Paula Costa. A primeira mulher a pilotar caça bombardeiros na Força Aérea

Mulheres do meu país - século XXI
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Desde pequena que Paula Costa queria ter asas. Filha de militar, acalentava a ideia de ingressar nas Forças Armadas, mesmo sabendo que na altura tal estava vedado às mulheres.

Tudo o que se passava no ar e no espaço a fascinava. Assistiu aos vários lançamentos do Space Shuttle, e o seu sonho era ser astronauta.

O exemplo de duas mulheres extremamente independentes, a mãe e a madrinha, mostrou-lhe que podia ser o que quisesse, desde que se esforçasse para o alcançar. E assim fez.

Tinha dezoito anos, quando a diretora do colégio onde andava, o Instituto de Odivelas, chamou as alunas para lhes dizer que a Academia da Força Aérea ia começar a aceitar mulheres para piloto. Agarrou a oportunidade.

Corria o ano de 1988. A sua confiança e vontade de abraçar o mundo eram enormes, pelo que nem o duro processo de testes físicos, psicotécnicos e médicos a desanimaram. Depois, fez o estágio de voo, num avião Chipmunk, e adorou.

No entanto, como tudo era muito recente concorreu também à universidade, sobretudo para dar segurança aos pais. Entrou em Engenharia Informática, mas rapidamente demonstrou que a sua paixão era mesmo a aviação, pelo que os progenitores lhe deram todo o apoio.

Fez parte do primeiro grupo de mulheres que entrou num mundo exclusivo de homens. Eram apenas duas num universo de cerca de cento e vinte cadetes.

No início tiveram a sensação de que tudo iria correr bem, mas com o passar do tempo surgiu a resistência e a animosidade. A colega saiu a meio do primeiro ano, pelo que ficou sozinha até ao início do segundo ano, quando entraram mais duas mulheres, já licenciadas.

A propósito desta experiência, Paula Costa afirma que, apesar de a maioria não ter atitudes negativas para consigo, houve quem fosse agressivo, referindo com pesar que "para que o mal triunfe basta que os bons não façam nada". Uma frase sábia, que nos demonstra a importância de denunciarmos sempre que assistimos a algum tipo de agressão.

Em 1993, no último ano da Academia, que é sempre preenchido com o curso de pilotagem, não houve disponibilidade de ministrar o curso em Portugal pelo que os cadetes foram enviados para os Estados Unidos. Recorda a experiência como extremamente enriquecedora, não só porque nos Estados Unidos já existiam várias mulheres piloto, o que lhe permitiu passar mais despercebida, como pôde aprender novas formas de fazer as coisas numa organização completamente diferente daquela a que estava habituada.

Tinha apenas vinte e quatro anos quando tirou o brevet militar, a primeira mulher portuguesa a conseguir tal proeza, sentindo um orgulho enorme por ter sido capaz de chegar ao fim, apesar de todas as contrariedades, e obter, finalmente, as "suas asas".

Seguiram-se cerca de três anos na Esquadra 101, a voar Épsilon e a dar instrução de voo a cadetes vindos da Academia para completarem o curso de pilotagem.

Em 1998 já era capitã na base aérea de Beja, onde pilotava o Alpha-Jet, um caça bombardeiro, e integrava a Esquadra de caças 301, os Jaguares da Força Aérea Portuguesa responsáveis por importantes missões de Defesa Nacional.

Para quem não percebe muito acerca dos desafios de pilotar aviões, convém referir que no caso do Alpha-jet, na Esquadra 301, com a missão de ataque ao solo, o voo é feito a grande velocidade e a baixa altitude, o que exige muita atenção, treino e perícia para não haver acidentes.

Aos vinte e oito anos, sentia-se preparada para participar em ações de guerra, caso fosse necessário, para defender os interesses do seu país, pois segundo afirma, desde que entrou no Instituto de Odivelas, com apenas dez anos, que aprendeu a responsabilidade de honrar a instituição a que pertence.

Em 2006, depois de ter feito o curso de promoção a Major, com o objetivo de comandar uma esquadra de voo e prosseguir a carreira, foi colocada na Academia da Força Aérea, onde ficou dois anos sem saber qual seria a sua progressão e se iria ou não regressar ao voo.

Aproveitou a pausa para engravidar da segunda filha e quando regressou da licença de maternidade, como tudo continuava na mesma, decidiu experimentar a aviação civil concorrendo à TAP.

A mudança para uma companhia onde já existiam várias mulheres a pilotar, deu-lhe mais tranquilidade, deixando de estar sob o escrutínio constante que sentia na Força Aérea, onde por ser a primeira, todos observavam o que fazia.

Quando lhe perguntamos se foi alvo de preconceitos, responde que por ser mulher num mundo tradicionalmente masculino, sentiu que os outros não acreditavam que podia fazer o mesmo que os homens, pelo que para ser aceite teve de fazer mais e melhor.

Em Portugal, as mulheres representam apenas três a cinco por cento dos pilotos existentes. Na TAP, por exemplo, existem mais de seiscentos comandantes, entre os quais apenas quinze são mulheres.

Ficamos com curiosidade em saber se nestes vinte e oito anos em que é piloto, doze na Força Aérea Portuguesa e dezasseis na TAP, se tem havido alguma evolução na aceitação das mulheres a desempenhar esta atividade. Afirma que apesar das mentalidades demorarem muito tempo a mudar, os instrutores mais jovens já veem as mulheres como pares. No entanto, o que se mantém igual é a enorme dificuldade em conciliar a vida familiar, especialmente a maternidade, e o trabalho por turnos com frequentes permanências longe de casa.

*Autoras do livro Mulheres do meu país - século XXI inspirado na obra homónima de Maria Lamas. O livro, que tem design gráfico de Andrea Pahim, está à venda nas livrarias online e no FB. O DN publica nesta segunda quinzena de agosto uma seleção de 15 perfis de portuguesas notáveis.

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