Peçam desculpa a Rui Rio
Perante a pressão pública, é muito fácil ceder ao imediatismo. Difícil é antever e agir preventivamente. Foi isso que fez o presidente do PSD há três anos. Ainda não tinha aquecido a cadeira e logo nos primeiros meses à frente do partido, ainda em 2018, Rui Rio reuniu-se com todos os agentes do setor da Justiça com o objetivo de apresentar contributos para uma reforma profunda da mesma. Aliás, essas audições consubstanciaram-se num documento que o PSD chegou a tornar público, após se terem frustrado as hipóteses de consenso com os restantes partidos com assento parlamentar.
Não é de hoje, nem é desde o despacho de Ivo Rosa, que o PSD assumiu o combate à corrupção e à criminalidade conexa como uma prioridade.
Neste seguimento, importa distinguir a reforma da justiça do combate à corrupção. Alguém acredita que introduzir à pressão no ordenamento jurídico um novo tipo de crime vai resolver o problema do combate à corrupção? O caro leitor acredita mesmo que o único mal de que enferma a nossa justiça é não conseguir julgar Sócrates pelo crime de corrupção? Não, pois não?
- O facto de os advogados (particularmente os mais jovens) estarem absolutamente despidos de qualquer proteção social não nos deve preocupar?
- O facto de a justiça administrativa demorar décadas a produzir uma decisão, e tudo o que essa indefinição provoca na vida dos cidadãos e das instituições, não é motivo de apreensão?
- O valor elevadíssimo das custas judiciais é admissível, quando a justiça se quer de acesso universal? Faz sentido que as custas judiciais se afiram, exclusivamente, em função do valor da causa e não dos rendimentos de quem a paga?
- Não temos de rever a forma indigna como o Estado trata os advogados que, já agora, diga-se, a ele se substituem na defesa dos interesses dos cidadãos que não têm condições socioeconómicas para pagar o patrocínio? Sabia que, durante anos a fio, a tabela de honorários dos advogados oficiosos foi absolutamente intocada e que, no ano passado, o Estado decidiu aumentá-la em oito cêntimos? Risível, não é? E sabia que, paralelamente, os salários dos magistrados foram aumentados em centenas de euros?
- E o facto de a comunicação social saber primeiro que os próprios arguidos os factos pelos quais os mesmos estão a ser investigados? Não nos merece repulsa a forma como constantemente se viola o segredo de justiça e os direitos garantísticos que o direito penal e a constituição encerram, sem mais?
Podia continuar, mas não saíamos daqui. Tudo isto para lhe transmitir que sim, o sistema de justiça vocifera por uma reforma profunda e não por uma ou outra alteração legislativa ad hoc, em ordem a obedecer ao clamor popular. É que, quando falamos numa reforma legislativa, particularmente na justiça, há que ter a noção que a precipitação e o impulso podem ser os piores inimigos dos cidadãos. Concretizar a paz social de forma reativa pode pagar-se muito caro à frente.
Mas voltemos à parte em que a justiça poderá não conseguirá julgar Sócrates pelo crime de corrupção. Isto, claro, se a Relação não der provimento ao recurso do Ministério Público.
Pense comigo.
Naquela fatídica sexta-feira, em que o país assistiu perplexo a um juiz que afirmava que um ex-primeiro-ministro é corrupto, mas que não o podia pronunciar por esse crime, o que é que verdadeiramente nos revoltou? Para além da vergonha que é saber-se que se deu uma maioria absoluta a um primeiro-ministro comprovadamente corrupto, o que é que gerou tanta indignação? Não foi a prescrição? Claro que sim!
Há duas semanas, a propósito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção anunciada pelo governo, demonstrei neste fórum a minha preocupação com a falta de meios, tanto materiais como humanos, de que padecem os magistrados e as polícias nacionais. Uma investigação munida de meios tão sofisticados quanto a própria prática do crime, diminui substancialmente a possibilidade de o procedimento criminal prescrever. Por isso, não devemos fechar a porta à possibilidade de aumentar os prazos prescricionais enquanto a investigação deste tipo de crimes for tão lenta. Embora saiba, como jurista que sou, que a resposta estará sempre do lado do aumento da capacidade e investimento na justiça e não da diminuição das garantias penais.
Mas há outras questões que não devemos ignorar. Saiba que a prescrição do procedimento criminal não corre indefinidamente. Ela pode ser interrompida. Nomeadamente, pela notificação da acusação ao arguido.
Porque demorou tanto tempo o Ministério Público a acusar José Sócrates, quando os media já sabiam dos factos que indiciavam o ex-primeiro-ministro?
Veja-se: a acusação do Ministério Público foi elaborada por sete procuradores, é composta por 11 volumes, 14 084 segmentos de factos e 189 crimes. Destes, só 31 estão atribuídos a José Sócrates. Entre a data de detenção e a acusação mediaram quase três anos.
E se o Ministério Público não tivesse cedido à tentação mediática de criar um megaprocesso e os tivesse tratado, dentro do possível, de forma individual? Estaríamos hoje a clamar por justiça?
A pergunta é retórica.
Deputada do PSD