Perdidos no sistema até à maioridade
Há três anos, especialistas de todo o mundo reunidos no Porto concluíam a triste realidade: Portugal é uma anomalia no que respeita à sua notória incapacidade de encontrar famílias que acolham crianças que foram institucionalizadas por não terem pais ou por lhes terem sido retiradas, normalmente por maus tratos ou falta de cuidados mínimos.
Os números eram tão claros quanto inacreditáveis num país de primeiro mundo. A 97% dos miúdos entregues ao Estado, não era dada resposta familiar adequada ou atempada. Uma proporção sem paralelo mesmo entre os menos eficientes - nos piores casos, como Itália, só metade permanecia em instituições.
Entretanto a lei mudou para tornar mais rápida e eficaz a resposta do Estado aos menores nestas condições de vida extremas, que, naturalmente, deixam marcas para toda a vida, incluindo um pior aproveitamento escolar, menor capacidade de relacionamento, desenvolvimento deficiente de sentido de pertença e dificuldades de integração. Mas os resultados não se veem.
É verdade que 2020 foi um ano atípico, entre a pandemia e as ineficiências que a covid provocou em todos os serviços - processos de adoção incluídos. Não é porém justificação para uma tendência que se vem verificando há uma década. A triste realidade é que cada vez menos crianças são adotadas em Portugal.
São miúdos que chegam à idade escolar com histórias de abandono ou violência já a pesar-lhes brutalmente na curta vida. Que se tornam adolescentes à sombra da convicção de que não há quem os queira, ou tantas vezes pior, de que os únicos que lhes ligam são os que se materializam no lar a cada dois anos, apenas para voltar a abandoná-los, fazendo voltar a zeros com essa esporádica visita o contador da adoção.
No ano passado não chegaram a 200 os pequenos que encontraram uma nova casa, uma verdadeira família. Chegámos ao fim do ano com perto de 7 mil menores a viver em lares, muitos deles acumulando já mais de seis anos de instituição.
Seja porque não há correspondência entre o que as famílias procuram na adoção e a realidade das crianças que estão entregues aos cuidados do Estado (que em raríssimos casos têm menos de um ano) seja pelas deficiências do próprio sistema, que se alonga em medidas de proteção dos pequenos - que muitas vezes têm o efeito contrário ao pretendido - e de salvaguarda dos direitos da família biológica, mesmo nos casos em que é mais do que comprovada a sua incapacidade, a maioria destes miúdos acaba por crescer à margem da integração garantida por um núcleo familiar.
Neste cenário negro, há um ponto de luz: são sete vezes mais as famílias que querem adotar em Portugal do que as crianças que estão à espera de uma família. O essencial é pôr as coisas a funcionar de forma oleada e eficaz, para reduzir substancialmente tempos de espera - que hoje rondam os cinco anos, desde que arranca o processo de adoção - sem aliviar a proteção aos mais pequenos. É urgente garantir-lhes uma nova vida, em que estes miúdos possam voltar a ter todas as oportunidades.