Penela. Eduardo Santos: "Prefiro ter um dormitório do que um território vazio"

Em 2013 diziam que era "paraquedista", em 2021 acabou com os 45 anos de poder PSD e conseguiu a maioria absoluta. Eduardo Santos quer travar o "grave problema" de habitação e pede "novos povoadores". E o problema da saúde? O novo autarca tem uma solução: oferecer seguro de saúde gratuito a toda a população.
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Não há quase movimento, nem pessoas nem carros. Um casal almoça na esplanada do Varandas, é o último a ser servido "dado o adiantado da hora". Lá dentro já se lava loiça, as mesas estão vazias. No parque das Águas Romanas e no jardim municipal, ali ao lado, não se vê ninguém. Uma dezena de metros acima, no D. Sesnando, o único naquela zona a servir almoços, são quase três da tarde, a sala interior está quase cheia. Na esplanada, uma mesa com dois homens. A conversa animada sobre a crise política "em Lisboa", às tantas, cai no problema das rendas na vila, dos preços, da dificuldade em encontrar casa, de que "mais vale aumentar que baixar o preço, havendo condições, que são poucas as que existem". Um acaso que se revelaria prenúncio. Horas mais tarde, depois da breve conversa com a "Bri", que ainda serve cozido à portuguesa na sua Tasca, Eduardo Santos, 45 anos, o primeiro autarca a retirar ao PSD um bastião que vinha de 1976, sublinharia a "gravidade" da situação - "temos um grave problema de habitação, falta de habitação. E o arrendamento, quando o há, é caro" - e contaria, de ar sério, incisivo, os planos que tem para "travar a ameaça" crescente de um "território vazio" e a "procura por novos povoadores".

São cinco e meia da tarde. Eduardo Santos está retido numa reunião, "uma urgência" dos primeiros dias. O parque de estacionamento em frente à câmara começa a ficar vazio. No castelo, no lado esquerdo, a poucos metros, parece haver obras. Subimos a escadaria e aguardamos na sala onde estão fixados, numa parede, os quadros com todos os presidentes de câmara desde 1976. Minutos depois, quase seis da tarde, o novo presidente surge com ar apressado e explica que "há coisas que deveriam ter ficado resolvidas, mas que ficaram pendentes. Há prazos que não se podem deixar passar".

Descemos até à rua, o anoitecer já se faz sentir. Dali "a meia hora, talvez nem tanto" o sol vai desaparecer por detrás da serra. O Fernando Fontes, de máquina fotográfica na mão, quer aproveitar a luz "que ainda é natural". Eduardo Santos atende o telefone, mais uma chamada. "Estes dias têm sido assim, nos dias 27 e 28 [de outubro] até me aconteceu uma coisa inacreditável: percebi que o meu telefone tem um limite para as chamadas recebidas, chega a um ponto em que não consegue registar mais. E, então, entra uma chamada e ele apaga a anterior." Caminhamos até às pequenas encostas, vazias de vegetação, que ficam em frente ao Castelo de Penela. "Há aqui uma obra polémica, obras no interior e também agora problemas de acessibilidade. Veja aquele espaço, ali do lado direito, chama-se quintal das lapas, tinha uma rampa e era fácil o acesso... agora deixou de ser. Há aqui muita coisa que não bate certo."

Percorremos a rua inclinada , o castelo fica à direita. Eduardo Santos recorda o tempo em que foi chamado de "paraquedista". "Estive cinco anos a trabalhar na Holanda e quando fui candidato em 2013, havia gente que nem sequer olhava para mim. Até amigos de infância que militavam no partido que estava no poder diziam: "Ele não é de cá, ninguém o conhece." E isso teve um forte impacto na população. Eu batia à porta das pessoas para me apresentar, dizer que era candidato à câmara... e elas diziam: "Já sei quem é. Não preciso de saber mais, já sei tudo a seu respeito." Foram tempos difíceis. Aguentei estoicamente aquele embate e depois as pessoas começaram a conhecer-me, a reconhecer-me, começaram a perceber que eu era o Eduardo que tinha sido colega deles."

