Pensar numa escola para todos, mais flexível, pertinente e crítica
Organizamos a nossa vida em função de passagens ritualizadas e marcadas desde o nascimento, da escola à integração no trabalho. Os tempos que nos detêm entre cada uma das etapas são ocupados por aprendizagens constantes: no nascimento a criança aprende as emoções, a ser cuidada, a apaixonar-se pela vida, os primeiros códigos de convivência que vai desenvolvendo a brincar; quando entra para o universo mais abstrato da creche, jardim de infância e pré-escolar, embora faça já um percurso longo antes de entrar na escola, a criança aprende e desenvolve-se através de uma resposta organizada à sua curiosidade natural, descobre as cores, os sons, a fala, a construir e a confiar noutros adultos que não só os seus pais; tradicionalmente assim são os primeiros 6 anos do início da vida de uma criança.
A entrada na escola é um momento determinante de mudança, difícil: é um contexto totalmente diferente daquele onde esteve integrada. Um espaço que se organiza de forma abstrata, com normas, objetivos coletivos e desafios individuais que por vezes não escolhe. Após o primeiro ano, passa a aprender conteúdos, é avaliada perante as lições dadas, mas percebe também que o espaço escola é composto por um conjunto de regras que se aplicam a todos, que colocam todos em pé de igualdade e aqui a criança começa a perceber que nem todos estão lado a lado em função do que lhes é pedido. Este contexto abstrato faz com a criança passe a um estatuto diferente, passa a ser o aluno e esse estado implica competitividade, ajustamentos, desafios com tempo e espaço que não são os seus, e assim passam mais uns anos que a vão preparando para o mundo do trabalho. Quando chega ao mundo do trabalho, já adulto, não é o seu nome o mais importante, mas uma competência, um currículo e um saber que está mais alocado ao saber fazer; assim o nome, algo que a fazia sorrir nos primeiros anos de vida, é apenas algo que o associa a uma empresa.
Dizemos que o mundo está bem diferente - nada de mais errado, o mundo continua a ser redondo, o que está diferente é a forma como as pessoas olham para o mundo, sobretudo, como olham para si e o seu lugar no mundo. Têm uma consciência mais planetária e até universal sobre o que são e onde querem pertencer, esta abrangência faz com que queiram ser mais autónomas, responsáveis e não que o seu nome seja apenas a cabeça de cartaz de um currículo profissional. Contrariando o parágrafo anterior, não querem que o seu nome seja associado ao trabalhador.
O mundo visto por cada um torna-se um lugar muito mais complexo, então como preparar as crianças? Como educar? As escolas devem ensinar ou procurar satisfazer curiosidades? Será isto a mesma coisa? Discute-se qual o papel da criança na escola ou qual o papel que desempenha a escola na vida da criança, será assim tão diferente? A dialética entre estas duas questões é possível?
Sim, podemos juntar tudo no mesmo saco, de forma desarrumada e desorganizada num total caos de pensamento que poderá ser devolvido à criança com a seguinte pergunta: por onde devo começar? Da forma como conheço a dinâmica das crianças deverá acontecer primeiro um sorriso, depois um ar pensativo e no final uma resposta, esse é um momento de epifania para o educador/professor. É só seguir a curiosidade que lhe é apresentada, depois é apenas assistir à descoberta interna da confiança e externa do mundo que se vai juntado no seu horizonte.
Poderia ser um momento de harmonia se o critério sucesso e igualdade não fossem condições para a integração social/escolar. A diferença não é só um critério para desenvolver conhecimento, se a criança estiver num ambiente social que lhe é desfavorável e numa situação de exclusão e pobreza, terá muita dificuldade em atingir o mesmo nível de sucesso que outras que, frequentando a mesma escola, mas não sujeitas ao mesmo contexto, conseguem atingir com menos dificuldade. Exemplificando: dois alunos chegam de manhã à escola, um já tomou o pequeno-almoço em casa, foi acompanhada até à escola e o encarregado de educação deixou-o à porta, despedindo-se com palavras de motivação e carinho; enquanto outro aluno chega à escola sozinho, sem tomar o pequeno-almoço e é encaminhado para o refeitório onde tem um pacote de leite, um pão com manteiga e fica ali sozinho a comer, depois segue para a mesma sala do seu colega. São duas crianças que têm o mesmo potencial de aprendizagem. Igualmente curiosas, mas com questões e prioridades muito diferentes para resolver no momento de chegada ao estabelecimento de ensino, ou, quando projetam a sua vida no futuro. Este ponto de partida perante uma resposta uniformizada vai provocar uma divisão na qualidade com que é realizado o sucesso escolar.
Na Ajuda em Ação sabemos que a pobreza é um condicionalismo dramático para o sucesso social de todos numa comunidade e que a educação é fundamental para que no futuro a igualdade de oportunidades seja uma realidade, não apenas uma ideia que se pretende atingir. Em todos os nossos programas trabalhamos para que os participantes consigam ser autores e transformadores do seu próprio percurso.
A Educação exige um investimento e uma atenção diferente, os nossos projetos são desenvolvidos dentro das escolas numa estreita colaboração com os professores a quem nos juntamos numa intenção muito concreta: fazer com que todas as crianças sejam alunos, curiosos, criativos e pertinentes no processo de aprendizagem. Para que este caminho seja real, as atividades que promovemos de escrita criativa, mindfulness, o apoio à probótica e a educação positiva para professores, têm sobretudo o propósito de potenciar o que já é natural numa criança para que se venha a revelar no aluno. Assim, entendemos que todos terão um espaço e um tempo para se revelarem no seu potencial e no futuro não serem apenas um trabalhador com um nome, mas um ser com responsabilidade e preparado para ter sucesso individual, com impacto na sua comunidade e uma consciência mundial da sua ação.
Neste sentido, apoiamos a estrutura escolar na forma como esta funciona, tanto na sua estrutura como na capacidade de resposta humana que dá através de professores e demais agentes educativos. Reconhecemos o potencial que existe em cada adulto que está dentro do espaço escolar e para isso sabemos que temos de nos empenhar em procurar mais soluções para fomentar a curiosidade das crianças e ao mesmo tempo promover novas soluções pedagógicas para que o formato de ensino seja cada vez mais adaptado, porque só esta flexibilidade é que permite um ajustamento à curiosidade de cada um e uma aprendizagem mais concretizada.
Diretor de Programas da Ajuda em Ação