"Paulo Nozolino é dos artistas europeus que mais me interessa". E o único português na PhotoEspaña 2017

A declaração é do fotógrafo espanhol Alberto García-Alix, a quem foi dada carta branca para escolher seis artistas na 20ª edição do festival de fotografia. O português é um deles.
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A meia luz, na Sala Goya, no Círculo de Bellas Artes, abre hoje ao público Loaded Shine do português Paulo Nozolino, eleição direta de outro fotógrafo, o espanhol Alberto García-Alix, a quem a direção do festival de fotografia PhotoEspaña deu carta branca para pensar um conjunto de exposições. São seis espalhadas por espaços culturais centrais de Madrid e a visita à imprensa começa, precisamente, aqui, com um elogio. "Paulo Nozolino é dos artistas europeus que mais me interessa", disse, breve, salientando antes a beleza da mostra. "Fizemos uma exposição muito bonita para lhe dar espiritualidade".

Também pouco interessado em discursos, o português começou exatamente por aí. "É muito difícil falar das minhas fotos, porque faço fotos para não ter de falar". "O mundo em que vivemos agora é um mundo em que nenhuma palavra é honrada, íntegra. As palavras são muito controversas, só confio em imagens não manipuladas. Só confio numa palavra: não. A única que o poder não pode manipular. Há uma atmosfera pesada sobre as nossas cabeças, temos flashes de felicidade, de consciência", resumiu. O demais deixou para as suas fotografias, um jogo de preto e branco, 20 no total. Verticais. Uma linha.

A série Loaded Shine ("brilho carregado, se quiser, mas não tem tradução", segundo o autor), foi realizada entre 2008 e 2013 , e nasceu aleatoriamente, diz o fotógrafo português. "Nunca penso se as minhas fotografias fazem sentido [entre si]", afirma.

Esta paisagem cabia dentro do título, mais amplo, dado por García-Alix à sua seleção: A Exaltação do Ser - Um Olhar Heterodoxo, diz o artista espanhol, também económico nas explicações, a caminho da exposição do francês Pierre Molinier (1900-1976), outra das suas escolhas.

Os corpos nus de Molinier e Antoine d" Agata

Uma sala pintada de beringela e iluminação suave enquadram as imagens, de pequena dimensão, expostas a baixa altura, com cadeiras para que o espectador "se converta em voyeur", explica García-Alix. "Queremos que a participação seja parte da exposição", acrescenta. O subtítulo da mostra, Foi um homem sem moralidade, a partir do epitáfio de Molinier, antecipa as imagens. Corpos nus, poses eróticas, transexualidade, em quase todas as 40 imagens, a maioria dos anos 60, que aqui se podem ver. "Noventa por centro vieram dos arquivos da galeria Kamel Mennour, em Paris", conta o artista-curador. Molinier, também pintor, era amigo de André Breton, uma das pessoas que presenteou com estas fotografias. Apesar de ter mostrado o seu trabalho, é pouco conhecido do grande público.

Os nus e encenação sexual levantam a pergunta: onde se traça a linha entre arte e pornografia? "Os artistas devem fazer o que querem quando querem. O festival ofereceu essa liberdade", responde Maria García Yelo, diretora da PhotoEspaña 2017 (PHE17). "Nós só avisamos os espectadores sobre o que vão ver, não alimentamos preconceitos", refere.

A carta branca a Alberto García-Alix, 61 anos, prémio nacional de fotografia em Espanha em 1999 e um 'produto' da movida madrileña, levou-o até às margens. "Todos os movimentos selecionados movem-se nesse terreno do sublime, um terreno onde a dor e o prazer se tocam, onde a beleza e o horror se tocam".

As palavras de Maria García Yelo ecoam até à sala Picasso, no primeiro andar do Círculo de Bellas Artes, na exposição de outro francês, Antoine d"Agata, 55 anos, autor de Corpus, uma série de imagens, textos "que são como manifestos" e vídeos organizados pelo artista e pela curadora, Fanny Escoulen, que faz as despesas da apresentação, na ausência do fotógrafo, preso no trânsito devido a uma manifestação de taxistas contra a Uber que encerrou várias ruas. "Compreendo que nem sempre é fácil mostrar o trabalho do Antoine", admite, diante da imagem crua de um homem quase sem rosto, seminu. O conjunto reunido para esta exposição, a primeira do fotógrafo em Madrid, compila trabalho dos últimos 30 anos, ordenado sem rigor biográfico ou cronológico.

