Paula Alves: "É fundamental baixar o preço de novas terapias. Isso exige investigação e conhecimento"
O edifício novo é uma infraestrutura única e altamente diferenciada, toda made in Portugal. São 6700m2 com 30 laboratórios de nível de segurança 2 (manipulação de vírus não-patogénicos), um laboratório nível 3 (manipulação de vírus patogénicos) e 700 m2 de salas limpas. inaugura hoje (dia 23), que compõem o iBET Biofarma, centro de valorização e transferência de tecnologia do iBET. Fundado em 1989, é hoje a maior instituição privada sem fins lucrativos portuguesa dedicada à investigação, desenvolvimento e inovação na área da Biotecnologia, e um instituto de referência e prestígio internacional.
O iBET inaugura hoje o iBET Biofarma, um centro de valorização e transferência de tecnologia. O que é que vai acontecer aqui?
A missão do iBet é fazer investigação, mas que seja de alguma maneira transformada em valor para a economia e para a indústria. Portanto, temos laboratórios onde fazemos investigação mais fundamental, mas a maior parte do que fazemos é uma investigação mais aplicada. Temos sempre o propósito de criar com o objetivo de transferir a investigação para a indústria. Para a vida real. Obviamente que isto tem de ser sempre alicerçado numa boa investigação fundamental, que também existe - temos as nossas linhas de investigação. Focamo-nos basicamente em terapias avançadas, tudo aquilo que são terapias génicas e celulares, estas novas maneiras de fazer medicina mais precisa. E é da bancada até ao lote para ensaio clínico, com parcerias. Vendemos no ano passado a nossa startup GenIbet (que trabalhou no fabrico de 15 lotes de RNA mensageiro para a Moderna produzir a vacina para a covid), mas mantemos uma parceria com eles e conseguimos ir da investigação mais fundamental ao lote para ensaio.
Estamos a falar de que horizonte temporal?
Na área da investigação, depende muito das doenças, mas esta fase é relativamente rápida se pensarmos no que é levar um fármaco até ao hospital. Normalmente, entre cinco e 15 anos. Mas as coisas estão a evoluir e podendo transformar o conhecimento mais rapidamente através de plataformas já não precisamos desse tempo todo de desenvolvimento. Foi o que aconteceu com a vacina da Moderna: aquele veículo de levar o gene que serviu para a vacina, já estava a ser testado para outras aplicações, para a leucemia. Portanto, consegue-se muito mais rapidamente reajustar.
E como é que se garante a segurança? Porque estamos a falar de áreas supersensíveis...
No fundo, o veículo é o mesmo, portanto, tudo o que são os ensaios de segurança já estão feitos; nós só mudamos os genes e, claro, temos de fazer alguns ensaios de segurança e eficácia, mas as regras são todas muito bem definidas pela FDA e pela EMA, com quem trabalhamos. Tivemos agora aprovação e vamos produzir em Portugal - será a GenIbet - um biológico com aprovação da FDA. E aí também está a diferença do iBET: porque é um instituto de investigação, mas como precisa de transferir para o hospital, para a indústria, é certificado pelo Infarmed. Isso por vezes condiciona-nos um bocadinho a liberdade criativa, mas sabemos a estrada que temos de percorrer e todas as normas que temos de cumprir. Portanto sabemos quais são as regras GPL (good laboratory practices) e GMP (good manufacturing practices), que dão o selo de qualidade que é dado pelo Infarmed, a EMA ou a FDA. Enquanto que um laboratório ou uma instituição onde se faz a investigação mais fundamental, sem esta pressão da transferência, tem uma liberdade diferente para fazer a investigação. E como trabalhamos em rede o que acontece é que eles nos trazem o conceito para nós transformarmos num produto. Porque uma coisa é mostrarem o efeito de um fármaco em ratinhos, no laboratório, outra é demonstrar a eficácia, se podemos produzir em grande quantidade. Uma vacina ótima, mas que não se consiga produzir para dar ao mundo, não tem valor. É nessa interface, nesse ligar de pontos entre a academia e a indústria que o iBET se coloca em termos de investigação e desenvolvimento.
E que faz isso tudo com financiamento privado.
Nós temos os fundos privados, mas os nossos investigadores concorrem, como todos os outros, a fundos públicos. E o iBET é uma instituição privada sem fins lucrativos, que tem sócios privados - a maior parte das farmacêuticas portuguesas - mas os nossos investigadores concorrem a projetos da Fundação Para a Ciência e Tecnologia, que também é a nossa sócia. Portanto, também temos como sócios os académicos. Eu, por exemplo, sou professora na Nova e o contributo da Universidade para o iBET é disponibilizar-me e a outros colegas para fazer investigação aqui, porque a própria universidade vê a utilidade e a necessidade de haver este tipo de investigação e transferência.
