Perigos do mundo com o génio fora da lâmpada

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Como Aladino poderia ter explicado no velho conto persa das Mil e Uma Noites, torna-se difícil voltar a introduzir o génio na lâmpada mágica, uma vez estando ele à solta. A história parece ser uma metáfora do conhecimento, mas também da cobiça e da sede de poder tão próprias da condição humana.

O génio da lâmpada foi solto a 16 de Julho de 1945, num ensaio que surpreendeu os próprios cientistas. Mas a terrível explosão nuclear que devastou a cidade japonesa de Hiroxima, três semanas mais tarde, no dia 6 de Agosto do mesmo ano, colocou num patamar de horror bem perigoso a questão do domínio do saber.

Foi há 50 anos. Os efeitos impressionantes, as vítimas inocentes. Em poucos segundos, morreram mais de 60 mil pessoas, praticamente todos os que estavam num raio de 800 metros da explosão. Milhares tinham ferimentos horríveis e morreram nos dias e meses seguintes. E ainda havia a radiação, que matou um número incontável. A macabra contabilidade atinge os 140 mil, metade dos habitantes.

Os relatos dos sobreviventes são quase insuportáveis. A aniquilação caiu sobre pessoas que nem podiam sonhar o que lhes acontecia. Os próprios militares foram dominados por uma profunda confusão. O estado-maior japonês, em Tóquio, perdera de súbito o contacto com toda uma cidade. Foi enviado de avião um jovem oficial, que três horas mais tarde voou à volta de Hiroxima, vendo a cena arrepiante a cidade estava em escombros, alguns sobreviventes pairavam num pasmo, havia milhares de feridos que necessitavam de assistência imediata.

O oficial regressou a Tóquio, mas o seu relato não foi entendido. O estado-maior só compreendeu o que acontecera quando foi difundido o comunicado americano. A espécie humana entrara na era nuclear, encontrara uma forma de se autodestruir, embora isso não fosse evidente naquele dia.

Meio século depois, as lições desta história não estão assimiladas. Os últimos 50 anos foram vividos no chamado "equilíbrio do terror" e, pelo menos uma vez, na crise dos mísseis cubanos, as duas superpotências estiveram demasiado perto de entrarem num conflito onde não teria havido sobreviventes.

mundo nuclear. Entretanto, o paradigma mudou. Num mundo posterior à Guerra Fria, formar um pequeno arsenal nuclear pode ser uma cartada de chantagem ou uma garantia de mais poder regional. A Coreia do Norte, por exemplo, quer negociar contrapartidas (dinheiro, comida, energia).

Na actualidade, há cinco potências nucleares reconhecidas no tratado de 1968 Estados Unidos, Rússia [herdeira legal da URSS], França, Reino Unido e China. São as cinco potências que contam.

Há três países com potencial nuclear, mas não reconhecidos (Índia, Israel e Paquistão). Todos têm a bomba e a forma de a usarem. Construíram engenhos por razões concretas a possibilidade de retaliarem de forma devastadora contra eventuais inimigos históricos, em caso de ataque.

Existe um terceiro grupo, o dos países que tiveram programas de armamento, entre eles África do Sul, Líbia, Brasil, Iraque, Coreia do Sul, Taiwan e Argentina. Todos abandonaram as ambições e sabe--se que pelo menos a África do Sul fabricou engenhos militares. Dois outros países (Irão e Coreia do Norte) estão a tentar construir uma bomba. Calcula-se que os coreanos já tenham conseguido. A ser assim, houve até agora dez nações com verdadeira capacidade nuclear, mas apenas uma (África do Sul) voltou a meter o génio na lâmpada.

Não é fácil construir uma bomba e, para quem tenta, não é fácil desafiar a irritação das potências. Mas a era pós-nuclear possui uma vertente pragmática. A Índia, que sofreu sanções, garantiu, no mês passado, um acordo de defesa com os Estados Unidos e um outro acordo sobre tecnologia nuclear, que ajudará a resolver o problema energético do país.

Não se sabe se isto está relacionado com a nova postura de Washington, mas Índia e Paquistão iniciaram ontem dois dias de negociações sobre os respectivos programas de armas nucleares. Os dois países enfrentaram-se em três guerras no último meio século.

As superpotências estão a reduzir os arsenais e o perigo de a espécie se autodestruir parece, por agora, afastado. No entanto, surgiu outro problema, o de haver armas em mãos irresponsáveis. Existe a eventualidade de alguns destes materiais ou tecnologias chegarem à posse de grupos terroristas capazes de fabricarem um pequeno engenho nuclear e de o usarem num cataclísmico 11 de Setembro.

Este é o lado menos conhecido da proliferação. Sabe-se que houve, após 1992, centenas de incidentes envolvendo tráfico ilegal de material radioactivo, sobretudo na ex-URSS. A causa directa foi o colapso da antiga superpotência e a ausência de recursos.

No ano passado, foi desmantelada a rede clandestina do cientista nuclear paquistanês Abdul Qadeer Khan, que tocava uma dezena de países e que, no mínimo, acelerou vários programas militares. A rede era sofisticada, envolvia a venda de materiais, tecnologias, planos detalhados de fabrico e conhecimento.

As autoridades descobriram que muito material nuclear sensível tinha sido tranquilamente enviado em transportes legais que na altura ninguém detectou. Não há conhecimento de terroristas envolvidos e a motivação de Khan era financeira e não religiosa.

Há também notícias de tentativas de contrabando de materiais radioactivos susceptíveis de utilização numa "bomba suja" (ver caixa). Tanto quanto se sabe, estas redes são criminosas e parecem usar rotas na Ásia Central, coincidindo com as do tráfico de droga.

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