Esta tese, que rebatia «verdades» mais ou menos estabelecidas ao tempo, defendeu-a nos anos 70 o músico e investigador Pedro Caldeira Cabral num dos capítulos de um livro de Ernesto Veiga de Oliveira publicado pela Fundação Gulbenkian..Na altura, recordou à agência Lusa, "aquilo provocou algum incómodo junto de certos sectores que achavam que o assunto estava esgotado e estava resolvido"..Gerou, em contraste, prosseguiu, "um grande entusiasmo noutros sectores, mais ligados à etnomusicologia, ligada na época ao estudo da organologia popular e, portanto, mais ligada a uma investigação de campo, em que se acreditava naquela altura e que deu os seus frutos, sem dúvida nenhuma"..Contra a lógica da evolução dos conhecimentos na área, ainda hoje "autores com algum prestígio continuam a citar coisas que estavam erradas nos 60 e foram desmentidas nos anos 80"..Hoje, "alguns elementos" da sua tese - é o próprio a dizê-lo - são já "aceites e repetidos" mas "algumas pessoas, com importância sobretudo no meio académico, rejeitam-na"..Não a rejeitam, considera, "por razões científicas ou por falta de argumento, falta de peso científico dos argumentos, mas sim por outras razões, pessoais, etc."..São razões, explica, que se prendem com o facto de "ter tido sempre uma posição, digamos, de independência e de uma certa marginalidade em relação ao mundo académico, e isto é uma coisa afirmada de forma clara. Isso incomoda as pessoas"..Divergências e segregacionismos à parte, a pedagogia da guitarra portuguesa alterou-se nos últimos anos. "Profundamente", crê Caldeira Cabral..A guitarra "entrou" nas instituições oficiais de ensino, no ensino artístico, nos Conservatórios de Porto, Coimbra e Lisboa, começou a haver também um "enorme movimento no ensino privado, especializado, e há até, neste momento, uma licenciatura no Politécnico de Castelo Branco"..Mudou a atitude do ensino em relação ao instrumento e mudaram para melhor - nos conhecimentos teóricos e técnicos, na qualidade da execução - os guitarristas. É já passado o tempo do "tocar de orelha". .Caldeira Cabral tem agora alunos com formação académica noutras áreas, "biólogos, engenheiros, juristas, dois dos quais optaram pela carreira profissional de guitarristas e que estão a fazer um belíssimo trabalho". Bernardo Couto é um deles e Miguel Amaral o outro..Mas outros nomes avultam na paisagem da guitarra portuguesa. Desde logo, em Lisboa, Ricardo Rocha, "que é, não só um grande guitarrista solista, mas também um grande compositor, no sentido em que introduz uma nova ruptura" depois da que ele, Caldeira Cabral, operou nos anos 70..Todo este novo quadro - crê -"assegura futuro para a guitarra portuguesa, futuro que será necessariamente diferente do que foi para a minha geração".."De alguma maneira - diz ainda - é o meu legado muitas vezes directo, porque eles estão fundamentalmente interessados na divulgação do repertório original que eu criei, do repertório do Ricardo Rocha". .Daqui, destes novos guitarristas, desta nova atitude, deste novo interesse, acredita Caldeira Cabral que "sairá o futuro". Mas não deixa de alertar: a par de tudo isto, "continuará a haver o golpismo, o chico-espertismo, etc., tipos que aparecem a dizer que inventaram a roda...Aparecem todos os dias, quando ouvimos falar dos novos caminhos para a guitarra"..Tem ainda outra esperança: a de que, "num tempo mais ou menos breve", mais compositores portugueses se interessem pela guitarra portuguesa, mais compositores da nova geração comecem a aperceber-se das capacidades expressivas do instrumento e repudiem o medo de que este seja associado a um nacionalismo estreito. ."Receio - observa - que isto ainda não esteja a acontecer por esta razão".