Pedro Dias: a sangue-frio
"-Ó senhora doutora, eu estou muito longe, estou na Indonésia...
- Está na Indonésia? Ó senhor doutor, desculpe, eu sei... Estou aqui eu, está a Sandra Felgueiras, está aqui a câmara da RTP, está aqui... é assim: eu quero entregar o Pedro Dias, queremos entregá-lo, mas estamos com medo, e estamos aqui a filmar... que a GNR não saiba, que não comecem a disparar, senhor doutor, pois é uma situação de perigo. Ele vai para onde? Para a Directoria do Norte? A do Centro não quero... da Brigada de Homicídios do Centro não quero, quero a da Guarda ou a do Norte".
O director da PJ, Almeida Rodrigues, encontrava-se nos antípodas, a muitas horas de fuso. A advogada, essa, estava numa casa em Arouca, no Portugal profundo, ao lado de um colega de escritório, da estagiária Renata, do foragido Pedro Dias, de uma amiga e da irmã deste, da jornalista Sandra Felgueiras e de um cameraman da RTP.
Quinze minutos depois, chegaram os inspectores. Sugeriram ao fugitivo que levasse um casaco, pois fazia frio à noite. Ele perguntou se podia carregar o telemóvel consigo, para ligar à mulher, a advogada questionou os polícias sobre o que é que o seu cliente poderia levar para os calabouços: "o que é que ele pode levar, uma escova de dentes?" (responderam-lhe: "um saquinho de higiene, traga tudo, não tem problema nenhum").
Terça-feira, 8 de Novembro de 2016, o dia da entrega de Pedro Dias às autoridades, tudo planeado ao milímetro pela sua advogada, a qual, com receio de que o seu constituinte fosse abatido pelos homens da GNR, em vingança pela morte de um dos seus camaradas, decidiu, em articulação com o marido, orquestrar uma rendição-espectáculo ao vivo e a cores, filmada pela TV, emitida em horário nobre. "O que na altura pensei foi: se durante o momento da entrega a polícia souber que está a televisão presente, isso vai fazer com que a polícia não entre com violência e foi exatamente isto que se passou", diria, em 2018, Rui da Silva Leal, marido da advogada de Pedro Dias (Observador, de 14/2/2018).
Os diálogos na casa de Arouca seriam transmitidos com impacto e estrondo no "Sexta às Nove", da televisão pública, precedidos de uma entrevista com o homem que andava em fuga há 28 dias e que era, sem dúvida, o criminoso mais procurado do país. De resto, a equipa da PJ chegou ao local num ápice, 10, 15 minutos depois do bizarro telefonema para a Indonésia, pois já andava nas imediações, em vigilância, suspeitava da casa de Arouca onde ele se encontrava, pertença de uma amiga da família Dias, que logo no dia seguinte seria constituída arguida por suspeitas de favorecimento pessoal. Desde finais de Outubro, aliás, que a PJ tinha um mandado de busca naquela casa, ficando por esclarecer por que motivo os inspectores nada fizeram até receberem a inusitada chamada da advogada de Pedro Dias, a dr.ª Mónica Cláudia Quintela, causídica de Coimbra, do signo do Caranguejo, leitora de Eça nas férias, "apaixonada por música, cinema e viagens" (Público, de 28/8/2019), próxima da ex-bastonária Elina Fraga (foi vogal do conselho geral da Ordem dos Advogados em 2014-2017), descrita por Marinho e Pinto como "uma lutadora" e "alguém que faz parte do núcleo de advogados que são o orgulho da profissão". Antes de Pedro Dias, Mónica Quintela e o marido já tinham defendido a inspectora da PJ, Ana Saltão, acusada de ter assassinado a avó do marido com 14 tiros (e depois absolvida), como tinham defendido Luís Filipe Monteiro e Emanuel Paulino no processo da "Máfia de Braga", respeitante ao homicídio por estrangulamento do empresário João Paulo Fernandes, sequestrado na presença da filha de oito anos, e cujo corpo seria desmembrado e dissolvido em 500 litros de ácido sulfúrico num armazém sito em Baguim do Monte, Gondomar. Emanuel Paulino, o "Bruxo da Areosa", seria condenado à pena máxima de 25 anos, confirmada pelo Supremo, juntamente com outros arguidos no processo, entre os quais Francisco Bourbon, vice-presidente do Partido Democrático Republicano, de Marinho e Pinto, e um dos responsáveis pela conta bancária desse partido.
