PCP desafia governo a mostrar que é de esquerda
O PCP avança hoje para mais um round com o PS em matéria de legislação laboral, e dado o expectável chumbo dos socialistas, o debate promete cavar mais um fosso entre os dois partidos. Ou, nas palavras da deputada comunista Rita Rato, deixará à evidência "um governo minoritário do PS que, nas suas opções de classe, se encosta ao PSD e ao CDS".
Nos últimos dias o PCP tem, aliás, subido o tom das críticas aos socialistas. Ontem, o secretário-geral do partido, Jerónimo de Sousa, foi claro no desafio: "O PS afirma-se como força de esquerda. Ao longo da história a legislação laboral é uma zona de fronteira entre esquerda e direita. A nossa iniciativa não permite que alguém fique em cima do muro." Numa altura em que socialistas e sociais-democratas ensaiam uma aproximação, o líder comunista diz que é tempo de clarificar trincheiras - "Não é tempo de lavar a mão como Pilatos. Tem de haver responsabilização, opção de um lado ou de outro, para clarificar e tirar daí as consequências políticas."
A debate e a votação vão estar hoje onze propostas, quatro do PCP, que avançou com um agendamento potestativo (de marcação obrigatória). De acordo com fonte da bancada parlamentar socialista, os projetos em cima da mesa não terão a aprovação do PS. E nem mesmo o cenário de uma baixa sem votação (um mecanismo que é por vezes usado para evitar chumbos, permitindo uma tentativa de acordo no trabalho em comissão) parece estar em cima da mesa. "Queremos que as propostas sejam votadas", diz a deputada comunista Rita Rato, que só admite um cenário contrário com uma manifestação de disponibilidade do PS para trabalhar as medidas - o que até ontem não sucedeu. Ao expectável chumbo do PS responde que só há uma resposta: "A luta dos trabalhadores."
Para a deputada comunista o que hoje se discute no Parlamento são "matérias essenciais, estruturais da legislação laboral". É o caso da caducidade da contratação coletiva e do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, que o PCP quer repor. Não é a primeira vez que estas matérias vão a votos. Já no ano passado, PCP e BE avançaram com projetos nesse sentido, que acabaram chumbados pelo voto conjunto de PS, PSD e CDS. O ministro do Trabalho, José Vieira da Silva, já deixou claro que estas medidas não estão nos planos do governo. "Não somos a favor da reversão do princípio da caducidade", afirmou o ministro, perante idêntica proposta dos comunistas, em 2017. O mesmo é válido para a reposição do princípio do tratamento mais favorável: "Já há um equilíbrio no Código do Trabalho que me parece aceitável."
Além destas propostas, o PCP quer também ver revertidos os mecanismos de adaptabilidade individual e do banco de horas, quer para a administração pública quer para o setor privado, e nas três modalidades previstas na lei (individual, grupal e por regulamentação coletiva) - outra proposta que esbarra na oposição dos socialistas, que defendem apenas o fim do banco de horas individual, por acordo entre o trabalhador e o empregador. Uma proposta que está, aliás, inscrita no programa de governo, que estipula que o banco de horas deve ser remetido "para a esfera da negociação coletiva ou para acordos de grupo".
Além das propostas do PCP, o Parlamento discute cinco propostas do Bloco de Esquerda, com objetivos muito semelhantes (contratação coletiva, tratamento mais favorável, revogação do banco de horas e da adaptabilidade individual). Tal como o PCP, o Bloco tem feito das questões laborais um cavalo de batalha. E garante que não vai ficar por aqui. "Isto não acaba com este debate. Não vamos desistir", diz o deputado bloquista José Soeiro.
Em discussão vai estar também uma proposta do PAN que institui as 35 horas como limite do período normal de trabalho no setor privado, e um projeto de resolução do CDS que recomenda ao governo que promova um levantamento do número de trabalhadores abrangidos pelos instrumentos de flexibilidade de horário de trabalho.