Foi há 46 anos e, no entanto, Paulo de Carvalho continua a cantar a canção-senha da revolução como naquele 25 de Abril de 1974. "E Depois do Adeus" faz parte do alinhamento dos três espetáculos que o cantor gravou esta semana para serem transmitidos on-line no sábado, a convite de três autarquias: Marinha Grande, Amadora e Oeiras..O convite foi "uma agradável surpresa". Paulo de Carvalho tinha agendados para estes dias de abril sete espetáculos, que a pandemia fez cancelar. Quando a Câmara da Marinha o contactou para fazer um concerto gravado, regozijou. "A necessidade aguça o engenho. E houve câmaras que quiseram e deram oportunidade [a mim e espero que a outros companheiros de profissão] de trabalharmos, numa altura em que tudo foi adiado, em que tudo parou", disse ao DN, no final da gravação no Teatro Stephens, na Marinha Grande, quarta-feira passada, acompanhado ao piano por Hélder Godinho..Desse inesperado contacto Paulo de Carvalho guardará a memória boa deste 25 de Abril de 2020. Mas fica-lhe, em contraponto, o outro lado: "há câmaras que nem sequer vão querer festejar o 25 de Abril". Se isso o incomoda? "A mim o que me incomoda é a estupidez e a ignorância das pessoas. E são normalmente essas pessoas que depois apregoam imenso que estamos a viver em democracia. Mas não a aplicam"..Depois da Marinha Grande, também a Amadora e a Câmara de Oeiras o contactaram. Paulo de Carvalho vive atualmente em Paço de Arcos, no concelho de Oeiras, ao cabo de vários anos a morar em Cascais. "Felizmente saí de um concelho onde a Câmara não quer festejar o 25 de abril", sublinha..Aos 73 anos, o confinamento tem-se revelado uma forma "de aprender". "Sabe aquela máxima do "aprender até morrer"? Espero que não seja desta vez, mas pode-se usar muito nesta fase"..Um palco sem público.Fazer um concerto sem público foi uma experiência inédita, em que lhe faltou o público e as palmas. Porém, lembra que cantar num estúdio de televisão não é assim tão diferente: "às vezes estamos para ali a "cantar para o boneco" e não temos ninguém à nossa frente com quem interagir". Ainda assim, 57 anos de experiência no mundo da música servem-lhe na perfeição para contornar essa clareira na sala. "Tentei arranjar uma forma de interagir ou tentar com as pessoas que me estão a ver e ouvir, explicando as cantigas, agradecendo a quem está a trabalhar connosco, quem nos convidou. Confesso que gostei muito", disse ao DN, no dia em que cinco ou seis pessoas tiveram o privilégio de ser o público, no histórico teatro da Marinha Grande..O espetáculo dura cerca de 40 minutos e será transmitido nas plataformas do município (página, YouTube e Facebook), às 23.10 de sexta-feira, 24, e no dia 25 às 16.00. De resto, a Marinha Grande vive tradicionalmente com grande entusiasmo as comemorações da Revolução dos Cravos. "Este ano, devido à pandemia e à necessidade de distanciamento social, teremos uma celebração do 25 de Abril diferente do habitual na Marinha Grande. No entanto, nunca deixaríamos de celebrar este grande dia", justifica a socialista Cidália Ferreira, presidente do município. De resto, incentiva toda a população "a vir à janela, às 15 horas do dia 25 de Abril, cantar o Grândola e o hino nacional"..O espetáculo de Paulo de Carvalho na Marinha Grande fez-se de temas bem conhecidos do público como "E depois do Adeus", "Mãe Negra", "os meninos do Huambo", entre outros. "É isso que as pessoas querem ouvir. São muitos anos a aturarem-me", atira o cantor, que este ano completa 73 anos. Diz que ainda tem muito para cantar, para gravar, muito palco para pisar. É o que espera do futuro. "Que consigamos trabalhar. Tenho essa enorme felicidade, que é trabalhar naquilo de que gosto". De resto, espera "que tudo isto passe, que dentro do mal que este vírus nos trouxe nos permita uma mudança, a cada um de nós. Que se aplique aqui também uma frase do presidente Kennedy: "não perguntes o que é que o país pode fazer por ti, mas antes o que podes fazer pelo país""..Já deste 25 de Abril, não esperava a polémica em volta das comemorações na Assembleia da República. "Há uma série de gente que não quer os festejos, com motivos completamente estúpidos. A Assembleia da República tem trabalhado, e com mais gente do que aquela que foi convidada para a cerimónia. Portanto não é motivo para isto", considera. Aponta ainda "outros que querem por uns panos pretos à janela no 25 de Abril. Têm saudades do passado e querem atacar o 25 de abril com estes pretextos", conclui.