Tempos depois da sua sensacional reportagem com Pedro Dias, Sandra Felgueiras descreveria o seu entrevistado como um "galã", que a primeira coisa que lhe disse, na noite em que se encontraram, foi um piropo malandro, "você é muito mais gira ao vivo do que na televisão..." A seguir ao dichote, na entrevista que lhe concedeu, Pedro afirmou que tentara entregar-se desde o primeiro dia, mas que fora "perseguido como um animal" e só sobreviveu "com muita vontade de amar" os filhos, um rapaz, na altura com 11 meses, e a filha, de 11 anos, em relação à qual, semanas antes dessa entrevista, tinha regulado as responsabilidades parentais, que ficaram partilhadas com a mãe, num processo em que foi também representado por Mónica Quintela. Pelo "amor pelos filhos, pelos pais, pela família", decidira não fugir pelo país, andando a cirandar pela zona de Arouca, Vila Real, Aguiar da Beira, com a GNR e a PJ no seu encalço. Durante quase um mês, comia o que apanhava ("a época não é má, há muita castanha, muita noz, muito quivi...") e a um amigo, que nem percebeu a coisa, furtou meio frango de uma arca congeladora.
Pedro João Ribeiro e Costa de Pinho Dias era o rebento rebelde de uma das famílias mais estimadas e abastadas de Arouca, filho de um engenheiro que geria uma empresa de exploração de madeiras e de uma professora, ambos aposentados. Nasceu em Angola, mas veio aos dois anos para Arouca, onde completou o 12.º ano. Estudou aeronáutica na África do Sul, estava a terminar o brevet de piloto em Portugal, e por isso tinha a alcunha de "Piloto", mas apresentava-se como empresário agrícola, dono de duas quintas, uma em Arouca, outra em Mangualde. Antes dos homicídios de 2016, já possuía um longo cadastro: furtos, violência doméstica, ofensas à integridade física, detenção de arma proibida e posse ilegal de espécies protegidas, com destaque para um primata, retirado pelas autoridades para o Jardim Zoológico da Maia, e de 52 aves raras. A polícia disse que recebeu treino militar no ano em que estivera emigrado na África do Sul.
Na noite de 11 de Outubro de 2016, pelas duas da madrugada, Pedro Dias foi interpelado por dois guardas da GNR que andavam no encalço de suspeitos de fogo posto na zona das termas da Caldas da Cavaca e que, vendo-o a dormir dentro de uma carrinha Toyota, num local ermo, lhe pediram que se identificasse. Num piscar de olhos, Dias matou a sangue-frio, e à queima-roupa, com um tiro na cabeça, o guarda Carlos Caetano, de 29 anos, que sempre sonhou ser militar da GNR. Quando o camarada deste, António Ferreira, de 41 anos, começou a gritar, Pedro ameaçou-o de morte - "se te mexes, fodo-te os cornos, fazes-lhe companhia" - e, com glacial frieza, obrigou-o a meter o corpo do colega na bagageira do carro e andou às voltas com ele durante cerca de duas horas. A seguir, levou-o para a Serra da Lapa e aí deu-lhe um tiro na cabeça, arrastou o corpo para o mato e tapou-o com giestas e pedras, fugindo depois com a sua arma, de calibre 7.65 mm, e as duas Glock de 9 mm dos dois militares da GNR.
Nessa madrugada, pelas 6h25, Pedro Dias interceptou um Volkswagen Passat que circulava na EN229. Lá dentro iam, vindos de Seia, Luís Pinto, operário da construção civil, de 29 anos, e sua mulher Liliane, de 26 anos, funcionária num lar de idosos. Estavam casados há seis anos, tinham perdido um bebé, queriam muito ter um filho. Iam para Coimbra cedinho, para ter vaga num programa de fertilidade que aí seguiam. Ao ver um homem na berma da estrada a gesticular, Luís terá pensado que era um sinistrado, alguém a precisar de ajuda, e logo travou, parando o carro. Mal abriu o vidro, Pedro Dias baleou-o na cabeça, em frente da mulher, a quem obrigou a arrastar o cadáver do marido. Depois, disparou sobre ela. Luís Pinto foi levado para o hospital já morto, Liliane esteve em estado vegetativo durante meses, lutou com a morte entre Outubro de 2016 e Abril de 2017, foi alvo de várias intervenções cirúrgicas, acabaria por falecer na Unidade de Cuidados Paliativos de Seia. Pedro Dias ficou-lhes com o automóvel - e com os cerca de 300 ou 500 euros que levavam para pagar a consulta de fertilidade e para comprar materiais de construção para uma casa que estavam a construir -, e foi ter ao local onde tinha sido abordado pelos guardas da GNR. Passou para a sua carrinha Toyota e, pelas 8h20 da manhã, abordou uma ex-namorada, Ana Laurentino, professora, mediadora de seguros e vendedora de gás. Ana rompera com Pedro porque este era violento, chegara a bater-lhe, o mesmo sucedendo com uma outra Ana, Ana Cláudia, veterinária, que teve uma filha com ele, e que tanto se recorda de Pedro Dias como "uma pessoa charmosa e muito agradável", "extremamente controlado", que não fumava nem bebia, incapaz de dizer um palavrão, que chegara a parar numa autoestrada para salvar um ouriço-cacheiro, como o lembra como um homem que, num acesso de fúria, dera um pontapé na cara de um cliente dela que lhe devia dinheiro.
