Paula Peliteiro. A chef de cozinha responsável por um dos restaurantes mais belos do país

O percurso de vida de Paula Peliteiro é um bom exemplo de altruísmos, amor e, também, abnegação das mulheres que são mães e têm uma carreira profissional.
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E não deveria ser assim. Sobretudo, porque caso as mulheres se cansem desta abnegação constante e contínua a que são obrigadas, talvez a sociedade se aperceba, tarde de mais, do seu verdadeiro valor, pois tal implicará nada mais e nada menos do que o fim da civilização. Pelo menos, tal como a conhecemos.

Mas voltemos à Paula. As opções que tomou ao longo da vida, depois de ser mãe, foram sempre balizadas pelo que era melhor para os seus dois filhos. Enquanto eram pequeninos, decidiu não avançar com o projeto da restauração para lhes poder dedicar mais tempo. Depois, foi também por eles que regressou a Portugal, abandonando uma carreira de sucesso no Brasil, para que pudessem terminar o secundário e ingressar na faculdade. E, finalmente, só depois de o filho mais novo terminar o 11.º ano, e ter os alicerces bem definidos para o ingresso na faculdade, é que voltou a investir na sua verdadeira paixão, a cozinha.

Ganhou o amor pela arte de cozinhar da mãe, de quem diz, de uma forma muito bonita, ter herdado, apenas, coisas boas. Guarda, com muito carinho, recordações dos tempos em que era criança e subia a um banco para chegar ao balcão onde a ajudava a moldar biscoitos de azeite para o chá, a preparar as carnes para as papas de sarrabulho, ou a moer nozes para o bolo preto.

Cresceu rodeada de tachos e panelas, entre grandes cozinheiras, desde a avó, a tia e a mãe, pelo que a paixão surgiu naturalmente, ainda que não tenha sido a primeira escolha em termos profissionais. É que o dia a dia da tia e da avó na restauração demonstravam-lhe bem a dureza do trabalho, que é muito mais do que uma profissão. É uma forma de vida.

É a própria que afirma que a restauração, antes de nos oferecer verdadeira felicidade, é extremamente dolorosa. Daí chegar a compará-la com o momento de dar à luz, em que a dor precede uma alegria imensurável. Na restauração, todo o processo de bastidores e a enorme quantidade de horas seguidas de trabalho em pé só é possível esquecer pelos que têm verdadeira paixão.

A nível escolar, como sempre gostou da ideia de ingressar numa escola de artes, tirou bacharelato em Gestão/Animação Cultural, na Escola Superior Artística do Porto, e depois, licenciou-se no Instituto Politécnico da mesma cidade, no primeiro curso superior, ministrado a nível nacional, na área da Organização e Coordenação de Eventos, tendo, mais tarde, realizado, também, uma pós-graduação em Educação de Adultos, Desenvolvimento Local e Comunitário.

Seguiu-se uma carreira multifacetada. Passou pela organização de Ateliers de Tempos Livres para crianças e pela organização e coordenação das atividades culturais do município de Vila Nova de Famalicão, até decidir emigrar para o Brasil, onde ingressou na Universidade Federal de Paraíba para fazer um mestrado em Pedagogia.

Só depois de finalizar este mestrado é que concluiu, tal como uma revelação, que era à cozinha que queria dedicar o resto dos seus dias. Diz a brincar que teve de estudar muito para saber que a sua vida era a cozinha. Foi aos 34 anos que ganhou coragem e abriu o primeiro restaurante no Brasil, O Porto das Francesinhas, um local especial, pois, além da oferta gastronómica, havia propostas musicais ao vivo, música ambiente para a hora das refeições e música dançante para depois do jantar.

Foi um sucesso. Tão grande que em pouco tempo inaugurou o segundo restaurante, uma proposta de fast food baseado no conceito das francesinhas, com a ideia de evoluir para uma franquia da marca "Porto das Francesinhas".

A partir de 2007, altura em que regressou a Portugal, pelas razões já invocadas, enquanto os filhos se adaptavam ao país, à escola e criavam novos grupos de amigos, dedicou-se à formação na área da animação cultural, artes plásticas, cozinha e pastelaria.

Mas, tal como acontece com as grandes paixões, nunca é tarde demais para o amor, pelo que surgiu naturalmente a ideia de abrir um novo restaurante. Assim nasceu, em 2011, o Sra. Peliteiro.

O restaurante começou por estar situado no centro histórico de Fão, uma das freguesias de Esposende, mas mudou-se depois para a Quinta da Barca, na Barca do Lago, margem norte do rio Cávado.

Referência gastronómica regional, apresenta uma ementa fundamentada na cozinha tradicional portuguesa, enriquecida com especiarias e ervas aromáticas de outros continentes. Um espaço lindíssimo, com uma esplanada sobre o campo de golfe e o rio Cávado.

Anos mais tarde, foi convidada para apresentar rubricas de culinária no Porto Canal e na RTP1, no programa Praça da Alegria, colaborações que ainda mantém na atualidade. Em 2018, inaugurou novo restaurante, O Ignácio, um restaurante familiar no centro histórico de Braga, com pratos típicos do Minho, conjugados com outros mais contemporâneos, para cativar um público mais jovem. Dizem os entendidos que o segredo da chef é abraçar os desafios impostos pela modernidade, sem esquecer a riqueza da cozinha tradicional portuguesa, recorrendo sempre a produtos locais, quer nos pratos salgados como na sua doçaria.

*Autoras do livro Mulheres do meu país - século XXI inspirado na obra homónima de Maria Lamas. O livro, que tem design gráfico de Andrea Pahim, está à venda nas livrarias online e no Facebook. O DN publica nesta segunda quinzena de agosto uma seleção de 15 perfis de portuguesas notáveis.

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