Paulo Branco trouxe a Toronto um capitão nazi

O festival foi abalado com um filme-choque: "O Capitão", de Robert Schwentke, impressionante história verdadeira que é tabu na Alemanha.
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Ninguém esperava isto de um cineasta que no passado assinava filmes medíocres de Hollywood, como R.I.P.D.: Agentes do Outro Mundo (2013) ou A Mulher do Viajante no Tempo (2009). Robert Schwentke, alemão, regressou agora à sua pátria para fazer um filme de autor sobre um tema tabu: a forma bárbara como os nazis massacraram prisioneiros de guerra nas duas semanas finais da Segunda Guerra Mundial. O Capitão é para partir a louça toda e já está programado para estreia na Alemanha em março de 2018, tendo antes seleção garantida na competição oficial do festival de San Sebastián, já daqui a duas semanas.

Não é um soco no estômago aqui no Festival de Toronto (teve direito a uma das mais prestigiadas secções, a Special Presentations), é mais do que isso. Tal como os pelotões de fuzilamento que vemos neste campo de prisioneiros, o filme atinge o espectador de forma literal. Vemos corpos a explodir, tudo a ruir. Em O Capitão, a banalidade do mal é filmada com uma ferocidade que assusta, sem truques nem aparatos. Há uma dureza que soa a honestidade e para ser honesto é preciso ser brutal. Schwentke aposta num preto e branco deslumbrante e em planos com composição minuciosa.

O que vai espantar muitos é o facto de esses acontecimentos serem reais. O capitão do título era apenas um soldado raso desertor que, em fuga e à beira de ser apanhado, encontra por acaso uma farda de capitão. E transforma-se! Muda de identidade e, num abrir e fechar de olhos, ganha poder e começa a comportar-se como um psicopata. Uma sede de morte que contagia os outros soldados, a tal contaminação nazi que se espalhou por toda a Alemanha. De forma sagaz, o filme ganha uma força de tese sobre a culpa alemã. Culpa ou vergonha - talvez só um alemão o saiba dizer.

O Capitão é o tipo de filme que era impossível ser feito por americanos, com sotaques falsos alemães e tiques narrativos convencionais. O seu maior golpe de pirueta está numa imprevisível construção de personagens secundárias. Os auxiliares do capitão assassino comportam-se como palhaços brechtianos, quase sempre puxados por uma força embriagada. Enfim, um anti-A Lista de Schindler para nos demolir. Arrisca-se a ser também um dos maiores triunfos internacionais de Paulo Branco, um dos produtores do filme e responsável pelas vendas internacionais.

Pelas ruas da Baixa de Toronto, o festival abre-se à população. Neste fim de semana há ruas fechadas ao trânsito com concertos gratuitos e um elevado número de rulotes a animar as entradas dos cinemas. Pela primeira vez, os fãs são revistados para se aproximarem do gradeamento do tapete vermelho. A segurança é também visível no festival, mas mais visível é a campanha da Fox por Battle of Sexes, de Valerie Faris e Jonathan Dayton, o outro filme de ténis do festival. Emma Stone e Steve Carell são os campeões de outdoors. É impossível não reparar nos seus rostos.

No que toca à muito comentada grelha do pré-Óscar, Mudbound, de Dee Rees, com Carey Mulligan, é a primeira baixa. O filme é a grande desilusão deste arranque. Um épico sobre os sonhos desfeitos da América no período da Segunda Guerra Mundial. O cinema de denúncia antirracista tem aqui um novo petardo mas vem com pólvora seca. Produzido pela Netflix, é um tiro ao lado. Des Rees quis filmar o orgulho negro mas perdeu-se nos demasiados desvios narrativos que o guião convoca.

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