A GNR encontraria a carrinha Toyota no Candal, São Pedro do Sul. Lá dentro, um talão de hipermercado datado das 11 horas desse dia, dois toalhetes com sangue, um cinturão com o coldre de um dos militares abatidos, fotografias da filha do assassino. Num post-it colado num envelope, aquilo que as autoridades entenderam tratar-se de palavras de código para comunicar com quem o estaria a ajudar na fuga épica ("Sim", "Não", Muito Perigo", "Estou bem a salvo"). Segundo uma reportagem do Observador, de 2/11/2017, a polícia sempre suspeitou que Pedro João, como era conhecido, estaria a ser ajudado na fuga pelos seus familiares ou amigos, mas nunca conseguiu prová-lo.
Cinco dias após os homicídios, em 16 de Outubro de 2016, Pedro Dias sequestrou Lídia Conceição na casa da mãe desta, na freguesia de Moldes, concelho de Arouca, e tentou estrangulá-la, batendo-lhe com a cabeça no chão, por diversas vezes, aos gritos de "ó sua puta, só não te mato porque conheço a tua mãe, mas se tu falas eu volto e mato as duas." Depois, colocou-lhe uma batata na boca, para a calar, e amarrou-a. António Duarte, um vizinho que por ali perto cuidava da horta de um familiar emigrado, ouviu gritos, acorreu ao local, para acabar também ele amordaçado e amarrado. Pedro Dias fugiria no Opel Astra de António Duarte e, segundo a polícia, o fugitivo só não matou mais estes dois com medo do barulho e porque precisava de tempo para fugir dali.
A 22 de Outubro, a GNR encontraria o Opel Astra na localidade de Carro Queimado. Lá dentro, umas calças ensanguentadas, que as autoridades julgaram ser a prova de que o homicida em fuga estaria ferido. Entregou-se dias depois, a 8 de Novembro, numa rendição televisionada no canal de serviço público. No julgamento subsequente, travado no Tribunal da Guarda, e que esteve para ser adiado devido a uma greve dos funcionários prisionais, as testemunhas de defesa garantiram que, na cela, Pedro Dias fazia novenas por Liliane Pinto e que "chorou como um bebé" quando ela morreu; outra testemunha diria que ele era "muito religioso" e que lhe pedira até para "rezar pela Liliane". Em tribunal, a irmã de Pedro Dias, Andreia Susana, revelou que ele fora pai já depois de ter sido preso, mas que ainda não conhecia o bebé, pois recusava fazê-lo através de um vidro. Mais referiu a "bondade excessiva" do seu irmão, realçando que "ajudava todos" e que tinha um medo terrível de ser morto pelos militares da GNR: "O meu irmão não é um monstro. É o irmão que todos queremos ter, o filho que os pais querem ter. É muito paciente e não faz nada sem razão". A advogada Mónica Quintela, por sua vez, disse compreender a dor das mães das vítimas ("não vai passar nunca") e até citou Sophia de Mello Breyner para afirmar que "nunca choraremos o bastante por tudo o que se passou naquela noite", argumentos que não terão comovido os juízes do Tribunal da Guarda, que condenaram Pedro Dias à pena máxima, 25 anos (uma decisão "expectável", nas palavras de Mónica Quintela), confirmada pela Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça. Não muito depois, em 2018, Pedro Dias seria condenado pelo Tribunal de Tondela a uma outra pena de dois anos de prisão efectiva, mas desta feita pelo crime de furto qualificado de 28 aves aquáticas de um centro de reprodução em Parada de Gonta, aves que acabaram sendo descobertas nos viveiros da sua Quinta da Várzea, em Arouca, em furto de pilha-galinhas. O seu advogado, Rui da Silva Leal, mostrou-se desapontado, esperando uma absolvição, e mais disse que Pedro Dias se encontrava preso numa cela 22 horas por dia, o que prejudicava seriamente a sua reinserção social, tal como previsto na lei.
