Na nossa sociedade, o papel do binómio proibição-permissão tem assumido grande relevo. A verdade é que uma das primeiras coisas que nos ensinam é precisamente o que nos é interdito e o que nos é permitido. Tem sido a primeira base estruturante do indivíduo, a nível comportamental e educacional, desde a infância, através da adolescência e até à idade adulta. É frequentemente na perceção que resulta deste binómio que alicerçamos as nossas noções do certo e do errado, do lícito e do ilícito, quando falamos de vida em comunidade. Nesta perspetiva, a da harmonização de costumes e modos de estar em conjunto, é óbvia a sua utilidade para a ordem estabelecida. Mas, quando falamos numa perspetiva mais complexa e mais ampla, como a das políticas públicas de saúde e sociais, o simples proibir basta? Não deveremos nós, enquanto pais, cidadãos e responsáveis políticos, ter a maturidade suficiente para atingir aquela fase de questionação saudável que todos atravessamos, em que se reflete sobre a proibição, a sua prática e a sua utilidade?.Esta questão assume particular relevo na problemática da nossa relação com as substâncias consideradas psicoativas. Essa relação tem variado historicamente e mesmo hoje em dia se diversifica, a nível global, em função de práticas culturais. Em Portugal, o exemplo que ilustra, pelo lado positivo, a evolução da relação com as substâncias psicoativas continua a ser o do álcool. A atual resposta ao consumo de álcool não passa por uma proibição ou uma permissão em absoluto. Recorrendo a uma simbiose entre os dois conceitos, regulamentou-se e balizou-se o contexto do seu consumo, recusando a proibição estéril. Perante o fenómeno do consumo excessivo, optou-se não por proibir o álcool, mas por tratar e prevenir o alcoólico. Houve maturidade e coragem para privilegiar o indivíduo e atribuir o consumo excessivo também a determinadas características do consumidor e não em absoluto à substância..É cada vez mais sólido o pressuposto de que o consumo excessivo - seja ele de álcool, tabaco ou até de açúcar ou sal - se combate com regulamentação e com estratégias didáticas e eventualmente terapêuticas. No entanto, não somos capazes de abandonar a abordagem proibicionista em relação à canábis. Com a canábis, continuamos a insistir numa proibição que tropeça na realidade e que acaba por permitir a proteção da clandestinidade do tráfico e pôr em perigo a saúde pública, pela ausência de controlo. Até quando se permitirá uma proibição em que a única interdição de facto é a da consciência da sua inutilidade? A abordagem atual à canábis, como solução, tornou-se socialmente mais tóxica do que a substância que quis proibir..Deputada do PS. Escreve de acordo com a antiga ortografia.