"Daddy é um estado de espírito. Eu sou o teu daddy." Terá sido quando Pedro Pascal pronunciou estas palavras, fixando a câmara, numa entrevista à Vanity Fair no último ano que o termo colou. Mais recentemente, na passadeira vermelha da première de The Last of Us, perante a pergunta da jornalista sobre a sua fama planetária na internet, e depois de esta lhe dar a ler um tweet, voltou a admitir o agrado em relação ao epíteto: "Eu sou o teu daddy cool e maroto", disse, mais uma vez olhando para a câmara... Ambos os momentos, que circularam num ápice na grande rede, vieram animar (ainda mais) o status do ator que está definitivamente a dominar as atenções. Ainda no mês passado vimo-lo dar um ar da sua graça no Saturday Night Live protagonizando um sketch que parodia o próprio fenómeno à sua volta: surge como um professor perplexo com a adoração dos seus alunos, que se fartam de publicar vídeos virais da sua pessoa em poses sexy, mas - moral da história - essa perplexidade acaba por dar lugar à aceitação. É basicamente um resumo da reação de Pascal a tudo isto..O facto de o chileno-americano de 47 anos não ser pai, na genuína aceção da palavra (daí a ideia do "estado de espírito"), torna a questão bastante curiosa. Mas antes de chegarmos ao motivo mais plausível desta fama, que passa necessariamente por dois grandes sucessos no pequeno ecrã, vale a pena perceber a natureza do termo....Daddy (qualquer tradução em português ficará aquém: papá, paizinho...) sempre designou mais do que o seu sentido literal. E isso acentuou-se na última década, com esta palavra-conceito a apontar tanto para o fetichismo sexual como para os chamados "daddy issues", que costumava ser uma expressão pejorativa (com base no Complexo de Electra) e entretanto ganhou uma conotação muito mais leve, como já notava Eve Peyser em 2016, num artigo seminal para a New York Magazine: "O que diferencia a versão atual do daddy das conceções anteriores é que estamos a divertir-nos muito mais com isto. (...) temos controlo sobre a maneira como manifestamos "daddy".".Pois bem, pode dizer-se que é com esse espírito que Pedro Pascal abraça a sua condição de daddy. Aquela que corresponde à imagem de um homem cuja beleza se apurou com a idade, combinando um traço de simpatia com o charme protetor. Ele é, sem dúvida, um daddy do tipo irónico, distante da psicanálise por trás da canção de Cole Porter, My Heart Belongs to Daddy, eternizada por Marilyn Monroe, e mais próximo de uma verdadeira noção de paternidade, ou não fossem as duas personagens que lhe catapultaram a carreira figuras paternas de improviso, extremamente convincentes. Falamos, claro, do Din Djarin de The Mandalorian e do Joel Miller de The Last of Us (esta série que se tornou, na última semana, o título mais visto da HBO Max em Portugal, já com a segunda temporada em andamento)..Começando por The Mandalorian (Disney+), cuja terceira temporada se estreou há poucas semanas, reconhecemos no seu caçador de recompensas - tão enigmático debaixo da armadura e capacete de aço beskar - uma afeição de babysitter para com Grogu que está para além da tarefa de zelar por esse pequeno ser verde, a quem de início se chamou The Child ou, comercialmente, Baby Yoda... De facto, foi com esta série de Jon Favreau que Pascal descobriu uma espécie de vocação para figuras protetoras com o simbolismo de "pai adotivo". Estatuto que viria a ser confirmado não muito depois com The Last of Us, a outra série apocalíptica, adaptada do videojogo homónimo, onde surge como guardião de uma adolescente, Ellie (Bella Ramsey), que pode ser a cura para a infeção de fungos que transforma os hospedeiros humanos em zombies. Enfim, são experiências de "paternidade" diferentes, mas em ambas as personagens de Pascal há uma relutância no princípio que acaba por dar lugar a uma conexão profunda: o que não era amor incondicional, assente num laço biológico, torna-se isso mesmo através da viagem partilhada..Sobre esta analogia óbvia entre os dois êxitos do streaming, Pascal disse à Hollywood Reporter que reconhece "uma linha entre as suas personagens", embora não seja "necessariamente procurada", fazendo questão de sublinhar que não tem filhos. "Aprendi através destas personagens o quão dolorosamente vulnerável alguém se torna e o quanto a nossa vida depende de que a deles esteja bem. É uma fantasia divertida de