Paulo Rangel: nos bastidores da vitória

<p>As eleições europeias revelaram uma nova estrela ascendente na política portuguesa. A NS’ acompanhou a campanha vitoriosa e mostra como é nos bastidores este professor de Direito de 41 anos, solteiro e sem filhos, que gosta de <em>heavy metal</em> e confessa que o apetite voraz é o seu «calcanhar de Aquiles».</p> <p> </p>
Publicado a
Atualizado a

ENTRE os despojos de mais um comício do PSD, em Viseu,  restaram várias folhas, umas grandes, outras pequenas. Em todas elas pequenos prédios alinhados e castelos, muitos castelos. Paulo Rangel gosta de os desenhar entre discursos. No passado domingo conquistou a primeira fortificação, as eleições europeias, ao PS de José Sócrates.

E na hora de cantar vitória deu a entender que Bruxelas é apenas um ponto de passagem para outra margem da política nacional. «Estar só num tabuleiro cansa-me!», confessa. E até já pensa em ter um carro pronto na capital belga para fazer a rodagem até Portugal sempre que lhe apetecer.

Tudo na vida de Rangel, mesmo esta ascensão meteórica no PSD, aconteceu de imprevisto. «Nunca programei nada», garante à boa maneira dos audazes. Bem, talvez não tenha programado o convite que, em 2004, José Pedro Aguiar-Branco, então ministro da Justiça, lhe fez para entrar no governo de Santana Lopes, no que se seguiu para deputado e muito menos o de Manuela Ferreira Leite, em 2008, para líder parlamentar da bancada laranja ou, mais tarde, para cabeça de lista ao Parlamento Europeu. Mas o «escritório» montado no BMW que o levou a  percorrer milhares de quilómetros, de norte a sul, do litoral ao interior, prova que, se calhar, nada acontece por acaso.

No carro, os jornais, os que lê todos os dias, espalhados ao acaso. Dossiers empilhados no banco traseiro. E dois Blackberry, que tocam incansavelmente, em cada bolso – «uma extensão de mim próprio», diz –, ligam-no ao mundo exterior e ao descontentamento dos portugueses.

Uma autêntica esponja. Rangel, 41 anos, signo Aquário, absorve os pormenores das conversas. Quando fala já os incorporou no discurso. E quem o ouve revê-se, como é óbvio, no que diz. Fala tão bem de olivicultura aos agricultores algarvios como de gramática aos professores em Braga. «Não é por acaso que foi sempre o melhor aluno da sua turma desde a primeira classe», frisa o amigo Rodrigo Adão da Fonseca, bloguer do Insurgente e um dos seus primeiros alunos na Universidade Católica do Porto.

PAULO ARTUR dos Santos Castro de Campos Rangel, de nome completo, é o mais novo de três filhos de um casal de católicos abastados de Vila Nova de Gaia, que chegaram a acreditar na primavera marcelista. «A minha mãe era doméstica e o meu pai trabalhava na Tranquilidade, mas... era proprietário.» De uma quinta e do Palácio da Bandeira, herdados do avô e que por um triz não foram ocupados no quente ano de 1975. Avisado por um amigo da UDP de que o partido ali queria instalar uma creche, o pai chamou Magalhães Mota e arrendou-lhe o palacete. Ali nasceu a primeira sede do então PPD em Gaia. Já a família se tinha rendido aos encantos de Francisco Sá Carneiro.

«Nasci num verdadeiro caldo de política, aos 6 anos já me interessava por este tema, que fazia parte das conversas da família todos os dias.»  Idade em que entra no Colégio de Nossa Senhora da Bonança, no centro de Gaia. Faz o secundário no Colégio dos Carvalhos, instituição dos Missionários Claretianos. «Era muito rigoroso, quase tropa, mas o ensino de uma enorme qualidade», recorda Rangel, aluno externo que ali fez amizades para a vida. «Uma certa tensão opressiva acaba por criar cumplicidades fortes.»

Teve professores de «grande categoria» e lembra-se em especial de um que o levou a fazer teatro, retrato fiel do professor Keating, encarnado por Robin Williams no filme O Clube dos Poetas Mortos. Tão marcante que lhe dedicou o seu último livro, O Estado do Estado, lançado a poucos dias do arranque da campanha para as europeias.

RANGEL sempre quis ser professor. Desejo que o empurrou para o curso de Direito da Universidade Católica do Porto. Na faculdade, que acabou com média de 17, «eclipsou por completo» a actividade política. Já na altura se apercebia de que as máquinas partidárias contrariavam a sua fibra, o desejo de independência.

O líder parlamentar do CDS, Diogo Feio, seu colega de faculdade, embora mais novo, lembra-se das tertúlias em que participavam e do seu sentido de humor. «Fazia rábulas e imitações fantásticas dos professores. Sobretudo do de Teoria Geral, o professor Horster.» Ainda hoje Rangel e Feio são amigos. E mesmo o combate eleitoral – Diogo Feio era o número dois da lista do CDS ao Parlamento Europeu – não impediu a troca de telefonemas em plena campanha. O teor das conversas nenhum quis revelar.

