Penhorar arte de Berardo poderá ser impossível
Três bancos - Caixa Geral de Depósitos, BCP e Novo Banco (ex-BES) - deram ordem de execução da coleção Berardo através da Associação Coleção Berardo, na tentativa de recuperar um dívida de 500 milhões de euros relativos a empréstimos concedidos ao empresário madeirense José Berardo, nomeadamente para comprar uma participação de 7% do BCP em 2007. Colecionador de arte, é o seu apelido que se lê na fachada do Museu Coleção Berardo, no Centro Cultural de Belém, mas demonstrar que as obras de arte moderna e contemporânea foram dadas em penhor é outro assunto... jurídico.
"Se o tribunal não estabelecer uma relação de propriedade da associação Coleção Berardo com as obras de arte, será difícil aos bancos executar a dívida", explica um advogado especialista em execuções contactado pelo DN.
Joe Berardo, como é conhecido, deu como garantia colateral do cumprimento do empréstimo os títulos que tem da Associação Coleção Berardo, uma das entidades que está na origem da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea, ao lado do próprio empresário, da Fundação Centro Cultural de Belém e do Estado português. Mas, juridicamente, não é certo que o que se pode ver no Museu Coleção Berardo seja o património que pertence à Associação Coleção Berardo. "Para que os bancos cheguem à coleção é preciso estabelecer nexo entre a Associação e a coleção. As obras de arte não têm registo. É esta a fragilidade que os bancos têm: poderá haver dúvidas quanto à propriedade", explica o mesmo especialista. Os bancos, enquanto credores, é que têm de provar é parte do património da Associação a coleção que se expõe no CCB desde 2007, após acordo com o Estado. Nessa altura, a coleção foi avaliada em 316 milhões de euros pela leiloeira Christie"s.
O Governo diz nada saber sobre este processo. "O Governo renovou, em Novembro de 2016, o comodato da Coleção Berardo, dado o interesse de fruição pública da referida Coleção, não tendo conhecimento à data dessa renovação, tal como à data de hoje, da existência de qualquer penhora", respondeu ontem ao DN o ministério liderado por Luís Filipe Castro Mendes.
Contactado pelo DN, o empresário declinou fazer comentários. O seu advogado, André Luís Gomes, não respondeu. O DN/DV tentou também confirmar esta informação junto das três instituições financeiras mas a resposta foi igual: "não comentamos". Altos quadros dos três bancos revelaram ao Público que, apesar das instruções para executar as dívidas, estão a decorrer diligências para alcançar um entendimento que permita às partes envolvidas minimizar as perdas e evitar o processo em tribunal.
Este processo remonta à segunda metade da década passada quando Joe Berardo decidiu pedir dinheiro emprestado para financiar a compra de ações em bolsa. Com a crise de 2008, os títulos que serviam de garantia aos créditos concedidos registaram uma forte desvalorização e as dívidas de Berardo começaram a ficar a descoberto. Em 2009, o empresário chegou a acordo com os três bancos para reestruturar a sua dívida, mas três anos depois foi obrigado a dar garantias adicionais, nomeadamente títulos da Associação Coleção Berardo .
Refira-se que o pano de fundo desta notícia passa pela investigação à política de concessão de créditos da Caixa Geral de Depósitos nos últimos anos. No início deste ano, o Tribunal da Relação de Lisboa deu provimento a um pedido do Ministério Público e decidiu o levantamento do segredo de supervisão do Banco de Portugal em relação a um vasto conjunto de informação constante do requerimento da comissão parlamentar de inquérito à CGD, nomeadamente sobre a relação do banco com os grandes clientes.