Descida a "rampa", viramos à esquerda. Seguimos a rua até à Praça da República. Eduardo Santos para um instante, que há um carro a aproximar-se e a rua é estreita, e logo retoma o seu "caminho político" sem perder fio à meada. "Os quatro anos como vereador criaram uma ondinha que me permitiu granjear alguma simpatia dos eleitores. Em 2017, entendi que não deveria ser candidato. Em 2019 surgiu a possibilidade de vir trabalhar para Penela, nessa altura trabalhava em Coimbra, e a partir daí começou a ser mais fácil porque estava cá diariamente. Por essa altura, o partido socialista convidou-me para ser candidato em 2021 e eu coloquei duas condições: ter tempo para pensar, precisava de muitos meses para responder, e ter autonomia para escolher a minha equipa. E assim foi."

Na praça, ouve-se falar alemão. Duas crianças jogam à bola, um homem está com elas. São os únicos, não há mais ninguém. "Isto agora é comum, meninos estrangeiros por aqui a brincar, a jogar à bola, como estes", diz Eduardo Santos. "Temos uma comunidade muito grande aqui, entre 300 e 500 estrangeiros a morar no concelho. Numa população de 5440 pessoas é significativo". Já percebeu porque vêm para Penela? "A grande maioria vem reformar-se, mas também há estes jovens que vêm fazer vida para aqui. Penso que a maioria vem fazer teletrabalho. Eu diria que há dois tipos de estrangeiros aqui: aqueles que se querem incluir e integrar na comunidade, e esses querem aprender português; depois há os outros que querem viver de forma isolada, querem a sua casa em sítios remotos e viverem isolados da comunidade." E é fácil encontrarem casa por aqui? "O que eles procuram, normalmente, são casas abandonadas em aldeias abandonadas. Compram, vão recuperando as aldeias... vão fazendo esse papel de repovoar aldeias vazias."

Entramos na rua que vai dar ao largo da Igreja da Misericórdia. Do lado direito, quase frente à praça fica o Castel-Creative Living; à esquerda, na rua onde fica o Bigodes já estão Paulo Braga e João Mendes que mais tarde encontraremos no regresso. E isto é comum? Estas casas que parecem abandonadas aqui neste largo? "Esta aqui está, estas em frente não estão propriamente abandonadas. Há algum descuido, daí que tenha um projeto chamado Pintar Penela para pintar o concelho. Vamos oferecer vouchers para apoiar os moradores a pintarem a sua casa. Se imaginarmos esta vila toda de branco o impacto é completamente diferente." E este vazio? Só se ouve o sino da igreja... "É mais ou menos normal. O concelho é muito grande, tem 132 quilómetros quadrados, e há pouca população por quilómetro quadrado."

Pouco depois da Praceta David Júlio, para um carro. De vidro aberto, Luís Medeiros, 29 anos, cumprimenta o novo presidente de forma familiar. São amigos?, pergunto. "Somos amigos, mas mais do que amigos vamos construir o futuro desta vila. Eu estou a tentar trazer o maior número de jovens, com a empresa, e ele está a trabalhar como presidente?" Que empresa? "O hostel ali em cima, o Castel. Temos projetos internacionais e estamos a receber bastantes jovens." Portugueses ou estrangeiros? "Os dois e também famílias. Fechámos agora uma parceria, com outra empresa, para ajudar pessoas a mudarem-se para o interior. Ou seja, as pessoas vêm fazer estadas experimentais, de um ou dois meses, para ver se gostam da experiência e depois escolhem a vila consoante essa experiência. Penela precisa de jovens, precisa de cultura, de dinamizar, precisa de pessoas, de quem vem, dos que cá estão, dos que podem ficar." A conversa é interrompida por um carro, alguém que chega mas que não buzina, acena simplesmente. Luís Medeiros segue rua acima, não sem antes dizer que "não esperava melhor pessoa à frente disto tudo". Eduardo Santos ri: "Este homem parece que foi encomendado, mas não foi..."

Da Rua Herói Caspirro seguimos, virando à direita, até à Rua 123 onde fica a Sociedade Filarmónica Penelense, logo ali perto. O novo autarca retoma a conversa anterior para explicar que fez "uma grande sondagem" antes de decidir candidatar-se. "Abordei as pessoas por telefone, por SMS, por Facebook Messenger para saber como avaliavam o desempenho da câmara municipal. Percebi que a grande maioria estava descontente, que sentiam que o município estava abandonado e descuidado. E percebi que havia disponibilidade para mudar. Fiquei a saber quais eram os temas de maior preocupação das pessoas."

