Imperou numa ilha do Índico com não mais de 12 milhas de circunferência a sudoeste de Sumatra. De seu nome Golbasto Momarem Evlame Gurdilo Shefin Mully Ully Gue, ordenava em Lilliput, território insular separado por pouco mais de 700 metros da ilha gémea, embora oponente feroz, de Blefescu. O que Golbasto tinha em amplitude de nome, perdia em altura, não mais do que 15 centímetros bem medidos dos pés à cabeça. Lilliput e Blefescu, retratos satíricos da Grã-Bretanha e França do século XVIII, habitam há perto de três séculos as páginas do livro As Viagens de Gulliver..A obra, saída da criativa do irlandês Jonathan Swift, deixou mais do que um testemunho escrito das deambulações de Lemuel Gulliver, cirurgião, mais tarde capitão de diversos navios (como o documentava o título original do livro). Swift deixou testemunho em mapas dos territórios que serviram de périplo a Gulliver. Entre eles, as duas ilhas que se digladiavam. O criador de paragens como Balnibarbi, Luggnagg, Glubbdubdrib, inscrevia a componente gráfica da sua obra numa longa linhagem de mapas fictícios, criadores de mundos que, para o leitor, têm a solidez da realidade..Lilliput tornar-se-ia dois séculos mais tarde título para revista britânica de humor e contos, fundada em 1937, editada até ao início da década de 1960. As páginas da publicação contariam com o contributo de uma britânica que preencheu uma vida de 85 anos com detalhados mapas fictícios, assim como dezenas de milhares de ilustrações. Tal como Swift, Pauline Baynes, nascida em 1922, foi construtora de territórios e paisagens imaginários, viajando nas obras de John Ronald Reuel Tolkien - para a posteridade J.R.R. Tolkien - escritor e filólogo que nos legou, entre inúmeros títulos, o tríptico O Senhor dos Anéis..Uma sucessão de episódios aproximou a, então jovem ilustradora, de nomes como Tolkien e C.S. Lewis, autor d"As Crónicas de Nárnia (1950-1956), fantasia de fôlego em sete volumes..Ainda criança, Pauline Baynes entretinha com a sua proficiência em Hindi as freiras do colégio onde estudava na sua terra natal, no Sussex, Inglaterra. Desenvoltura na língua indo-ariana à qual não eram alheios os seus primeiros anos de vida na Índia, onde o pai servira como magistrado, em Agra. Pauline não revelava apenas apetência para línguas. Desenhava insistentemente. Apetência que a levaria, adolescente, para a Farnham School of Art, na cidade de Cantuária..Com o deflagrar da Segunda Guerra Mundial, Pauline emprestou o seu talento ao serviço dos britânicos. Em 1940, ingressou como voluntária num serviço de apoio ao exército para trabalhar na conceção de camuflagens. Mais tarde, a partir de 1942 e até ao final da guerra, Pauline, operou no Departamento Hidrográfico, em Bath, onde fez mapas e cartas marítimas para a Marinha Real..Aos dotes de ilustradora, a artista juntava a experiência cartográfica e, com isso, trilhava caminho na aproximação a Tolkien. Um encontro que contaria com o "empurrão" de uma obra nascida no século XIV, o Saltério de Luttrell. Algures entre 1320-1340, Geoffrey Luttrel, cavaleiro medieval inglês, encomendou livro litúrgico contendo os salmos (saltério). Ilustrada por escribas anónimos, a obra seria adquirida em 1929 pelo Museu Britânico. Encantada com as iluminuras do Saltério de Luttrell, Pauline Baynes, transpô-las para a ilustração e apresentou-as à editora George Allen & Unwin, fundada em 1914..Na década de 1940, Tolkien procurava realismo histórico e topográfico para a sua fantasia. Após a publicação em 1937 da obra O Hobbit, com a chancela da George Allen & Unwin, o autor entregaria à mesma editora um conto Farmer Giles of Ham. Contudo, Tolkien não apreciou a proposta de ilustrações. É ao ver a recriação que Pauline fizera do Saltério de Luttrell que o autor d"O Senhor dos Anéis, se deixa encantar pela ilustradora. Pauline enceta uma longa colaboração com Tolkien que inclui obras como As Aventuras de Tom Bombadil, coletânea de poesia de 1962 e o canto alegórico Smith of Wootton Major (publicado no Brasil como Ferreiro de Bosque Grande), obra emancipada das aventuras e desventuras da Terra Média que imortalizou o autor inglês..À Terra Média voltaria Pauline Baynes já no início da década de 1970. A experiência como cartógrafa fê-la aceitar a encomenda da George Allen & Unwin para transpor para mapa os territórios imaginários de Tolkien. Labor de minucia que levou a ilustradora a encetar parceria com cartógrafos militares..Pouco terá faltado para que a assinatura de Pauline constasse nos originais d"O Senhor dos Anéis (1954-1955), obra maior de Tolkien. A editora ter-se-á oposto à colaboração da ilustradora..Em 2008 falecia Pauline Baynes. Como legado deixaria mais de 200 livros ilustrados, entre eles interpretações das obras de Hans Christian Andersen, Enid Blyton, Rudyard Kipling e Beatrix Potter.