A campanha das europeias, precisamente, nela voltou a ter palco e a dar lastro ao sentido de humor. Foi gozado entre os «inimigos» socialistas por ter confessado em pleno comício, já na recta final da corrida, que acordava a cantarolar o lema dos jotinhas que acompanharam: «Ninguém pára o Rangel, ninguém pára o Rangel, olé oh, olé oh.» No passado domingo, quem riu por último foi ele. E rir foi o que mais fez nos doze dias de estrada. Até de si próprio, dos ataques de espirros em frente às câmaras de televisão provocados por uma traiçoeira alergia.

ANTES do salto para a política pura e dura, o sonho concretizou-se, fez-se professor na Católica em 1991. Dois anos depois, Lucas Pires convida-o para assistente. Rangel torna-se discípulo e amigo até à morte, em 1998, daquele que foi um dos europeístas mais convictos. Ainda em 91 inicia o estágio na maior sociedade de advogados do Porto e aí desenvolve laços muito fortes com Osório de Castro e António Lobo Xavier.  Neste período há uma certa nebulosa sobre a sua filiação no CDS pela mão de Lobo Xavier. Certeza tem de que integrou o Conselho Consultivo do partido em 1998, a convite de Paulo Portas.

«Quando percebi que a nova Aliança Democrática entre Portas e Marcelo Rebelo de Sousa tinha rompido, escrevi ao líder centrista a dizer que saía do Conselho. Sou  mesmo pela AD, sou daqueles que entendem que o diálogo entre os dois partidos deve ser aprofundado», diz  Paulo Rangel. Admite que as personalidades dos líderes são muitas vezes o entrave à aproximação.

Em 2001, a política entra pela porta grande da sua vida. Escreve um livro sobre o poder judicial que agita águas. É o responsável pela elaboração do programa de Rui Rio à Câmara do Porto, responsabilidade que repete em 2005. Faz ainda parte da Comissão Política da candidatura à Presidência da República de Cavaco Silva. Escreve nos jornais, fala na rádio e aparece na televisão.

E a restante trajectória é mais conhecida desde que foi convidado por José Pedro Aguiar-Branco, também ele do Porto, e que mal o conhecia, para secretário de Estado adjunto e da Justiça. Diogo Feio avisa, sem «conotação negativa»: «Ele é ambicioso! E quer ter um papel marcante na política nacional, o que é perfeitamente legítimo.»

NO PARLAMENTO, os seus pares apreciam a retórica e os embates com José Sócrates. Mas traçam-lhe o perfil de «individualista» e de «muito desorganizado». O próprio José Pedro Aguiar-Branco, o obreiro da sua entrada fulgurante na política, admite que «os cargos executivos não são o seu forte», ao invés dos que implicam a «dimensão da palavra». Ele é, diz, «um parlamentar nato» e o «paradigma de uma pessoa com 41 anos, solteiro e sem filhos». Muda de agulha e de agenda num piscar de olhos, sem olhar a quem dói.

Paulo Rangel reconhece primeiro a virtude da «convicção» e depois o defeito: «Vivo muito focado no meu mundo e tenho desatenção em relação às pequenas coisas, às cortesias da política, o que muitas vezes é tomado como desconsideração pelos outros.» Afinal, vive sozinho na Foz do Porto e tem casa alugada em Lisboa.

Uma empregada e um cão de raça labrador, o Monty, diminuto bem-humorado de Montesquieu, são companhias permanentes. As outras são volantes. «A casa dele tem sido um desassossego nos últimos quinze anos. Tem sido um centro de passagem de amigos, alunos e ex-alunos que com ele foram mantendo uma relação privilegiada», afirma Rodrigo Adão da Fonseca. Tudo fruto de um gosto viciante pela «conversa inteligente».

Para estes amigos gosta de cozinhar, o que o relaxa. De comer nem se fala. «Esse é um problema muito rangeliano!» – brinca com o seu apetite voraz, bem patente nos almoços e jantaradas das europeias. Ainda por cima é guloso. «É o meu calcanhar de Aquiles.» Ainda que seja perito a perder uns módicos 20 a 25 quilos quando se empenha na causa.

DE VEZ em quando vai ao ginásio e no iPod ouve música  da pesada, Megadeth e Linking Park. No seu currículo faz questão de demostrar o quanto eclécticos são os seus gostos musicais. Vão do heavy metal dos Van Allen, passando pelos Guns and Roses, pelos Queen e U2, até ao mais português dos fados de Amália. Vê televisão de «forma estupidificante». Aprecia o cinema e as artes plásticas. «Nestes campos, tenho a liberdade que a ignorância permite.»

