Pedro Coelho: "Temos de ter um olhar mais aberto"

A trabalhar desde 2007 na <em>Grande Reportagem</em>, SIC, Pedro Coelho assume-se feliz no papel de contador de histórias. Sonha voltar a fazer reportagem num cenário de guerra mas não esconde: ser grande repórter não é uma "missão" fácil.
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Trabalha, desde 2007, como grande repórter no programa de informação Grande Reportagem, na SIC. O que o seduz no exercício desta profissão?

O trabalho na Grande Reportagem exige que tenhamos a capacidade de nos confrontarmos, diariamente e por períodos longos, com situações-limite, seja porque estamos a fazer uma reportagem numa cadeia, num bairro social... Temos de ser camaleões, há quase um trabalho de antropólogo, vemo-nos obrigados a adaptar-nos a realidades diferentes.

Que experiências tem tido ao longo destes quatro anos de serviço?

A Grande Reportagem absorve-nos de uma maneira tal que o resto da nossa vida fica vazio. O grau de intensidade e de envolvimento que depositamos numa grande reportagem é grande e isso é algo muito gratificante porque nos entusiasma a um nível incomparável, mas é muito cansativo.

Admite, portanto, que uma das principais lições que já retirou é que ser-se grande repórter não é uma profissão fácil...

As reportagens demoram um mês e meio a ficarem prontas e, durante esse tempo, não há momentos de pausa, nem fins de semana distanciados das histórias. Sim, é verdade que saio mais cedo das instalações da SIC, mas trago sempre trabalho para casa. Sou eu, o contexto familiar e mais a Grande Reportagem, parece que faz parte da família! [risos] Às vezes, sou chato para os que estão mais próximos porque falo muito sobre coisas que estou a fazer. Tenho a sorte de a minha mulher ser jornalista e poder compreender-me com grande facilidade, mas tenho dois filhos...

É uma pessoa workaholic?

Sim, mas neste tipo de trabalho não conseguiria ser de outra maneira. Eu, pelo menos, não consigo "cortar".

Há quem inveje os grandes repórteres por poderem dedicar-se, por um período longo, a uma só história...

Sim, há colegas meus que pensam: "Que sorte que vocês têm porque andam aí durante tanto tempo atrás de uma história!". Sim, se me derem a escolher prefiro de longe o que estou a fazer... Assumo, aliás, que me encontro a viver o período profissional mais gratificante da minha carreira. Mas essa intensidade tem um preço muito alto e a maior parte das pessoas não consegue compreender isso. Tenho muita pena. Nós, grande repórteres, só descansamos quando a reportagem vai para o ar. Até lá é uma neverending story... [uma história sem fim].

Na sua opinião, um repórter de qualidade é...

Para mim, a missão do repórter/jornalista é ter a consciência de que tem de ajudar as pessoas a conseguir alguma coisa. Eu não consigo fazer histórias que vão ser indiferentes para as pessoas. Gosto de fazer uma história que sei que vai ajudá-las, esclarecê-las, iluminá-las. Uma história tem de ter uma intervenção direta porque se não for assim não vale a pena. Ajudar é inerente ao jornalismo. Por isso, um bom repórter é alguém que se envolve e que ouve todos os lados.

A que "regras de ouro" continua a manter-se fiel quando está a executar uma grande reportagem?

Não consigo fazer nada em que possa violar a minha consciência. É com base nesses valores que eu atuo. Se eu estiver a violar a minha consciência, estou a violar-me a mim próprio.

Um repórter tem os seus valores ou os valores do orgão de comunicação social que serve? O Pedro, por exemplo, veste a camisola SIC...

Acima de tudo, temos os nossos valores mas não me parece que o canal que estou a servir tenha valores diferentes dos meus. Sei que estou numa empresa comercial e, por isso, tudo o que faço quero que tenha audiências, mas não é audiências a qualquer preço.

Tem presente a preocupação de procurar histórias que captem a atenção de um maior número de espectadores?

