Paulo Núncio: "Não tive conhecimento da situação descrita"
Paulo Núncio, que liderou a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais entre 2011 e o final de 2015, diz desconhecer casos de não tratamento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) relativos a transferências de dinheiro para offshores, mas afirma que a divulgação de estatísticas nada tem que ver com o tratamento e a utilização efetiva da informação que o fisco recebe.
"Não tive conhecimento da situação descrita relativamente ao não tratamento de parte das declarações dos bancos pela AT", referiu ao DN/Dinheiro Vivo o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, afirmando concordar que, "caso tenha havido parte da informação fornecida pelos bancos à AT que não foi devidamente analisada, a Inspeção-Geral de Finanças apure o porquê de tal facto". Paulo Núncio é um dos nomes da lista que o PCP quer chamar ao Parlamento.
Em causa está um volume de cerca de 10 mil milhões de euros de transferências realizadas por empresas e particulares entre 2011 e 2014 que não foram filtradas e analisadas pela AT para verificar se os impostos foram ou não devidamente pagos por quem movimentou este dinheiro. Aquele valor foi detetado entre o final de 2015 e o início de 2016, quando a AT retomou o processo de análise e de divulgação estatística dos dados sobre transferências de dinheiro para regimes fiscais mais favoráveis. Foi nessa altura que se verificou a existência de duas dezenas de movimentações que, apesar de terem sido comunicadas pelos bancos ao fisco, não foram tratadas nem reportadas nas estatísticas que são publicadas pela AT. Este processo de divulgação foi criado em 2010, mas esteve interrompido vários anos, tendo sido retomado em abril de 2016. Uma análise mais aprofundada dos dados revelou a referida diferença (ver infografia).
Ainda que considere a publicação das estatísticas uma questão relevante, Paulo Núncio, em reação à notícia do Público, ressalva que a divulgação de dados "nada tem a ver com o tratamento e a utilização efetiva da informação sobre transferências para paraísos fiscais por parte da AT". Neste contexto, Núncio lembra que o relatório de combate à fraude e evasão fiscais de 2015 revela que a AT realizou 377 inspeções a transferências de dinheiro para offshores, das quais resultou o apuramento de 3,6 milhões de euros de matéria coletável e o pagamento de um milhão de euros de impostos em falta. Em 2015 chamaram também a atenção do fisco as comissões de intermediação faturadas por sociedades sediadas em offshores, que envolviam transações de imóveis no âmbito dos vistos gold.
Os dados agora publicados já incluem 2015 e mostram que nesse ano as movimentações de dinheiro para paraísos fiscais tiveram uma forte subida - mais do que duplicando face a 2014 - invertendo a queda que se vinha a verificar. Este reforço pode estar relacionado com o facto de, a partir deste ano, os bancos de vários países estarem obrigados a reportar os saldos das contas dos não residentes apurados a 31 de dezembro de 2015. O número de países aderentes a esta troca de informação é extenso (ultrapassa os 50), mas há quem não tenha aderido, pelo menos para entrar nesta primeira fase. O facto de a Suíça ter firmado um acordo de troca de informação com Portugal pode ter potenciado aquelas movimentações.