para todos os desafio foi grande: "Éramos muitos, de sítios completamente diferentes e com preocupações diferentes, mas o objetivo do Papa acredito que fosse o de demonstrar que quando a igreja se quer pensar a si própria não se pode fechar ou virar para dentro, se a igreja se quer pensar a si própria tem de se abrir à sua relação com o mundo", argumenta o estudante da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, a acabar mestrado em Economia e Política Internacional. "Não pode ser uma igreja que vai atrás da espuma dos dias, mas uma igreja capaz de ler os sinais dos tempos e de perceber o que faz sentido oferecer ao mundo através dos tempos."

Deste sínodo, os jovens esperam muito, esperam que saiam orientações para as paróquias, dioceses, para os católicos, mas que possam ser postas em prática, porque se forem apenas "orientações que integram um documento muito bonito, mas que não é possível de aplicar, então será um sínodo perdido", comenta Tomás, para quem fazer parte da religião é como fazer parte da família. "É um trabalho que devo aos meus pais. Nasci dentro da igreja e a minha fé também. Depois foi confirmada, mas sei que casos como o meu são cada vez menos", embora saliente que não tudo é mau. "Não, não é. Aliás, nunca vi uma igreja em Portugal tão jovem e tão viva."

Mas é preciso fazer mais, tanto cá como por esse mundo fora, porque as preocupações dos europeus não são as mesmas dos latino americanos. "Os europeus vivem muito mais a preocupação de um mundo descristianizado, os latino-americanos preocupam-se com questões de segurança e como estas não lhes permitem comprometerem-se com um projeto de vida mais arrojado. Os africanos, por exemplo, mais com a forma de conjugar a sua fé com as questões culturais. Os do médio oriente, que levaram àquela reunião testemunhos de perseguição real, de morte, preocupam-se como assumir a sua fé e viver tudo isto. Da China houve quem trouxesse a preocupação de como viver e assumir a fé publicamente quando a entendem muito mais como uma coisa privada", explica.

A diversidade marcou a reunião dos jovens. Por isso, o documento que saiu dela e que juntou, não poderia dizer "afirmativamente o que pensam os jovens, mas de que há jovens que pensam desta maneira ou daquela", mas numa coisa parece ter havido consenso e foi isso que foi transmitido a vontade de "uma igreja autêntica. É o que defendo também e que gostaria de ver sair deste sínodo", afirma Tomás. "Uma igreja que desça às bases, para ser muito mais uma igreja de um para um, capaz de acolher as pessoas, de lhes falar ao coração, de responder às suas necessidades, para que se sintam respeitadas na sua singularidade, e não tanto uma igreja de massas. "

Continuando: "Um dos grandes problemas do mundo de hoje é esta necessidade pouco saudável que temos de tentar arranjar remédios ou soluções universais, remédios que se prescrevem quase sem olhar para o paciente, sem perceber que necessidades tem aquela pessoa, o que quer realmente e que caminho procura, e quando é assim dá asneira. A igreja cai também nessa tentação e não deve e é esse o desafio de agora."

Segundo explicou o jovem ao DN, os bispos vão analisar um documento que está dividido em três áreas distintas: "A primeira mais virada para fora e a tentar perceber que relação tem hoje com os jovens, uma segunda mais virada para a fé, para a espiritualidade, acompanhamento. O que procuram os jovens como projeto de vida, e uma terceira virada para dentro, no sentido de perceber o que se faz de mal e de bem, e o que é preciso mudar."

Os jovens esperam que o que sair deste sínodo "seja possível descentralizar de Roma para chegar a cada paróquia, diocese, país", afirma Tomás Virtuoso.

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