Paulo Ribeiro: "A companhia tem de ser mesmo incontornável"
Na terça-feira ter-se-á contado um ano desde que o coreógrafo Paulo Ribeiro deixou o Teatro Viriato e a Companhia Paulo Ribeiro, em Viseu, e voltou a Lisboa para dirigir a Companhia Nacional de Bailado (CNB). Encontramo-lo nos estúdios Victor Córdon, na rua lisboeta com o mesmo nome, espaço da CNB com uma programação própria onde, enquanto falamos, decorre uma aula de dança contemporânea.
Lembra-se do primeiro dia na CNB como diretor artístico?
Foi uma segunda-feira. Foi tudo muito rápido. Fui convidado numa quinta. Confesso que não me lembro muito bem. Tenho impressão de que o que aconteceu foi chegar, apresentar a equipa, falar aos bailarinos rapidamente.
Que já conhecia...
A maior parte já conhecia, sim. Fiz quatro peças para a CNB antes a dirigir. Depois foi uma espécie de avalanche de acontecimentos e de coisas. Porque a companhia teve um ano de uma atividade louca. Normalmente nós somos convidados, mas temos um ano pela frente para ir preparando a programação para o ano seguinte, e continuamos com a responsabilidade que tínhamos. Neste caso, estaria no Teatro Viriato mas já a pensar na CNB, e a acompanhar de forma paralela. Estas transições são importantes. Também é possível desta forma, mas o desgaste é muito maior.
Como é a sua presença quotidiana na companhia? Por onde anda?
Este ano é atípico. Gostava de estar mais presente no quotidiano dos bailarinos. Mas depois de estrear a peça [Walking with Kylián. Never Stop Searching, a 17 deste mês, no Teatro Viriato, pela Companhia Paulo Ribeiro], fica resolvida a questão.
Nas audições de abril entraram novos bailarinos?
Entraram três estagiárias, e um israelita e três portugueses, que trabalhavam fora, de altíssima qualidade.
Entraram porque a companhia precisava?
Eu não consigo contratar ninguém se não for preciso. Aliás, tive de fazer alguma ginástica, e infelizmente até tive de não renovar o contrato de algumas pessoas, que já estavam na companhia, para poder ter estes intérpretes. A companhia não pode ter pessoas a mais.
Na nota que escreve para a programação desta temporada diz que o ano de 2018 é exigente também no que diz respeito "a criações para as diversas idades dos bailarinos". Atualmente a idade para a reforma sem penalizações de um bailarino é de 55 anos. É tarde?
Eu considero tarde. Acho que temos de separar, se estamos a falar de bailarinos clássicos ou de bailarinos contemporâneos. A contemporaneidade permite uma longevidade maior, porque toma em consideração o bailarino que se tem a frente, a pessoa não tem que fazer algo que lhe seja contranatura. Mas, mesmo assim, para a maior parte das pessoas que dançam desde sempre e que têm imensas lesões no corpo é tarde. Eu tenho sorte, tenho quase 60, e não tenho nenhuma mazela, consigo ir para palco e fazer alguma coisa contemporânea, mas também nunca fui um bailarino clássico. O clássico é tão exigente que destrói os corpos mais rapidamente. Hoje em dia há [na CNB] bailarinos que já não dançavam há imenso tempo e que estão a trabalhar com a Aldara Bizarro, há bailarinos que já não dançavam há 15 anos. Uns vinham fazer a aula de manhã, mas outros nem isso.
Na direção anterior a partir dos 45 estavam dispensados de fazer aula.
Eu não dispenso. Voltaram a fazer aula, agora estão neste projeto. A companhia é um todo, e eu não consigo conceber que estas pessoas, fazendo parte da companhia, não estejam na companhia.
Na CNB, em 73 bailarinos, 26 têm mais de 40 anos.
Há pessoas com 40 anos a dançar maravilhosamente bem, bailarinas com 40 anos que estão muito bem a fazer pontas. 37, 38 anos é quando se está na plenitude das capacidades, em que o corpo ainda é um corpo potente, e há também a maturidade.
Como coreógrafo interessa-lhe essa maturidade?
Completamente. A primeira peça que eu fiz para a CNB foi Du Don de Soi e eu utilizei as várias gerações da companhia, pessoas que normalmente não dançavam em peças contemporâneas.
Como se dá resposta ao grupo heterogéneo que é a CNB?
Esta companhia é uma, mas são várias. Tem de ser incontornável no sentido em que não aparece só com um tipo de trabalho, mas com várias possibilidades: peças mais contemporâneas, mais experimentais, mais institucionais, sempre servidas por excelentes bailarinos. Esta abertura tem de acontecer, por isso começámos a fazer parcerias com teatros de Lisboa. E a nível do país também quero fomentá-lo, porque esta companhia tem de ser mesmo incontornável. É uma forma de valorizar também estes intérpretes que são fantásticos e que muitas vezes ficam um bocadinho esquecidos.