Descemos a 123, viramos à direita, estamos da Rua de Coimbra. O Clube Desportivo e Recreativo Penelense, com 88 anos, fica uma centena de metros acima. Antes de por lá passarmos, a meio caminho, encontramos Rui Fernandes, que sempre votou PSD, à porta do seu negócio de informática e telecomunicações. "Neste ano foi a primeira vez... espere não votei no PS, votei no Eduardo. Sou claro, não escondo nada. Até disse ao concorrente, ao Rui, que tinha muita pena, mas que eles não tinham feito rigorosamente nada... e olhe que ele é meu dentista e é meu cliente também. Votei no Eduardo e como eu centenas." Estava desiludido? "Completamente, é que isto não tinha sentido nenhum." O que é que estava a acontecer? "Não estava a acontecer, estava parado, isto estava completamente parado. O que aconteceu é que se acomodaram com os anos, faziam o que queriam e lhes apetecia... só que esqueceram-se do povo e o povo cansou-se. Agora aqui o Eduardo tem esta responsabilidade de mudar." O presidente da câmara apanhou a deixa e prosseguiu:"Mas é uma responsabilidade que eu queria. Eu apresentei-me como o homem da mudança. O nosso slogan foi "mudar para melhor e sem medo" porque era preciso mudar". Porquê esse "sem medo"?, pergunto. Eduardo Santos faz uma pausa. "Porque havia um conjunto de pessoas que tinha medo de mudar, de arriscar." Mas porquê?, insisto. "Penela, nos anos 1980, tinha um padre, o padre Paiva, que dizia: "Votem na seta que aponta para o céu, não se esqueçam." Fazia essa apologia e, portanto, havia essa apologia enraizada, um concelho estruturalmente PSD."

Pouco depois de passarmos pela sede do Clube Desportivo e Recreativo Penelense, que já foi sede dos bombeiros, Eduardo Santos explica que fez "toda a campanha localmente fazendo uso das redes sociais. E até enviei um panfleto a toda a população dizendo: "Olá, eu sou o Eduardo e quero ser o vosso presidente da câmara. E está aqui o meu número de telemóvel, liguem-me." Fiz tudo sem comunicação social". A explicação ficou a meio. Brigitte Martins que estava à porta da sua Tasca da Bri lança um "olá Eduardo, como estás?" que faz o presidente da câmara parar. Conhecem-se há muito? "Não, por acaso não. Mas, às vezes, não é preciso conhecer uma pessoa há muito tempo para saber a índole da pessoa. Sou apoiante do Eduardo com muito orgulho." O presidente sorri. Tanta convicção porquê? Brigitte ri. "Ele está cá para nos ouvir, e ouviu-nos bastante, por isso é que está aí, firme e forte. Conseguiu destrancar a porta."

Paramos poucos metros depois, no largo da GNR. "O facto de ter dado o meu telefone a toda a gente foi algo que as pessoas apreciaram muito. Toda a gente da vila tem o meu número de telemóvel pessoal. E ter feito a sondagem deu para perceber coisas que me preocuparam bastante. Por exemplo, os jovens entre os 25 e os 35 anos, apesar de trabalharem cá, estão a viver viver fora daqui. Temos um problema grave de habitação, falta de habitação. Há muitas casas, mas em mau estado, devolutas, não estão prontas a habitar. E o arrendamento, quando o há, é caro." E se eu quiser arrendar uma casa? "É difícil, é difícil encontrar uma casa para arrendar... não existe, não há oferta disponível."

Seguimos pela rua, lá mais à frente haveremos de virar à direita na Rua João Rodrigues de Deus, histórico regente da filarmónica. Como pretende resolver esse problema da habitação? Eduardo Santos apresenta o que chama de plano integrado. "Identifiquei formas de resolver o problema: a primeira é a câmara sobrepor-se aos privados e criar loteamentos que depois põe no mercado, a minha expectativa é criar zonas habitacionais que sejam muito interessantes e competitivas. Há também um fenómeno que ninguém me consegue explicar: em todos os concelhos aqui à volta há empresas privadas a investir em habitação e aqui não há, aqui não existe. E depois é criar um conjunto de benefícios que motive as pessoas a ficarem cá: apoio à natalidade, creches gratuitas, apoio nos manuais escolares, ginásio municipal, piscina, seguros de saúde grátis para toda a população." Seguro grátis para toda a população? "Temos um centro de saúde que não funciona, tem falta de médicos. O que quero é a criação de um seguro de saúde gratuito para a população. Em breve, vamos lançar o concurso público internacional para o fazermos. Há pessoas, por exemplo, que estiveram um ano sem consulta porque o seu médico de família estava de baixa." E é mais fácil o seguro do que ter mais médicos? "Com a delegação de poderes na educação e na saúde poderá ser mais fácil o município ter um papel na gestão, mas até lá é impossível fazer alguma coisa. A única coisa é sensibilizar a entidade gestora [Ministério da Saúde], mas é difícil convencer médicos a vir para aqui."

