Peritos defendem mais papel do Estado e menos das famílias nos cuidados não pagos

O peso relativo do trabalho de cuidado não pago prestado pelas famílias, e dentro destas sobretudo pelas mulheres, deveria ser reduzido para menos de 20% das necessidades de consumo de cuidado, bem abaixo do que efetivamente acontece
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Em 2030, o peso do cuidado não pago prestado pelas famílias deve reduzir-se de 44% para 34.5% das necessidades de consumo de cuidado, mas as famílias continuarão a assumir o papel mais preponderante neste domínio, prevê um painel de peritos, que considera também que deveria o Estado assumir um papel mais ativo nesta matéria.

No âmbito do projeto "O valor do trabalho não pago de mulheres e de homens - trabalho de cuidado e tarefas domésticas", desenvolvido por uma equipa de investigação do CESIS - Centro de Estudos para a Intervenção Social, os investigadores Helena Perista e Pedro Perista promoveram um ensaio de cenários sobre a distribuição da carga do trabalho não pago de cuidado entre as mulheres e os homens nas famílias, as organizações da sociedade civil, o Estado / os serviços públicos e o mercado.

No cenário desejável, apontam os peritos consultados, as mulheres e os homens nas famílias seriam responsáveis por 19.5% de todo o trabalho de cuidado, bem abaixo do que os especialistas consideram ser os cenários mais prováveis, quer na atualidade, quer em 2030.

Em contraponto à descida previsível do peso das famílias, todos os restantes setores intervenientes deverão ver o seu peso relativo crescer: ligeiramente, no caso do mercado, de 14% para 15.5%; de forma mais acentuada, no caso das organizações da sociedade civil, de 21% para 24%; e, principalmente, no caso do Estado, de 20.5% para 26%.

Ainda assim, ainda aquém daquilo que os peritos apontam como o cenário desejável para 2030, no qual o Estado deveria assumir papel de relevo enquanto responsável pela prestação de cuidado (30%). Seria, porém, secundado, com valores próximos, pelas organizações da sociedade civil (25.7%) e pelo mercado (24.8%).

"A distribuição da carga do cuidado ou, dito por outras palavras, da distribuição do esforço requerido para satisfazer as necessidades de cuidado, assume uma centralidade inquestionável no debate público e político. Face ao esgotamento dos recursos de tempo disponíveis nas famílias para dar resposta à procura crescente de cuidado, urge ensaiar cenários possíveis sobre a distribuição da oferta de trabalho não pago de cuidado entre: as mulheres e os homens nas famílias, as organizações da sociedade civil, o Estado / os serviços públicos e o mercado", explicam os responsáveis pelo projeto.

O projeto do CESIS, em parceria com a CITE - Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego e, a nível internacional, com o Institutt for samfunnsforskning (Noruega) usa a "Escala Durán", desenvolvida por Maria Ángeles Durán, consultora do projeto, para definir os valores de uma unidade de cuidado.

Esta escala atribui diferentes ponderações consoante o grupo etário em que cada pessoa se insere. Parte de uma base de ponderação 1, ou seja, uma pessoa equivalente a uma unidade de cuidado, aplicada à população adulta, com idade entre os 18 e os 64 anos, bem como à
população jovem entre os 15 e os 17 anos. Atribui, depois, um grau de ponderação 2, ou seja uma pessoa equivalente a duas unidades de cuidado, às crianças entre os 5 e os 14 anos e à população idosa entre os 65 e os 80 anos. Finalmente, atribui um grau de ponderação máximo de 3 às crianças com idade inferior a 5 anos e à população com mais de 80 anos de idade.

O projeto promoveu a realização de grupos de discussão que envolveram investigadores/as de áreas disciplinares diversas, com reflexão e experiência de trabalho neste domínio, e de diferentes universidades e centros de investigação: CESIS, FLUP, ICS-ULisboa, ISCTE - IUL, ISEG-ULisboa e Universidade Aberta; responsáveis por organismos com competências específicas ao nível das políticas públicas em áreas setoriais pertinentes: o CES - Conselho Económico e Social, a CIG - Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género e a CITE - Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego; e organizações da sociedade civil com intervenção relevante nestas matérias: a Associação Nacional de Cuidadores Informais e a PpDM - Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres.

Nestes grupos de discussão foram desenhados e discutidos quatro cenários sobre a distribuição da carga do trabalho de cuidado, explicam os investigadores: i) a situação vivida no momento presente; ii) a situação julgada desejável para o momento presente; iii) a situação provável no ano 2030; iv) a situação desejável no ano 2030.

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