Em 2017, Pedro Dias esteve envolvido numa alegada tentativa de fuga da cadeia de alta segurança de Monsanto: foi encontrada uma garrafa de vidro envolvida numa meia e, apesar de os serviços prisionais terem garantido ao Correio da Manhã não faltar "nenhuma meia na instituição", formou-se a suspeita de que o recluso ensaiara uma engenhosa fuga (cf. Sol, de 4/9/2017), a que acresceu, pouco depois, uma greve de fome, em conjunto com Fábio Cigano e com Abdessalam Tazi, um marroquino acusado de recrutar combatentes para o Daesh, em protesto pela alimentação servida em Monsanto. O protesto saldar-se-ia por uma vitória, com a promessa de "reforço de compra de leguminosas e vegetais" por parte da empresa responsável pelo catering prisional (Correio da Manhã, de 3/10/2018). Em Agosto de 2019, Pedro Dias seria transferido para o Estabelecimento Prisional de Coimbra, mais perto de casa, facto que causou estranheza a um dos advogados das vítimas, mas que a advogada Mónica Quintela considerou tratar-se adequado e justo, "atendendo quer ao local da residência da família, quer à sua própria situação pessoal."
Em entrevista ao Observador, de 14/2/2018, Rui da Silva Leal e Mónica Quintela explicaram que decidiram chamar Sandra Felgueiras pois acharam que a polícia iria matar toda a gente, incluindo eles próprios, quando capturasse Pedro Dias na casa de Arouca. "Eu disse logo que nos matavam, com um tiro perdido", referiu o advogado. A jornalista perguntou, então: "Quem vos iria matar? A polícia? Pedro Dias?". Resposta: "A polícia" (Rui da Silva Leal); "O Pedro Dias não, eu conhecia-o bem" (Mónica Quintela); "O Pedro Dias não nos iria matar, se éramos advogados dele. A polícia é que podia entrar, disparar para o atingir a ele e depois..." (Rui da Silva Leal). Além de uma tremenda desconfiança nas autoridades, que estes dois advogados afirmaram ser capazes de assassinar várias pessoas numa operação policial, o que fica por explicar é que motivo ou motivos teriam a GNR ou a PJ para, depois de matarem Pedro Dias, abaterem também os seus dois advogados; no limite, isso implicaria que, para não haver testemunhas da chacina, todos quantos estavam com Pedro Dias na noite da sua captura teriam de ser assassinados, um banho de sangue com quatro, cinco ou mais mortos. Talvez por isso, algumas vozes maldosas, prenhes de má-fé, afirmaram em surdina que o envolvimento de Sandra Felgueiras e da RTP não passou de uma encenação do casal de causídicos para ganharem protagonismo e mediatismo à conta de Pedro Dias e da sua aparatosa entrega, facto bastante improvável, até pelo que isso implicaria de grosseira violação deontológica na relação dos advogados com os seus clientes. De resto, e além da suspeição sobre a GNR e a PJ, Mónica Quintela e o marido levantariam mais tarde uma outra grave suspeita sobre os Serviços Prisionais, dizendo que estes retinham Pedro Dias em Monsanto por pura vingança, dado ter matado militares da GNR: "são os chamados crimes de farda. Quando estão envolvidas pessoas dessas, o sistema prisional é mais punitivo" - disse Mónica Quintela ao Observador, de 14/2/2018).
Mónica Quintela seria designada por Rui Rio como porta-voz e responsável do PSD para a área da Justiça e da Igualdade. Foi também cabeça de lista do PSD, por Coimbra, nas legislativas de 2019 e de 2022; nesta última, teve como mandatário político Manuel da Costa Andrade, antigo presidente do Tribunal Constitucional e professor da Faculdade de Direito, como mandatário legal Júlio Gaudêncio, e como director de campanha João Paulo Barbosa de Melo, antigo presidente da câmara da cidade do Mondego. Em Coimbra, nas eleições de 2022, o PSD obteve 29,15% dos votos, um dos seus piores resultados de sempre, idêntico apenas ao alcançado 40 anos antes, em 1983.
