Pedro Penalva: "Portugal deveria tornar-se uma referência da sustentabilidade na Europa"

Pedro Penalva é o CEO da Aon para Portugal, Espanha, Israel e África.
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Como antevê o retrato da saúde em Portugal?

1 - O grande desequilíbrio que temos entre a procura e oferta. Do lado da procura as necessidades serão cada vez maiores com o envelhecimento da população (Portugal é o 3.º país mais envelhecido do mundo, logo após o Japão e Itália). O desenvolvimento tecnológico e com a inflação dos custos médicos, que sendo sempre um múltiplo da inflação nominal, irá incrementar a despesa em cuidados de saúde, que em 2020 chegou aos 10,2% do PIB. Do lado da oferta temos a limitação que resulta da crónica falta de médicos para prover as necessidades do país, muito em virtude de interesses corporativos que ao longo dos anos têm dificultado, e mesmo impedido, não só o incremento de vagas nos cursos medicina existentes, como o aparecimento de novos cursos.

2 - O modelo de financiamento em que a despesa pública assume uma percentagem ligeiramente superior a 60% (dado que destrói a narrativa do SNS como quase único prestador de cuidados de saúde, sendo que esta percentagem será difícil de ser incrementada, face ao crescimento anémico que temos tido nos últimos anos e ao já muito elevado endividamento da Republica), sendo que o valor despendido diretamente pelas famílias representa 18% do valor total dos custos de saúde, um montante superior a 3 mil milhões de euros, valor impressionante tendo em conta as fragilidades da situação financeira da maioria das famílias portuguesas e que contrasta com a muito mais reduzida poupança para a reforma, tendência que sendo global (em todo o mundo há um diferencial entre o gasto com despesas de saúde e a poupança para a reforma) tem uma especial acuidade em Portugal. A este montante acresce o crescimento contínuo do número de portugueses abrangidos por seguros de saúde privados (3 milhões de pessoas em 2021, sendo que mais de 70% tem acesso através do seu empregador), facto que explica que, de acordo com um inquérito recente da Aon, seja hoje o seguro de saúde atribuído pelas empresas o benefício social mais valorizado pelos trabalhadores portugueses.

3 - Uma agenda ideológica que nos últimos anos tem impedido a opção por soluções integradas e complementares em que a iniciativa privada juntamente com o sector público e instituições de economia social constroem soluções complementares, evitando que 30% dos utilizadores tenha hoje uma cobertura duplicada (SNS/Subsistemas do Estado com seguros privados) e garantindo um modelo "risk based" que promova e recompense comportamentos saudáveis e aposte na prevenção, à semelhança do ocorre em países como a Holanda ou a Alemanha. Assim, teríamos um modelo concorrencial, transparente (publicação de indicadores de qualidade e eficiência para cada prestador público, privado ou da Economia Social) com uma procura contante por soluções mais eficientes.

Qual seria para si o governo ideal para o país?

Um governo que definisse a sua ação alinhado com uma ideia mobilizadora para o futuro. Um objetivo aspiracional, ambicioso que criasse um princípio de consenso nacional alargado e induzisse uma dinâmica de esperança e crescimento económico e social. Uma sugestão seria fazer de Portugal uma referência da sustentabilidade no espaço Europeu. Que assumisse uma liderança numa economia descarbonizada, na transição energética, no combate às alterações climáticas, na economia circular, na diversidade e inclusão, na requalificação profissional, na equidade salarial entre os géneros e nas restantes dimensões de sustentabilidade. Que concretizasse essa visão associando a academia, as empresas, o Estado e atraindo talento, inovação e investimento para o País. Um governo que concretizasse uma clara aposta no crescimento económico, enquanto única forma de garantir o acesso dos portugueses a um patamar de bem estar, compatível com a sua condição de país europeu.
Um governo que concretizasse uma aposta clara na Educação, sendo esta a única forma de elevador social, e que associasse esta aposta a um enquadramento fiscal que não penalize os jovens na sua ascensão profissional e social. Seria também a forma de pararmos o êxodo de jovens altamente qualificados, que hoje vivemos em Portugal. Um governo que reduza o peso do Estado, tornando-o mais digital, eficiente e ágil, o liberte da sua função de actor económico, mas que reforce o seu papel enquanto regulador. Um Estado que assuma a sua dimensão social, crítico para camadas desfavorecidas da sociedade, mas ao mesmo tempo criando as condições, nomeadamente através da educação, da requalificação profissional e da formação, para que os cidadãos se possam libertar desta dimensão assistencialista.

Salário mínimo: um desafio ou uma oportunidade? Vai ajudar ou desajudar o país?