E há também uma ligação ao nível da formação.
Um dos nossos focos é a formação de pessoas em Portugal na área da biotecnologia para o desenvolvimento deste tipo de biológicos. Como isto é uma área que exige muito dinheiro - são produtos muito caros -, a maior parte da nossa indústria estava só em pequenas moléculas, não biológicas, mas está a começar a querer entrar nesta área e vê o benefício de ter apostado no iBET. Nós ao fim de dois ou três anos tínhamos resolvido as questões que eles tinham, mas eles permitiram que fôssemos trabalhar com o estrangeiro. E é daí é que vem o nosso grande financiamento: os contratos de investigação que fazemos com a indústria farmacêutica internacional na área dos biológicos. E agora que as nossas empresas querem entrar nesta área, o iBET está numa fase de maturação em que já podemos ajudar. Há interesse em terapias celulares - por exemplo, Hovione, Bial, Tecnimed. E queremos trazer para Portugal cada vez mais interesse nesta área dos biológicos.
O novo centro implicou um investimento de 25 milhões.
É o que está aqui investido. Isto ia ser construído com fundos próprios, mas, concorremos e conseguimos ir a fundos do PT2020, do FEDER, e conseguimos o apoio de 7,7 milhões para este edifício - que é todo português: construção da Teixeira Duarte, projeto do arquiteto Gonçalo Byrne, etc. Para os nossos investigadores, é muito importante trabalhar com a indústria farmacêutica, muito focada, e estar em redes internacionais de académicos, porque isso é competitivo. Então temos esta faceta muito para o privado e vamos buscar muito dinheiro para a investigação ao privado, mas os nossos investigadores têm linhas de investigação próprias e vão aos concursos públicos, porque esses concursos tornam-nos competitivos e dão-lhes esta vantagem de estar em redes europeias.
A nova fase implica também a contratação de mais pessoas e emprego muito qualificado, certamente.
Uma das vantagens que temos de ter a indústria farmacêutica a fazer investigação e desenvolvimento aqui é criar emprego altamente qualificado. Nós já temos 113 doutorados. E este edifício irá permitir crescer e não só atrair mais gente, como tentar reter, o que nesta área é muito complicado, a indústria internacional é muito competitiva e está a expansão. O que tem sido uma vantagem para nós é sempre a mesma equipa a discutir os projetos, há pouca rotatividade e isso ajuda a construir esta confiança que é fundamental nesta área. Em Portugal não há muitos sítios onde se possa trabalhar nesta área e é importante também os nossos parceiros académicos - Universidade Nova, de Lisboa, Católica - sentirem que o iBET tem essa missão de absorver as pessoas.
Mas há pessoas disponíveis?
Estamos com um problema de talentos, porque muitos estão a acabar os cursos e querem ir para fora. Nós temos tido uma transformação enorme para perceber como lidar com isto: tivemos de ir buscar pessoas de recursos humanos, para perceber como reter as pessoas. Então, temos o iBET Move, padel, corrida, temos as coisas de que os jovens gostam para que vejam que não têm de ir para os EUA. Eu invisto muito tempo a tentar perceber o que é que eles querem, o que valorizam. E temos conseguido, felizmente. As nossas universidades produzem gente de muita qualidade e é importante conseguir que não vão todos embora. Como é importante também o learning through life. E também estamos envolvidos em vários cursos internacionais, trazemos cá estrangeiros - ainda agora cá esteve a Anne Aunins, program leader das vacinas covid da Moderna, numa série que criámos que é o Leading for Impact, para as pessoas verem que podem ter acesso também a este tipo de informação, que há esta dinâmica em Portugal como há em Boston.
E de quantas pessoas é que vão precisar?
Nesta fase, no primeiro ano, estamos a pensar em contratar 30. Mas também há uma coisa que é importante nesta mobilidade, é que as pessoas estão atentas e nós já estamos a conseguir ir recrutar mais gente do estrangeiro. Há toda uma atividade de divulgação do nosso trabalho a nível global para tentar atrair pessoas - estudantes de doutoramento, mas também investigadores.
Porque a investigação que o iBET faz também é muito inovadora.
Exato. Quando olhamos para os resultados em terapias de cancro, com as CAR-T, por exemplo, as pessoas ficam fascinadas. Um jovem investigador obviamente quer estar na linha da frente e saber que se pode trabalhar em Portugal nessas áreas é muito importante.
