A melhor forma de começar um festival com visão orientada para o futuro é dar voz aos debutantes. A 21.ª edição do Queer Lisboa cumpre esse desígnio, abrindo hoje as portas da Sala Manoel de Oliveira, no Cinema São Jorge, em Lisboa, com God"s Own Country, a primeira longa-metragem do britânico Francis Lee, que venceu o prémio de melhor realizador em Sundance, trazendo a história da relação entre um agricultor e um emigrante romeno..Parte-se desta linha de intimidade para um programa recheado de temáticas, que vai denotando cada vez mais o "diálogo com um cenário maior". São palavras do diretor do festival, João Ferreira, que defende a ideia de um olhar queer "esclarecedor, transformador, gerador de significados e de respostas"..Desde logo, a artista taiwanesa Shu Lea Cheang, a quem é dedicada retrospetiva, e que vai estar em Lisboa para dar uma masterclass, será um excelente modelo desse olhar que se lança para a frente: "A forma como ela cruza linguagens artísticas, a sua agenda política não restrita às questões LGBTQ+, o modo como aborda a sexualidade, permitem-nos adivinhar linhas de futuro. Um filme como o Fluidø, por exemplo, em que ela desconstrói a ideia de sexualidade do corpo infetado pelo VIH/sida, prevendo um futuro onde a sida foi erradicada, e em que os fluidos corporais são agora fonte de prazer e um líquido desejado, ao ponto de ser contrabandeado. Estas metáforas e reflexões são importantes", sublinha João Ferreira..Outro dos destaques mais imediatos da programação é o novo filme do veterano francês André Téchiné, Quand On A 17 Ans, escrito com Céline Sciamma (Bando de Raparigas), sobre as atribulações entre dois adolescentes num meio provinciano - ainda sem data de estreia nas nossas salas. É também apresentado, em competição, Beach Rats, de Eliza Hittman, mais uma vencedora do prémio de melhor realização em Sundance, e os documentários Small Talk, de Hui--Chen Huang, sobre as mudanças na vida de três gerações de mulheres taiwanesas, e My Mother Is Punk, da jornalista Cecilie Debell (presente no festival), um road movie que observa as tonalidades da relação entre um filho e a sua mãe..As atenções recaem ainda sobre Colby Keller, o ator porno que participou no novo filme de Miguel Gonçalves Mendes, O Sentido da Vida, e que virá apresentar o projeto Colby Does America, debruçado sobre as questões da representação e da mercantilização da sexualidade na sociedade dos nossos dias. Eis o Queer Lisboa a pensar a atualidade..O que nos leva também à forte presença brasileira no festival, com o documentário Entre os Homens de Bem, de Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros, que aborda a crise do país irmão através de um retrato do deputado Jean Wyllys, e A Destruição de Bernardet, de Claudia Priscilla e Pedro Marques, um filme que cruza as linhas da ficção e do documentário para dar a conhecer o emblemático crítico de cinema Jean--Claude Bernardet na sua velhice. Corpo Elétrico, primeira longa-metragem do jovem Marcelo Caetano, que a vem apresentar, é outro dos títulos a ter debaixo de olho..O festival encerra em grande, no dia 23, com Mãe Só Há Uma, da paulista Anna Muylaert (premiado na Berlinale em 2016), realizadora do badalado Que Horas Ela Volta?, que confirma o seu apurado olhar sobre a sociedade brasileira, através da história de um jovem andrógino, a lidar com a descoberta de ter sido roubado em bebé à sua verdadeira mãe..As notas musicais deste Queer Lisboa 21 são de George Michael, recordado num programa de telediscos, com o título Ver sem Preconceito, onde se mostra a evolução do músico que deixou de ser uma pop star juvenil.