Lê frequentemente Os Lusíadas, gosta de Fernando Pessoa e é «indefectível» de Agustina Bessa-Luís. É leitor de Herberto Helder e «apaixonado» pela simplicidade de Sophia de Melo Breyner. A erudição não o impede de apreciar a banda desenhada, sobretudo Astérix, Tintim e Michel Vaillant.

Rejeita o rótulo de «conservador» por ser contra o aborto e a eutanásia. Afinal, defende a ordenação das mulheres, não considera importante o celibato dos padres e admite um modelo de registo para as uniões homossexuais. E o título de «liberal» também lhe cai mal porque entende que a iniciativa privada tem um papel fundamental na economia, mas também quer um Estado interventivo. Prefere dizer que é cristão de cultura católica, que se revê na figura de Jesus Cristo.

E medos? «De ser assaltado», diz Rangel que, em 2001, teve uma faca apontada ao pescoço durante 45 minutos, quando saía do seu carro. Na infância era só de aranhas, agora também é de perder um ente querido, alguém da família. «Ai, disso tenho muito medo!» Tem ainda o receio de falhar. Quando assumiu a liderança parlamentar ainda esteve uns dias sem dormir. Tal qual como quando entrou para a primeira classe.

Fascínio por João Paulo II

São muitas as personalidades a nível internacional que Paulo Rangel admira. Entre elas Konrad Adenauer, o primeiro chanceler da Alemanha Ocidental do pós-Segunda Guerra Mundial; o primeiro-ministro britânico Winston Churchill; o presidente do primeiro governo espanhol após a queda do franquismo, Adolfo Suárez; a conservadora primeira-ministra britânica Margaret Thatcher; o actor/presidente americano Ronald Reagan; e mais recentemente os ex-líderes dos governos britânico e espanhol, Tony Blair e José María Aznar.

«Mas a personagem que me causa maior fascínio é a de Karol Jósef Wojtyla», afirma o ainda líder parlamentar do PSD. O papa João Paulo II teve, na sua opinião, «uma estatura política e humana muito acima do que conhecemos no nosso tempo». Uma personagem desconcertante. «Ele foi o maior adversário do comunismo e o maior adversário do capitalismo selvagem.» Rangel lembra que o anterior papa teorizou sobre a Europa, do Atlântico aos Urais, e considera que após a crise financeira e energética o seu pensamento é a «chave» para compreender o futuro.

O sonho de fazer Porto-Moscovo de carro

Rangel gosta de conduzir e conhece a Europa quase como as palmas das suas mãos. Ainda no Verão passado percorreu a Eslovénia e a Áustria ao volante do seu Mercedes. Hábito que lhe ficou das viagens que fazia com os pais pela Europa inteira. Ainda jovem, nas férias de 1985, aventurou-se com mais cinco amigos no seu primeiro inter-rail, para participar na Áustria numa conferência jovem da UNESCO.  Dois anos depois foi a vez de rumar sozinho à Alemanha do mesmo modo.

Já conhece bem, depois de ter vivido várias épocas noutros países, a Itália, Bélgica, Holanda, França, Espanha, Noruega, Suécia, Eslovénia e Eslováquia. E destes países todos elege as duas cidades favoritas: Florença e Amesterdão, onde se sente em casa. Tem um projecto traçado agora que está de partida para Bruxelas, o de fazer Porto-Moscovo de carro.

A «estreia mundial»

Primeira aula na Universidade Católica do Porto, em 1991. Paulo Rangel começa a aula a dizer aos alunos que são uns «privilegiados» porque assistem à sua  «estreia mundial». Tinha 24 anos, já um grande sentido de humor e alguma vaidade. O bloguer do Insurgente Rodrigo Adão da Fonseca estava nessa primeira aula e recorda a «personalidade forte» do professor que se fez seu amigo.

«Muito rigoroso» e «implacável nas notas» são a sua imagem de marca na relação com os alunos. Temido nos exames? Também o é. Ainda assim, Mariana Macedo, uma ex-aluna da JSD que o acompanhou na campanha das europeias, considera que «ele exige aos alunos o que exige de si». Mariana fala de um bom relacionamento com o professor Rangel, sempre pautado pelo respeito. «Tem um humor fantástico, mas também sabe ser muito institucional.»

Apneia do sono

Paulo Rangel padece de um problema grave de apneia obstrutiva do sono, que o obriga a dormir com uma máscara e que o podia ter levado à morte antes de ter sido detectado. Desvenda a doença por dois motivos.

O primeiro porque quer mostrar a centenas de pessoas com a mesma maleita que há solução para o problema. E em segundo para justificar publicamente duas ausências prolongadas do Parlamento, período em que se submeteu a exames e a um rigoroso programa de emagrecimento.

Na altura insinuaram que nesses dois períodos de suspensão de mandato se teria dedicado a outros negócios e que só teria regressado a São Bento em cima das férias parlamentares para receber o respectivo subsídio. «Isso é um perfeito disparate!»

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt