Pau-brasil
De Caetano Veloso espera-se sempre um outro, novo inesperado. Ele é o tipo de artista atento e mutante, em cima do tempo, sempre lançado no futuro. Mas a verdade é que, desta vez, Caetano conseguiu inesperar-nos mesmo para lá disso. Não existe a palavra? Existe agora, que é ela a melhor para dizer do nosso susto, tão grande espanto. Inespera-nos, pois, inesperar-nos-á. Porque o mais incrível é que o disco continua assim - todo estranheza e novidade, coisa que pergunta que pergunta - ainda depois de o ouvirmos uma e outra e outra vez.
Em Cê, o novo cd de originais de Caetano Veloso, o assunto é sexo. Atravessado por quase tudo, ciúme, dor, humor, viagem, memória, cidades, poesia, alegria, guitarras eléctricas - sexo. E, para falar de assunto tão difícil - o que há de mais privado e sem conversa, por um lado, e, por outro, mais complexo e revelador do que somos e queremos ser? -, o mestre baiano escolheu fazer-se acompanhar de uma formação rock, com bateria, guitarra e baixo, e entregar a direcção musical a Pedro Sá e Moreno Veloso, dois músicos da geração dos novos. O resultado é mais do que espantoso, senhoras e senhores: um som Caetano para o século XXI.
Os arranjos são tão despojados quanto rigorosos, deixando as canções respirar sem deixá-las amolecer, tudo parecendo quase demasiado simples, como é comum acontecer quando se acerta. Música que é e não é rock; rock no plural; múltiplo, concreto, especialíssimo; rocks onde as palavras se podem acender em sua plena inteligência. Um tipo de música bem definido, mas que também permite objectos bastante diferentes, apesar de tudo: de Homem, uma canção-piada em que a voz masculina diz só ter inveja, na mulher, da longevidade e dos orgasmos múltiplos, até à tristeza belíssima de Lágrimas, poema sobre tentar chorar num avião; de Waly Salomão, canção em que o cantor presta homenagem ao amigo poeta, até Outro, um rock onde tudo é refrão e quem canta quer ser "feliz e mau como um pau duro".
Inesperamo-nos ao ouvir, reouvir Cê. É, sim, o caminho de sempre: Caetano buscando o ponto óptimo onde clareza não é o contrário de mistério. Mas não deixa de ser uma surpresa, e surpresa contínua, descobrir estes rocks como o lugar perfeito para isso, essa voz inigualável.