[citacao:A última diva da companhia foi a Ana Lacerda]
Algo que não acontecia, por exemplo, com o Ballet Gulbenkian [BG], que dirigiu.
O BG tinha os seus intérpretes como pessoas com quem nós nos identificávamos, que acarinhávamos, e tínhamos orgulho neles. A Graça Barroso, por exemplo. De certa forma havia um glamour muito grande à volta do BG por causa dos seus intérpretes. Acho que a CNB também merece esse tipo de aproximação. A última diva da companhia foi a Ana Lacerda. Depois há a questão do serviço público. Temos um espaço como este na Victor Córdon [os estúdios da CNB com o mesmo nome]. Temos aulas abertas à comunidade, a três euros. Esta tem imensa gente [contemporânea, que decorria na altura em que falávamos], a de clássico ainda mais. O nível é interessantíssimo.
Tem aulas para profissionais e amadores...
Temos residências para as companhias independentes e em troca damos estas aulas. É uma coisa que eu quero instituir: as companhias que estão em residência dão o seu know how, lecionam duas vezes por semana para a comunidade. Há um projeto também com as escolas, que se chama Território, em que vamos buscar os melhores alunos de várias escolas de dança do país, nas férias escolares pomo-los a trabalhar com um coreógrafo reconhecido, e eles montam um espetáculo para apresentar nas férias de verão.
Em 2018 vão receber a companhia Raiz di Polon, de Cabo Verde, país com que têm vindo a colaborar, a alemã Sasha Waltz, por exemplo vai montar Impromptus para a CNB... Além disto, por onde passará a internacionalização?
É levar a companhia a circular por essa Europa fora, ter os programadores internacionais e os festivais a interessarem-se pela companhia. Mas isso só é possível quando tivermos um reportório de coreógrafos portugueses. Por exemplo, agora a Tânia [Carvalho], que vai abrir o ano em janeiro, tem três peças - duas remontagens e uma criação - e já tem a programadora do Thêátre de la Ville, de Paris interessadíssima. Eu sou coproduzido, quando estrear para o ano com a companhia, pelo [também parisiense Thêátre de] Chaillot. É esta internacionalização que eu quero que seja possível.
Vai tendo tempo para olhar para os bailarinos com o olhar interessado de um coreógrafo?
Sim. Muitas vezes vou para o estúdio. Isso é o que eu mais gosto de fazer, mas tenho pouco tempo: ver a aula, ver a forma como eles estão nos ensaios... Como já os conheço, é fácil este olhar. E os novos, que chegaram, dei-lhes a audição, de três dias. Mas ainda há muito a descobrir, claro.
[citacao:800 mil euros é uma verba limite.]
Atualmente o orçamento anual é de um milhão?
Quem me dera. Baixou, o que é péssimo. Eu contava com um valor desses, um milhão, um milhão e 200 mil euros, mas temos 800 mil. Da fundação EDP [mecenas] passou de 400 mil para 375 mil. Não sei o que é que baixou, porque fala-se em receitas próprias que tenho de criar, da tranche da OPArt, que é do ministério... Sei que o bolo baixou bastante. É uma verba limite. Quando se pensa que não se consegue remontar um clássico, ou fazer um, como se fez com Fernando Duarte O Lago dos Cisnes [que regressa a 8 de dezembro] ou La Bayadère, são precisos cerca de 200 mil euros...
[citacao:Esta tournée foi fantástica, mas em termos financeiros foi um desastre]
O número de espectadores aumentou, provavelmente devido à digressão nacional. Isso fará diferença na receita?
Aumentou, mas não tem um reflexo direto, porque a companhia ofereceu os espetáculos, foram cedidos às cidades. Mas não faz sentido, não pode ser assim. Os espetáculos têm de ser vendidos, ou pelo menos tem de haver parte da receita de bilheteira. Se uma companhia independente vende as suas peças, a CNB também deve vender as suas. Nós temos de ter meios de produção, receitas próprias. A maior parte dos espetáculos tem um número de convites elevadíssimo, vamos ter de cortar nos convites. A companhia precisa de receitas próprias. Se sai e vai em digressão, precisa, ou que os teatros paguem um cachet, ou que a bilheteira seja dividida, precisa de fundos, e precisa de mais mecenas, de mais ajuda. A companhia tem de ter um orçamento maior, seja por que forma for. Esta tournée foi belíssima, fantástica, teve uma resposta enorme por parte do público, e dos teatros, pôs a companhia nacional outra vez na boca do mundo, do país, mas em termos financeiros foi um desastre.