Não é a principal, mas se eu não tivesse essa noção... Não estou a trabalhar na RTP2, estou na SIC, que é uma estação de televisão que tem aspiração a ser líder de audiências... Mas o que é mais interessante é nós conseguirmos, através da consciência jornalística que nos deve moldar, ter audiência. É um mito dizermos: "Esses temas tratados dessa forma não nos dão audiência nenhuma!" Nós já provámos na Grande Reportagem que conseguimos ter audiência com temas que não seriam de fácil adesão.

Está satisfeito com as audiências conquistadas pela GrandeReportagem?

Estou. Às vezes, temos períodos menos bons mas não tem que ver com os temas. Quando a SIC está mais pujante, nós também estamos e, quando a SIC está mais em baixo, nós também sofremos com isso.

Que crítica faz aos espaços informativos Linha da Frente, em exibição na RTP1, e Repórter TVI?

Os dois formatos são programas que cumprem a função para a qual estão destinados. A Grande Reportagem é uma marca muito forte na televisão portuguesa e, peço desculpa, mas acho que a Grande Reportagem da SIC é o mais completo. Eu não digo que seja o melhor e acho que a RTP e a TVI têm, por vezes, temáticas que quem me dera a mim poder tratá-las.

E isso não acontece porque... O que falha?

Eles conseguem ter determinados temas... Fico a olhar e dou por mim a pensar: "Gostava de ter sido eu a fazer aquela história". E já o disse a colegas meus da RTP e da TVI. Estou a lembrar-me, por exemplo, de um caso de um padre que fugiu da paróquia para se juntar com uma miúda... Esta foi uma história de adesão fácil, foi só preciso consegui-la. E eles, por vezes, têm maior mobilidade na forma como chegam mais rapidamente aos temas. Nós somos mais ambiciosos nas escolhas dos temas e, se calhar, perdemos coisas pelo caminho.

É essa a sua principal crítica à Grande Reportagem?

A crítica que faço é que na Grande Reportagem temos de ter um olhar mais aberto. Temos de ter um ângulo mais de 180 graus e não tanto centrado em determinados temas... Precisamos disso para ultrapassar esta que é a nossa maior fragilidade. Mas, a meu ver, tratamos melhor os temas do que a nossa concorrência direta.

Em que consiste esse tratamento jornalístico distintivo?

Tratamo-los com mais consciência jornalística e menos rendidos às audiências fáceis. Rendemo-nos menos ao facilitismo e isso é muito positivo. E, apesar de não nos rendermos ao facilitismo, conseguimos bons resultados.

A contenção de custos que está a atingir várias empresas nacionais e também as televisões, já atingiu a Grande Reportagem?

É natural. Nós nunca vivemos com muito dinheiro e sempre soubemos viver com muito pouco. Fazer uma reportagem custa muito dinheiro, ter uma pessoa agarrada a uma só história é caro. Mas cortámos muito, antes fazíamos mais histórias no estrangeiro e agora fazemos menos. E o estrangeiro tem realidades que eram importantes serem exploradas, mas temos de ficar pelas realidades nacionais. Mas todos os anos é possível fazer uma ou duas histórias no estrangeiro e isso é muito importante. Estamos mais limitados, é óbvio que estamos.

A crise económica está a enfraquecer a força do jornalismo?

Sim, mas no meu entender o enfraquecimento do jornalismo aconteceu nos anos de 1980 com a abertura das televisões à iniciativa privada, com a quantidade de rádios que surgiram. A concorrência acabou por ser um elemento altamente penalizador. E tudo se agravou com o aparecimento da internet - ainda que do meu ponto de vista seja uma grande mais-valia. Quando convencer a crise de sustentabilidade do jornalismo, acontecerá a sua reconquista. A internet pode ser o caminho para a reconquista do jornalismo. Ainda falta é descobrir a receita.