Quanto é que custa um medicamento biológico ou genético?
Nós temos trabalhado muito para tentar que os preços venham para baixo. Estamos a falar de proteínas, otimizando muitos processos para diminuir os preços e as terapias com anticorpos monoclonais, por exemplo, são muito mais baratas agora do que há uns tempos. Se for falar numa terapia génica ou celular, com as CAR-T, cada doente custa meio milhão. É nisso também que estamos a trabalhar. Por exemplo, em vez de estarmos a pensar as terapias celulares autólogas - em que vamos buscar as células do doente, temos de as transformar e tornar a injetar no doente - estamos a ver como ter uma terapia celular halógena, não ser dependente só deste doente. Porque ao termos mais escala podemos reduzir o preço. Estamos a trabalhar nisso com Espanha.
Ser dirigida na mesma, mas a base ser comum.
Sim, tentar identificar as comunalidades. E daí serem tão importantes os dados, a partilha de dados na ciência. Para percebermos como podemos organizar doentes com determinadas características, para podermos tratar pelo menos um grupo de doentes e com isso baixar o preço das terapias.
Essa é uma prioridade, tentar baixar os preços para tornar as terapêuticas acessíveis?
Sim, isso é fundamental. Para que é que queremos terapias se depois não houver dinheiro e o Estado não puder pagar o tratamento? E as companhias de seguro não conseguem comportar estes preços. Portanto, é realmente preciso que os preços venham para baixo, o que exige mais investigação e mais conhecimento.
Dados, inteligência artificial e machine learning combinados ajudam a libertar os cientistas também dessa parte do trabalho.
Sim, porque cada vez temos mais capacidade de gerar dados e não temos capacidade de os analisar e interpretar. Portanto isso é precioso - e também temos investido aí. Há dois ou três anos não tínhamos ninguém a trabalhar essa área e o nosso conselho científico identificou essa necessidade absoluta de data cientists que também percebam as biologias. Recrutámos fora, estamos a formar e agora temos um grupo de dez pessoas. Também na imunologia - nós somos muito biotech e fazíamos essa parte por exemplo com a Gulbenkian, mas tínhamos de abrir aqui porque eles são mais de investigação fundamental.
Porque é que era uma necessidade?
Por exemplo se usamos a terapia génica, fica tratado. Mas se daqui a uns anos precisa de voltar a receber o tratamento, o sistema imunitário destrói o vírus à entrada, porque já teve reação. Então temos de entender como "enganar" o sistema imunitário.
A iBET também puxa pela inovação?
Sim, nós todos os anos abrimos um concurso interno para dar uma rampa de lançamento às ideias dos nossos cientistas mais jovens, o iBETXplore - Seeding iBET"s future. E eles são altamente competitivos.
A rapidez da evolução é hoje muito maior do que quando a Paula entrou para o iBET, há 30 anos?
É muito maior e é tudo muito melhor. Há muito mais comunicação, percebeu-se que ou estamos em rede e partilhamos ou não se vai a lado nenhum. Na altura da covid, por exemplo, só nós é que conseguíamos produzir proteínas no volume necessário e nós fizemo-lo e demos ao país todo para desenvolver os kits - e ainda mandámos para o Paquistão. A questão é que havendo um objetivo comum, fazemos.
Isso passa também por promover startups nesta área?
Sim, também investimos numa incubadora de biotecnologia e tivemos startups muito interessantes, mas depois saíram porque em Lisboa não tinham acesso a fundos europeus... Acho bem que façam por sobreviver, mas era bom tê-las aqui. Agora trabalhamos com a Nova e a Católica e a Câmara de Oeiras trata-nos muito bem, porque entende o valor deste hub.
O que fazia falta para promover mais startups científicas?
A questão das startups é o financiamento: as empresas têm normalmente acesso a fundos para arrancar, mas o burning rate nestas fases é gigante e é aí que se falha. Nós não temos a tradição de business angels e não se consegue fazer as coisas sem dinheiro... Eu tento ajudar os meus colegas que se aventuram nessas áreas, porque é um esforço enorme que muitas vezes, infelizmente, morre na praia.
O que pode o iBet trazer agora?
Vamos ter aqui mais laboratórios de investigação, um de nível 3, que nos permite trabalhar com vírus patogénicos que antes não podíamos... Portanto além do fator emprego é conseguir fazer este linking the dots, que poucos sítios no mundo têm, este entrosamento da academia com a indústria neste conceito de traslação muito rápida. O iBET cria estas pontes.