Pelo direito de Bolsonaro à preguiça
Como por estes dias o mundo anda tranquilo e sem guerras, Jair Bolsonaro está, pela 10.ª vez em três anos, a gozar uns dias de férias na praia do Guarujá, passeando-se, como nas nove visitas anteriores, de moto, de jet-ski e de lancha.
Mas nem só no Guarujá o presidente do Brasil descontrai: no réveillon, enquanto na Bahia as chuvas matavam 26 compatriotas seus, curtiu o sol de Santa Catarina, visitou um parque de diversões e participou em alegres almoçaradas - numa delas engasgou-se com um camarão e foi internado às pressas em São Paulo, adiando o regresso a Brasília, onde o aguardava uma agenda oficial particularmente extenuante.
Senão vejamos: o líder do quinto país mais populoso do mundo e 11.ª economia do planeta passou os dias 21, 22, 23, 24 e 25 de janeiro sem um único compromisso oficial. No dia 26, reuniu-se, às 15h00, depois da sesta portanto, com um assessor jurídico e um ministro das Comunicações. Os brasileiros têm semanas de 40 horas, ou mais, de trabalho. O presidente de uns 40 minutos.
Nenhum chefe de Estado na história do Brasil descansou tanto quanto Bolsonaro. E nenhum, como ele, gastou uma quantia sequer parecida em combustível, manutenção de aeronaves, alojamento da família e amigos e gastos variados pagos com o cartão de crédito da presidência durante as frequentes férias - os valores passam, segundo informação oficial, o milhão de euros.
E isto não preocupa os brasileiros? Não, pelo contrário.
Os 57 milhões de pobres coitados que votaram nele já sabiam, ou tinham a obrigação de saber, que Bolsonaro era um preguiçoso contumaz: foi expulso do primeiro emprego, o exército, por ser mau militar, de acordo com relatório de um general e ex-presidente da República; e, no segundo, como deputado, precisou de 28 anos sentado nas filas de trás do parlamento para aprovar dois projetos-lei, um a cada 5 mil dias, mais ou menos.
Os que não votaram nele, entretanto, só não estavam ainda mais apreensivos com a sua chegada ao poder precisamente por conhecerem a sua histórica tendência para não fazer nada: perceberam logo que quem ia dirigir o país seriam os adultos em seu redor, incompetentes, muito provavelmente, mas não tanto como o chefe.
O que preocupa, portanto, não são os torrenciais períodos de veraneio, o esbanjamento de dinheiro público em motos, jatos e outros caprichos, nem sequer a agenda vazia nos magros intervalos entre as últimas e as próximas férias. Assustador é quando ele encontra motivação para trabalhar e mandar.
E há dois momentos em que isso acontece: quando precisa de blindar a família da polícia e da justiça, assunto em que vem demonstrando, não custa admitir, extrema habilidade; e quando o tema é guerra, matéria que meteu na cabeça que domina.
Cinco dias antes dos primeiros bombardeamentos em Kyiv, aliás, foi ao Kremlin dizer-se "solidário com Putin", gerando um sarilho diplomático com os EUA, a NATO, a UE e a lógica sem precedentes em 200 anos de independência do Brasil.
Os brasileiros estavam ou não melhor com Bolsonaro a cavalo no jet ski e a enfiar camarões goela abaixo?
Como resumiu Alexandre Frota, o ator pornográfico que abandonou o governo escandalizado com os esquemas para maiores de 18 anos de Bolsonaro e filhos, o melhor período deste governo foram os três dias em que o presidente ficou calado depois de arrancar um dente.
Jornalista, correspondente em São Paulo