Estamos de novo na Praça da República. Desta vez não há ninguém, nem "meninos estrangeiros a jogar à bola". Viramos à esquerda e começamos a subir a rua. Logo à entrada, no lado direito, encontramos Paulo Braga e João Mendes no Bigodes, o restaurante. Estão a rir. "... É pá, mesmo na hora certa, estávamos a falar de ti", diz o "Braga". E explica: "Confundi o Eduardo com o anterior por causa do carro. Ele passa por aqui de carro, diz adeus e eu digo assim para mim: "Olha-me este filho da ... que passava aqui a pé e nem a cara virava a um munícipe e agora que se vai embora diz adeus" [risos]. "Esses eram muito altivos", acrescenta logo João Mendes. "O [Luís]Matias foi o pior presidente de câmara desde que me lembro de ser gente. Vivo aqui há 54 anos e nunca vi esta terra tão desmazelada, tão maltratada como ela está", lamenta Paulo Braga. Imagino que esteja confiante agora? "Estou e espero não me arrepender. Eu sou contra a política neste concelho, a política é que deu cabo disto. Penela é tão pequenina que não precisa de partidos políticos para a gerir, bastava uma lista de pessoas que queiram fazer o bem". Mas votou num partido? "Não, não votei nada. Votei neste homem, é diferente. E é preciso tê-los no sítio porque foi meter-se num ninho de cucos do caraças." Eduardo Santos assiste em silêncio. "E eu votei nele porque isto chegou a um ponto de degradação muito grande, era um poder absoluto... e eu não gosto de poderes absolutos", diz João Mendes de forma séria. Paulo Braga pede rigor "ao Eduardo": "Como é que um concelho com 5 mil habitantes está no 304.º lugar no índice de transparência das câmaras? Como é que é possível? Agora tá nas mãos deste senhor dar a volta ao texto."

Subimos a rua em direção à câmara. O novo presidente confessa que elevou "a fasquia, mas foi algo que procurei. Um político local, numa localidade como esta, tem de ser próximo das pessoas". Lá em baixo, no Bigodes, a conversa prossegue animada. Eduardo Santos reforça argumentos sobre o problema da habitação e do envelhecimento da população. "É grave e mais grave se tornará se não fizermos nada para fixar os jovens aqui. Nós temos que fazer muito para manter as coisas como elas estão. Para manter, já não digo aumentar a população. Há muita gente a vir de outros concelhos para trabalhar aqui e não percebo porque razão o anterior executivo não procurou fixar essas pessoas em Penela. Todos sabemos que o salário líquido é maior se trabalharmos perto de casa. As empresas, aqui, estão permanentemente à procura de pessoas, não há mão de obra suficiente." Não há desemprego? "É muito baixo, para o emprego qualificado é que é difícil encontrar oportunidades."

Chegámos à câmara. Já anoiteceu. Ficamos mais uns instantes nas escadas exteriores. O novo presidente tem outra reunião dali a pouco. E volta a explicar-me porque precisa de ter pessoas no concelho mesmo que trabalhem fora. E isso não é transformar Penela num dormitório?, pergunto. "Sem pessoas, um território não faz sentido. De que adianta ter obras de vulto se depois não há ninguém? O nosso projeto são as pessoas. Prefiro ter um território que seja um dormitório, com qualidade de vida, do que ter um território vazio. Queremos tornar Penela num território apelativo para aqueles que procuram sair dos centros das cidades. Queremos tornar Penela atrativo para os novos povoadores. Tanto para aqueles que vêm procurar soluções de teletrabalho, e já existem alguns, como para aqueles que se queiram dedicar, por exemplo, à agricultura ou à produção animal. Precisamos desses novos povoadores."

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