"Mostrar o que já não existe com recurso a algo altamente tecnológico: imagens de arquivo." É com um toque de humor que Catarina Valença Gonçalves resume o objetivo do percurso pedestre Évora Desaparecida, apresentado publicamente na quinta-feira e disponível desde esse dia ao público, de quinta a segunda, em diferentes horários, sem necessidade de pré-reserva. Basta aparecer na Ervideira Wine Shop (Rua 5 de Outubro, n.º 56, que liga a Praça do Giraldo à Sé) 15 minutos antes do início de cada uma das visitas, orientadas por Cira Camacho ou Joana Caspurro..Demolir, construir e restaurar são as palavras-chave deste percurso pedestre de 90 minutos que tem como ponto de partida a Praça do Giraldo. No entanto, neste primeiro dia, a volta foi outra e subiu-se até ao Largo do Conde de Vila Flor onde se concentram alguns dos símbolos de Évora: o templo romano, a catedral, o Museu de Évora e o antigo Palácio da Inquisição, hoje espaço cultural da Fundação Eugénio de Almeida..É aí, rodeados de património, que contam vários capítulos da cidade ao longo de dois mil anos, que Catarina Valença Gonçalves desfaz um dos equívocos a que o título do percurso pode levar: a Évora desaparecida, aqui resgatada através de imagens de arquivo, é a do século XIX porque, diz a fundadora da Spira, empresa dinamizadora do percurso, "achamos que é mais fácil explicar o património começando por aquilo que está mais próximo das pessoas e sem as obrigar a grandes saltos no tempo e, sempre que possível, fazendo pontes com o presente"..O mergulho no século XIX surge de seguida nas palavras de Joana Caspurro, contextualizando essa época. "São anos em que o património se encontra numa situação de grande degradação e muitas vezes ao abandono resultado do contexto social, económico e político do início do século - Invasões Francesas, guerras liberais, extinção das ordens religiosas", enumera. Mas também é uma época em que se começa a repensar as cidades e a sua organização, tentando responder às mais recentes necessidades de circulação, de higiene e saúde pública bem como à valorização das noções de bem-estar e de lazer..É neste contexto que as palavras-chave começam a fazer todo o sentido. Ou seja, as soluções encontradas nos anos de oitocentos passaram quase sempre por essas três soluções: demolir, construir, restaurar. E nesta visita começa-se por esta última, frente ao templo romano, memória viva da ocupação romana e que até 1871 tinha um aspeto bem diferente do atual, com as colunas completamente absorvidas por paredes e com um remate a lembrar uma fortaleza, como mostram as guias numa imagem a preto e branco. Usado sucessivamente desde a sua construção no século I d.C., foi torre militar, anexo do Palácio da Inquisição e até matadouro. Altura para Cira Camacho apresentar Augusto Filipe Simões (1835-1884) e o papel deste professor e bibliotecário como defensor do património. É ele que na segunda metade de oitocentos propõe "a reparação do que é romano e a demolição do restante", abrindo a porta ao restauro do templo romano que em 1871 recupera parcialmente o aspeto original..Regressando à Rua 5 de Outubro - antiga Rua da Selaria, assinala Joana, salientando que "outra das grandes mudanças na passagem para o século XX foi a do nome das principais artérias das cidades" - desce-se até à Praça do Giraldo. Aqui, para além da lenda que rodeia o cavaleiro medieval Geraldo Geraldes, tempo para mostrar a imagem de um edifício mal-amado pelos eborenses, de ferro e vidro, onde no século XIX se instalaram os Grandes Armazéns do Chiado. Pouco durou, sendo substituído por um de traça semelhante aos restantes da praça. Do lado oposto à Igreja de Santo Antão, outra mudança: foi já no início do século XX que o edifício do Banco de Portugal, ali à nossa frente, substituiu os paços do concelho manuelinos de Évora, mostrados na fotografia..Descendo a Rua da República, chega-se à Igreja de São Francisco (onde existe a popular Capela dos Ossos), única construção sobrevivente do convento fundado em 1224. No século XIX, o convento e uma torre quinhentista do aqueduto foram destruídos dando lugar a casas de rendas e parte dos terrenos foram usados para construção do mercado municipal, ali mesmo em frente. A visita deveria continuar pelo Jardim Público, completando o quadro de mudança de "uma Évora mais conventual e antiga para uma Évora do espaço público", resume Joana..Évora Desaparecida Percurso pedestre de 90 minutos De quinta a segunda até 9 de junho e todos os dias a partir de 10 de junho Vários horários (consultar www.rotacompadres.pt) Bilhetes: 15euro por pessoa; 25euro (casal); 40euro (família de 5 elementos) Às sextas-feiras há hipótese de participar num showcooking