Um jornalista é um contador de histórias. Que casos pretende, em breve, dar a conhecer aos portugueses? Pode adiantar em que áreas está a trabalhar?

Estou agora a trabalhar numa investigação em televisão que é algo muito complexo porque é um meio que se presta pouco à investigação. A imprensa é o meio por excelência, há muita coisa que nós não conseguimos contar por imagens e a televisão sem imagens não vale nada. O meu desafio, no próximo trabalho, é tentar mostrar que é possível fazer investigação em televisão com algum grau de sucesso.

Ambiciona pôr os portugueses a pensar em alguns assuntos sociais em particular?

A temática da exclusão social é algo que me motiva permanentemente. A sociedade não integra aqueles que considera diferentes e eu acho que, a partir de agora, vamos viver tempos muito difíceis. Vamos, inevitavelmente e infelizmente, começar a rejeitar a diferença porque cada vez temos menos espaço. Acredito que vamos começar a rejeitar os imigrantes. Será um erro tremendo, mas já estamos a dar sinais de que assim vai ser. Se eu puder colaborar para que assim não seja, estarei na primeira linha desse combate.

Como olha para a atual situação do país?

Estou altamente preocupado como todos nós e quem não estiver é inconsciente. Só vejo gente à minha volta preocupada e isso perturba-me. Não vejo otimismo na minha classe profissional, nem nas pessoas que me são mais próximas. Ninguém sabe o que vai acontecer a seguir, deixar uma sociedade em suspenso é uma coisa que acho assustadora.

Sente-se confortável a reportar todas as matérias? Fazer reportagens sobre pedofilia, escravatura infantil, são temas que não lhe trazem desconforto?

Eu não sou justiceiro nem moralista. Tento não fazer juízos de valor de ninguém, até admito que haja personalidades doentes mas que precisam, sim, de ser tratadas. Não adianta apenas criticar... E se, um dia, eu for vítima desses problemas com um dos meus filhos? Quero que sejam tratados e integrados na sociedade. Sou capaz de tratar todos os temas à luz dos princípios jornalísticos e que são: andar o mais próximo possível da verdade; ter o cuidado de ouvir todos os lados; não fazer moralizações; não fazer juízos de valor nem moralizações sobre ninguém sem antes estudar, enquadrar os factos.

Um repórter deve ou não ser emotivo?

Eu sou uma pessoa emotiva, mas não devemos deixar que as emoções invadam o nosso trabalho. Se deixarmos que isso aconteça, a história sai pervertida. Não deixo de ser sensível por ser repórter.

"Falta-me estar numa situação-limite como fazer reportagem num cenário de guerra"

Ambiciona voltar a fazer reportagens no estrangeiro?

Sim, há alguns anos fiz cobertura de guerras. No início da minha carreira tive na antiga Jugoslávia numa situação de guerra e, desde aí, não voltei a estar. Falta-me estar numa situação-limite, como fazer reportagem num cenário de guerra e onde tenha permanentemente de me ultrapassar. Gosto muito de ultrapassar as minhas limitações.

Não tem medo de ir e não voltar?

O exercício da reportagem é o exercício do limite. O cenário de guerra presta-se mais à possibilidade de não voltar e, talvez, eu ainda não tenha ido novamente com receio de não voltar.

Já esteve entre a vida e a morte?

Lembro-me de estar a fazer uma reportagem e o helicóptero ia caindo e, ali, eu achei que o fim estava próximo. Numa outra vez, viajava num avião que a SIC alugou e que também ia caindo.

Ser jornalista/repórter é a sua maior ambição para o futuro?

A única coisa que sei é que, infelizmente, não estarei a trabalhar por mais 24 anos nesta profissão porque é de desgaste rápido. Tenho de começar a pensar que não pode ser para sempre devido ao ritmo que eu tenho. Há uma carreira complementar que pode ser construída por aí e o ensino é algo que me atrai. Acho, porém, que um professor para poder ensinar os seus alunos deve estar em contacto com a redação.

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