O marido de Mónica Quintela, o advogado Rui da Silva Leal, que defendeu o "Bruxo da Areosa" (o qual, recorde-se, participou no homicídio, desmembramento e dissolução em ácido sulfúrico do cadáver de um empresário) e que teve a ideia de chamar a televisão para a entrega de Pedro Dias, desconfiando que a polícia poderia "entrar com violência" e matar toda a gente, foi indicado pelo PSD, e eleito pela Assembleia da República, "dentro de personalidades de reconhecido mérito", como membro do Conselho Superior do Ministério Público, isto apesar de, em simultâneo, ser vice-presidente do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, situação que alguns consideraram de manifesta incompatibilidade e de patente conflito de interesses (cf. Público, de 4/1/2020). O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República chegou a emitir parecer sobre o assunto, considerando existir, de facto, uma incompatibilidade e defendendo que Rui Leal deveria ter renunciado ao cargo de vice-presidente da Ordem dos Advogados. Contudo, esse parecer da PGR andou perdido oito meses nos corredores de São Bento: Ferro Rodrigues remeteu-o para a Comissão de Assuntos Constitucionais, o deputado Luís Marques Guedes considerou que se tratava de assunto da competência da Comissão da Transparência e enviou-o para lá, mas os serviços da Assembleia, por razões desconhecidas, não o reencaminharam e só despertaram para o tema quando o Público lhes fez perguntas sobre o assunto, tendo o deputado Jorge Lacão, presidente da Comissão da Transparência, afirmado que nada haveria a dizer pois "o ofício da PGR limita-se a dar conhecimento do parecer. Não pede qualquer pronúncia". Além disso, como Rui Leal já estava eleito, não havia forma de voltar atrás (Público, de 6/2/2021). Para mais, quando Rui Leal foi ouvido, em Dezembro de 2019, na Comissão de Assuntos Constitucionais no processo de eleição para o Conselho Superior do Ministério Público, anunciou que tinha sido eleito, dez dias antes, para o Conselho Geral da Ordem dos Advogados - mas, por falta de atenção ou lembrança, nenhum deputado fez qualquer pergunta ou comentário sobre uma eventual incompatibilidade, que Rui Leal entendeu não existir, preferindo falar em "impedimento pontual" quando surgissem eventuais conflitos de interesse (Público, de 16/2/2021).
Instado a pronunciar-se sobre um eventual caso de "familismo", dado Rui da Silva Leal ser marido da sua porta-voz para a Justiça, Rui Rio disse que teria sido uma "cobardia" não indicar o seu nome para o órgão superior de gestão e disciplina dos magistrados do Ministério Público. Rui Leal, que entre 2020 e 2021 também fez parte do Conselho de Prevenção da Corrupção, foi candidato, em 2022, a bastonário da Ordem dos Advogados ("A Ordem não está a bater no fundo, está já a escavá-lo"), tendo ficado em quarto lugar, com 2.705 votos.
Em Julho de 2021, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, participou numa homenagem póstuma ao militar da GNR morto por Pedro Dias, presidindo à cerimónia de inauguração do "Parque Activo Carlos Caetano", junto ao Polidesportivo da Quinta das Lameiras, na freguesia do Pinheiro, Aguiar da Beira. Dois anos antes, em 2019, fora anunciado que o Estado decidira indemnizar, com 132.500 euros, os familiares de Carlos Caetano, dado este ter sido morto "durante a execução do serviço militar de patrulha."
Pedro Dias foi condenado a pagar cerca de 457 mil euros às vítimas dos seus crimes e aos seus familiares, mas os seus advogados informaram que ele não possui quaisquer bens em seu nome, pelo que os familiares de Luís e de Liliane Pinto não obtiveram até hoje, que se saiba, qualquer indemnização, nem foram ressarcidos das despesas tidas com o internamento hospitalar da filha e com os encargos com advogados (cf. Público, de 9/3/2018; Correio da Manhã, de 28/5/2021).
Por outro lado, em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, decidiu-se que Pedro Dias não tinha de indemnizar a GNR pelos prejuízos com a viatura Toyota, as armas roubadas, o funeral do guarda Carlos Caetano e as despesas de saúde do guarda António Ferreira, pois, quando deduziu a acusação criminal, o Ministério Público, porventura por lapso, não lhe associou um pedido de indemnização, como manda a lei, só o fazendo meses depois.
Pedro Dias cumpre actualmente pena no Estabelecimento Prisional de Coimbra e está a concluir ou já concluiu uma licenciatura em História, passo que os jornais informam ser importante para a sua reabilitação e para que não volte a cometer mais crimes.
Prova de vida (19) faz parte de uma série de perfis
Historiador. Escreve de acordo com a antiga ortografia.