Seria possível esta exposição sem uma carta branca?, pergunta-se, perante os corpos nus e a violência. "Há um conteúdo sexual muito explícito, mas há mais do que isso", defende, dizendo que esperava que as pessoas perguntassem sobre estas imagens. "Somos, ainda que não pareça, um público muito pudico, pouco acostumados a este tipo de conteúdo em espaços públicos", considera, acrescentando que o fariam mesmo sem García-Alix. "Tem o olhar de Alberto, mas reconhecemo-la como nossa [a seleção de carta branca]". Como parte do festival".

Dentro do Café Lehmitz e nas pistas de dança de Cuidad Juárez

Próxima paragem, o quinto andar do CentroCentro, junto à fonte Cibeles, para as últimas duas exposições do dia (a última, En un Círculo de Rebeldes, de Karlheinz Weinberger, no Museu Nacional do Romanticismo, só abre ao público na sexta-feira). Anders Petersen, 73 anos, recebe os jornalistas, que se preparam para conhecer Café Lehmitz, o primeiro trabalho de autor deste fotógrafo sueco, a partir das pessoas que frequentavam este café em Hamburgo -- prostitutas, ladrões de ocasião, um homem que engolia espadas, um anão... "Foi das obras que mais marcou", confessa Alberto García-Alix na sua apresentação. "É uma obra de grande emoção, muito generosa, impactou-me". "Desculpem, não me dou bem com as palavras", diz, refugiando-se nos textos escritos para a ocasião. "A atmosfera é soberana. Anders apropria-se do ar. Submerge-nos na vida. É o olhar de um antropólogo, de um naturalista."

As imagens foram captadas entre outubro de 1967 e abril de 1970, data em que as fotografias foram expostas pela primeira vez, nas paredes do café, presas com pioneses. Cada pessoa que se reconhecesse podia levar a sua fotografia. No final, só restou uma: a do próprio Anders Petersen, que alguém lhe havia tirado. Explica-o num vídeo gravado de propósito para esta exposição, assinado pelo comissário, Nicolás Combarro. No primeiro dia nesse bar, alguém pegou na sua câmara e entreteve-se a passá-la de mão em mão. O fotógrafo pediu-a de volta e disse que era no mínimo justo que alguém lhe fizesse uma foto". Sentado no banco preto, García-Alix assiste à projeção como se fosse um espectador mais. "Conheci-o na Alemanha, há 10, 15 anos", conta ao DN.

A exposição, que deu um livro -- um livro a que García-Alix diz recorrer amiúde -- não mais havia sido revisitada até esta carta branca da PHE17. O curador explica que encontraram um material muito mais vasto do que aquele que se encontra na edição impressa, daí que as folhas de contacto integrem a mostra.

Café Lehmitz encontra-se, finalmente, com Pistas de Dança, um trabalho da fotógrafa mexicana Teresa Margolles. "Desejávamos ter uma sala maior", diz Alberto García-Alix, como que com um pedido de desculpa à artista, cujo projeto se desenrola sobre as ruínas de antigos clubes noturnos de Ciudad Juárez, em que atuavam mulheres transgénero. São elas as modelos.

A fotógrafa, antiga técnica forense, habituada a lidar com a morte, como referiu García-Alix, passa a palavra a Sonia, "Sou transexual, trabalhei na prostituição", começa por contar. Vive há 20 anos na Europa. "Aqui esqueci-me do que é ser mulher, sul-americana, discriminada". A sua entrada em cena no projeto de Margolles, começou no momento em que Karla, uma das protagonistas, foi assassinada.

Karla, transgénero, abre a exposição com o seu vestido branco, meio-noiva, meio criança. Junto a ela, jaz uma pedra. Legenda: "Pedra encontrada junto ao corpo de Karla".

A jornalista viajou a convite da PhotoEspaña

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