concretizar, e vou interpretar o máximo de pais que conseguir"..Para já, Din Djarin e Joel preenchem todos os requisitos do daddy, desde a voz monocórdica mas quase erótica do primeiro ao ar de lenhador sexy do segundo. Uma coisa é certa: Pascal impôs-se, dentro e fora do ecrã, como um emblema de resistência ao machismo, sobretudo enquanto homem latino. Num artigo recente da Men"s Health é mesmo referido como um "símbolo da masculinidade moderna". Alguém que não se incomoda por ser objeto de desejo de outros homens e que apoia publicamente a irmã transgénero, Lux Pascal. De resto, basta lembrar que entre os seus próximos lançamentos está o muito aguardado Strange Way of Life, a nova curta (com 30 minutos) de Pedro Almodóvar, um western queer no qual interpreta um pistoleiro de visita a um amigo xerife... Ethan Hawke..Eis então a pergunta que se impõe: onde andou Pedro Pascal este tempo todo? Não muito longe. Na verdade, desde 2017 que o seu nome andava na baila como um sex symbol. Isto já depois de ter sido Oberyn Martell n"A Guerra dos Tronos (HBO) e Javier Peña em Narcos (Netflix), as duas séries de sucesso que permitiram vislumbrar o seu carisma agora plenamente concretizado em The Mandalorian e The Last of Us; pelo meio assinala-se uma comédia com Nicolas Cage, O Peso Insuportável de um Enorme Talento (disponível nos TVCine), que terá contribuído para a equação da popularidade..Até aqui só falámos da glória de Pascal, de como se tornou o homem do momento pela confluência das grandes produções em que se destacou e pela afabilidade da sua imagem pública. Mas há uma comovente história para trás, que começa quando a sua família fugiu do Chile, tinha ele nove meses, para escapar ao regime de Pinochet. Tanto o pai como a mãe, José Balmaceda e Veronica Pascal, estavam na lista de inimigos do regime e eram vigiados de perto (até porque a mãe era prima de Andres Pascal Allende, líder do Movimento de Esquerda Revolucionária e sobrinho do presidente Salvador Allende). O que fez com que chegasse o dia em que este médico e esta psicóloga infantil fizeram como muito refugiados políticos, pedindo asilo à embaixada venezuelana e sendo acolhidos na Dinamarca, antes de conseguirem chegar aos Estados Unidos, onde se estabeleceram na cidade de San Antonio, Texas..Em entrevistas que foi dando ao longo do tempo, Pascal nomeia o pai como o responsável por lhe ter transmitido o bichinho cinéfilo (o cartaz de Império do Sol, de Spielberg, fê-lo sonhar ser a criança Christian Bale) e a mãe como a principal impulsionadora do seu futuro, assim que percebeu o gosto do filho pela representação. Foi ela quem o matriculou numa escolha de artes performativas da região, levando a que, mais tarde, o próprio fizesse as malas com destino a Nova Iorque, para aí estudar na Tisch School of the Arts e agarrar as oportunidades dos primeiros pequenos papéis, como seja uma brevíssima passagem pela série Buffy, Caçadora de Vampiros... Os doces anos 1990..Nessa altura, e durante algum tempo, o ator creditado era Pedro Balmaceda. Aos 24 anos, como quem marca um antes e um depois na sua vida e curta carreira, mudou o apelido para Pascal em homenagem à sua mãe, que então cometera suicídio. Uma mudança motivada pela tragédia, e que não teve efeitos práticos: apesar de o nome se ter tornado mais apelativo e pronunciável, continuou a ser chamado para interpretar traficantes de drogas (a sina dos atores hispânicos), só subindo a fasquia nos ainda pequenos papéis em Law & Order, The Good Wife e O Mentalista. A sorte mudou com A Guerra dos Tronos, e o resto já se sabe. "Foi aquele papel importante, no auge da popularidade da série, uma temporada perfeitamente escrita, uma personagem perfeitamente escrita: entrar, rodar durante 10 semanas, sair. Ninguém teve a oportunidade de ficar farto de mim", disse à revista GQ..Embora tenha sido menos repentina do que parece, a febre intergeracional à volta do ator chileno-americano deverá manter-se por tempo considerável. Desde logo porque o universo das séries tem essa fatura do efeito prolongado. O que nos faz prever que continuem a surgir frases divertidas de passadeira vermelha e situações estranhas, como pessoas que pedem a Pascal para fazer a voz do Mandalorian para os seus filhos: ele acha "inapropriado", por ser uma "voz de cama, num registo baixo e sussurrante". Nada a acrescentar..dnot@dn.pt