O aumento do salário mínimo, por si só, não é uma panaceia. O problema grave que vivemos em Portugal é a aproximação, que temos assistido nos últimos anos, do salário mínimo ao salário médio. O que temos que criar são as condições para que as empresas paguem melhores salários sem que sejam impactadas (e os trabalhadores) por uma carga fiscal injusta e excessiva. Disto isto, uma empresa, para merecer sobreviver, tem que gerar valor suficiente para pagar aos seus colaboradores um salário que lhes permita viver em condições condignas. Não podemos ter no Portugal do século XXI portugueses, em pleno emprego, a viver em situações próximas ou abaixo do limiar de pobreza.

De que forma poderá o país voltar a colocar a economia na rota de crescimento?

O programa de cada Governo deveria, de forma clara e inequívoca, incluir o valor percentual do crescimento a atingir no período. Este seria um compromisso assumido e o seu cumprimento, ou falta dele, deveria funcionar como um indicador do sucesso da governação. Concretizar este desiderato também através do apoio às empresas, apoiando a sua ambição de crescimento, internacionalização e inovação. Fazer com que empresas pequenas se transformem em médias, médias em grandes e grandes em players internacionais. Apoiar o empreendedorismo e, aspecto crítico, a criação das condições para atracção de investimento externo, nomeadamente no que tem a ver com a criação de um enquadramento fiscal estável e competitivo e uma justiça célere e eficiente. Reduzir o peso do Estado na economia e alterar o paradigma fiscal em que vivemos, possibilitando a libertação de recursos que seria utilizados no apoio à inovação, à internacionalização e ao crescimento das empresas, e também reduzindo o ónus fiscal que recai sobre as empresas e os trabalhadores e que constitui um travão ao seu desenvolvimento, crescimento e atracção de investimento estrangeiro.

A natalidade é um dos desafios nacionais. Que medida(s) poderá o novo governo implementar para colmatar a falta de nascimentos?

Iniciativas ao nível do apoio parental e da educação pré-escolar, combinada com medidas de impacto fiscal que beneficiassem, de forma relevante, as famílias mais numerosas. Como é óbvio este acréscimo de despesa e a execução destas medidas só se torna possível com uma economia a crescer e a criar valor. Por último, importa realçar que as novas formas híbridas de trabalho irão, de algum modo, flexibilizar os modelos de parentalidade, possibilitando o trabalho remoto de algum, ou ambos, dos progenitores.

Envelhecimento ativo é outra preocupação. O que fazer em 2022 para cuidar dos
mais velhos (que tanto sofreram, ficando isolados com a pandemia)?

Antes de mais garantir a sustentabilidade financeira de quem, pela sua idade, já não pode aceder ao mercado de trabalho e fica dependente do regime de pensões de reforma do Estado ou privado. Importa repensar profundamente o modelo de segurança social que temos hoje, garantindo a sua sustentabilidade futura e não quebrando o contrato geracional com que temos vivido até agora. Para tanto, temos que criar modelos integrados e flexíveis que promovam a poupança enquanto mecanismo complementar à segurança social do Estado. A transferência dos custos de saúde, hoje assumidos diretamente pelas famílias como referido atrás, para mecanismos de poupança de longo prazo para a reforma, poderá ser uma das formas.

Alterações climáticas: que contributo irá dar, a título pessoal e através da sua empresa para colmatar esses efeitos?

As alterações climáticas constituirão um dos grandes riscos que teremos que enfrentar e, mais do que isso, o grande desafio civilizacional com que nos defrontaremos nos próximos anos. Todos temos um papel a desempenhar: os cidadãos, as empresas, as organizações não governamentais e os Estados.
A Aon assumiu um compromisso claro de atingir a neutralidade carbónica em 2030, tendo já atingido uma redução de emissões de CO2 de 43% entre 2019 e 2020.
Vivemos hoje uma situação em que apenas 36% dos danos económicos causados por eventos que decorrem de alterações climáticas estão protegidos por mecanismos de transferência de riscos, como sejam seguros. Importa por isso salientar o tremendo investimento que a Aon tem vindo a efectuar com vista a encontrar soluções que passam pela criação de ferramentas analíticas de modelização de risco e que possibilitarão uma adequada atracção e alocação de capital, para além do capital segurador e segurador, que será fundamental para a mitigação dos impactos deste tipo de eventos e para o aumento da percentagem de cobertura dos danos causados por alterações climáticas.

Qual é aquele livro/desporto/viagem/atividade que tem vindo a adiar e que quer mesmo ler/fazer no novo ano?

Claramente viajar. Ter a liberdade de definir um destino sem limitações ou restrições pandémicas.

Se fosse um super-herói, qual seria?

Gosto particularmente do Batman.

Um luxo para si, em 2022, é?

Voltar a poder abraçar amigos, colegas e familiares. Voltar a saudáveis práticas de contacto e interação humana.

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