Pedrógão Grande. Memorial de homenagem às vítimas do incêndio abre sem cerimónia

No momento em que passam seis anos do incêndio que matou 66 pessoas, as entidades oficiais já não vão ao local da tragédia. "É o respeito que os mortos de 2017 merecem", considera a presidente da Associação das Vítimas.
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Ao final da manhã desta quinta-feira, a Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande (AVIPG) recebeu um telefonema da Infraestruturas de Portugal (IP) a comunicar que a partir daquele momento "o monumento estava aberto ao público". Dina Duarte, a presidente, confirmou ao DN esse contacto, que afinal denunciava aquilo de que já suspeitava: este ano não há qualquer cerimónia oficial que assinale o dia 17 de junho.

"Isto é o respeito que os mortos de 2017 merecem por parte das autoridades deste país. Julgo que é revelador", afirma a presidente. Pela primeira vez nestes seis anos a AVIPG não endereçou convites a ninguém. A sede estará aberta, para as famílias das vítimas e para os associados. Além disso a associação participará numa missa, marcada para a Igreja de Vila Facaia, ao princípio da tarde. O dia será ainda marcado pela (já habitual) volta da memória, uma iniciativa que junta ciclistas da região e percorre 66 quilómetros, um por cada pessoa que morreu no fogo.

À beira da estrada 236, que liga o IC8 a Castanheira de Pêra, no cruzamento de Pobrais, ergue-se o memorial, da autoria do arquiteto Eduardo Souto Moura, que viveu de perto a tragédia: uma das funcionárias do gabinete morreu naquela estrada, quando regressava da Praia das Rocas, com a família.

O Memorial começou a ser construído há mais de dois anos pela IP, adjudicado por cerca de 1,8 milhões de euros, e inclui "um lago de enquadramento, com cerca de 2500m2 de área, alimentado por uma gárgula com 60 metros de extensão, sendo bordejado por uma faixa de plantas constituída por nenúfares brancos, lírios e ranúnculos", adiantou fonte da direção de Comunicação e Imagem da IP ao DN. Do conjunto faz parte também, "como peça fundamental, um muro com a inscrição do nome de cada uma das 115 pessoas vitimadas nos incêndios florestais de junho e outubro de 2017".

"De modo a garantir as condições de fruição do Memorial, nomeadamente em termos de segurança rodoviária no acesso ao mesmo e na circulação em plena via, a IP procedeu à construção de uma meia rotunda na EN 236-1 ao quilómetro 7,5, de forma a permitir o movimento de inversão para veículos, bem como ao alargamento da estrada para integração de uma via de desaceleração e aproximação à zona de inversão de marcha, para além da requalificação do ambiente paisagístico marginal da EN236-1 junto ao Memorial", refere aquele gabinete. De resto, sendo "uma homenagem às vítimas, às suas famílias e amigos, considera-se que esta é a data adequada para proceder à sua abertura, ficando desde já disponível para a sua fruição por todas e todos".

Quando a atual direção da Associação tomou posse, desenvolveu contactos com a IP a solicitar uma reunião. "Fizemos um conjunto de pedidos, mas nenhum deles foi considerado: o plátano que tinha resistido ao fogo e considerávamos que ali poderia ficar como um exemplo de resiliência, foi das primeiras coisas a ser cortada. Também a fonte, pedimos que ficasse, porque era também ela um marco, não ficou. A única coisa que acederam foi a colocação, no local, de uma cápsula do tempo", sublinha.

Quando o incêndio ceifou vidas e dizimou toda a região do Pinhal Interior, os responsáveis máximos do poder vieram a público garantir que, mais do que fazê-lo renascer das cinzas, aquele interior do país nunca seria esquecido. Nos primeiros anos repetiu-se a visita do Presidente da República (sobretudo) e de alguns membros do Governo. Mas seis anos parecem muito tempo. É a primeira vez que o dia não será lembrado com qualquer visita oficial.

"Isto é uma forma de quem de direito não ser confrontado com as promessas que não foram cumpridas", considera Dina Duarte. "Chegamos mesmo à conclusão que Portugal é só Lisboa e nós somos paisagem. Portugal é TAP e é todo um conjunto de circunstâncias que não o resto do país. Não é só aqui. Questionamos também o que está a ser feito na Serra da Estrela, por exemplo, e noutros locais. É interessante perceber se está a ser feito alguma coisa. Porque aqui, seis anos depois, muito pouco foi feito". "Virão estar connosco aqueles que se sentem amigos do território e que não querem que seja esquecido", adianta Dina Duarte, quando questionada sobre o dia de sábado.

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