Perguntas inconvenientes sobre segurança energética

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Sempre que surge uma escalada de preços da energia ou o agravamento dos riscos para a segurança de abastecimento energético resultantes de tensões no leste europeu, regressam as discussões sobre o reforço da coordenação das políticas de energia na União Europeia. Aparentemente, a memória é curta e, por isso, vou recordar as decisões tomadas, em 2014, por iniciativa de Portugal, no contexto europeu e enunciar (inconvenientes) perguntas.

Aproveitando a janela de oportunidade que se abriu, em 2013, com as discussões sobre as novas metas europeias de clima e energia para 2030, o governo português, em articulação com o governo espanhol, liderou o processo de reforço de interligações de eletricidade e de gás na UE.

A nossa lógica era simples. Durante quase 20 anos, sucessivos governos portugueses e espanhóis, tentaram, sem êxito, atendendo aos benefícios que isso geraria para os nossos consumidores, convencer o governo francês a aumentar as interligações energéticas com a Península Ibérica. Em 2014, a nossa abordagem mudou e passou por demonstrar que o isolamento da Península Ibérica era negativo para toda a UE. Em primeiro lugar, porque o reforço das interligações elétricas permitiria um cumprimento mais eficiente das novas metas climáticas e de energias renováveis. Isto é, com mais interligações elétricas, aqueles países europeus que não dispõem de significativo potencial de energias renováveis (nomeadamente, hídrico, eólico e solar), poderiam atingir, com um custo mais baixo, as suas metas de renováveis a partir da importação de eletricidade de Portugal e de Espanha. As poupanças anuais com os custos da energia na UE atingiriam 40 mil milhões de euros. Por outro lado, com o reforço das interligações, Portugal tornar-se-ia um fornecedor de eletricidade renovável para a UE, atraindo investimento e criando emprego. Em segundo lugar, o reforço das interligações de gás - tirando partido dos oito terminais ibéricos de gás natural liquefeito, incluindo o de Sines - contribuiria para uma redução em 40% da dependência energética face à Rússia e para uma utilização mais eficiente dos gasodutos já construídos (com consequente redução de custos para os consumidores portugueses).

Tendo por base este racional, e depois de intensas diligências diplomáticas lideradas por Portugal, foi alcançado um acordo histórico, no Conselho Europeu a 23 de outubro de 2014, para o quadro energia-clima 2030. Foram fixadas, pela primeira vez, metas sobre interligações elétricas (10% até 2020 e 15% até 2030). De seguida, foi assinada, ao nível de chefes de governo, a Declaração de Madrid e, em 2015, assinei, com os ministros francês e espanhol e com o comissário europeu, a criação do Grupo de Alto Nível em matéria de interligações no sudoeste da Europa. Este grupo tinha como responsabilidade a coordenação, técnica e política, que assegurasse a conclusão das interligações entre Portugal e Espanha, a construção de três interligações entre Espanha e França (através do golfo da Biscaia e dos Pirenéus) e a mobilização das fontes de financiamento europeu.

Volvidos 6 anos, verifica-se que o objetivo de 10% de interligações mínimas de eletricidade, até 2020, entre a Península Ibérica e França, foi incumprido e é altamente provável (dado o enorme atraso no arranque das três interligações entre Espanha e França) que o mesmo suceda com a meta de 15% até 2030. No que diz respeito ao gás natural, além de não se ter verificado qualquer progresso nas interligações ibéricas, ainda se assistiu à construção do projeto Nordstream 2 que aumenta a dependência energética europeia face à Rússia.

Este é um resultado dececionante. E, agora que se volta a sublinhar a importância das interligações energéticas, espero que se possa responder cabalmente à seguinte pergunta: que trabalho técnico foi realizado e que diligências políticas foram desencadeadas, desde 2015, por parte de Portugal, no plano comunitário e no plano bilateral, de forma a assegurar o cumprimento das metas?

Presidente da Plataforma para o Crescimento Sustentável

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