Passos ataca Costa. Por quem Sócrates não se atravessa
A campanha eleitoral transferiu-se ontem para a porta do Juízo Central Criminal de Lisboa, no Campus da Justiça do Parque das Nações. Ao julgamento do "caso EDP", no qual o ex-ministro da Economia Manuel Pinho está acusado de corrupção, branqueamento e fraude fiscal, e o ex-presidente do BES Ricardo Salgado de corrupção e de branqueamento, foram chamados três ex-primeiros-ministros: Durão Barroso (2002-2004), José Sócrates (2005-2011) e Pedro Passos Coelho (2011-2015).
Citaçãocitacao"Espero que o país saiba identificar no atual Governo que está a cessar funções responsabilidades graves na situação a que o país chegou. Suficientemente graves para que o primeiro-ministro tenha sido o único que eu tenho memória que se tenha sentido na necessidade de apresentar a demissão por indecente e má figura."
Tinham vários jornalistas à porta. Inesperadamente, Passos Coelho trouxe a campanha para a conversa comentando a atualidade política. O antigo líder do PSD e antigo chefe do Governo resolveu apelar a uma mudança política nas próximas eleições legislativas. E fê-lo com palavras de grande violência para António Costa: "Espero que o país saiba identificar no atual Governo que está a cessar funções responsabilidades graves na situação a que o país chegou. Suficientemente graves para que o primeiro-ministro tenha sido o único que eu tenho memória que se tenha sentido na necessidade de apresentar a demissão por indecente e má figura."
Citaçãocitacao"Cada um tem o seu tempo e este tempo não me pertence. E, portanto, devemos deixar o espaço a quem pertence o tempo para fazer aquilo que é preciso."
Ao mesmo tempo, assegurou que continua afastado da política ativa: "Cada um tem o seu tempo e este tempo não me pertence. E, portanto, devemos deixar o espaço a quem pertence o tempo para fazer aquilo que é preciso."
Contudo, não deixou de colocar alguma pressão sobre Luís Montenegro: "Espero evidentemente que o PSD possa ser o partido liderante nessa fase nova que se vai abrir, não porque é o meu partido - acho que todos compreenderiam que eu desejasse que o meu partido pudesse ganhar as eleições - e confio que sim, que isso acontecerá". Ou seja: "O que eu posso formular é um desejo muito sincero de que o PSD possa estar preparado para os tempos que aí vem" porque o "país vai precisar seguramente de um Governo que tenha não apenas um rumo bem definido, mas que possa inspirar confiança às pessoas para inverter uma degradação extraordinária de uma parte muito significativa das políticas públicas que são importantes para o crescimento da nossa economia". "Muitas das políticas públicas degradaram-se extraordinariamente nestes anos, da saúde à educação, as questões relacionadas com a habitação" e "até à segurança", porque "há aspetos muito relevantes que envolvem a segurança da sociedade portuguesa e dos portugueses que estão em causa", disse ainda Passos Coelho.
A seguir, José Sócrates foi instado a comentar as palavras do seu sucessor na chefia do Governo. Recusou chamar-lhe uma "análise", tratando-a antes como um "ataque política disfarçado".
Porém, ao mesmo tempo, recusou pôr as mãos no fogo por António Costa (sendo que Costa também sempre recusou pôr as mãos no fogo por Sócrates: "Estamos para ver quem fez má figura se foi o primeiro-ministro, se foi o Ministério Público ou se foi a oposição, mas daqui a uns meses saberemos."
Quem não se meteu em campanhas foi Durão Barroso. O falou exclusivamente do tema do julgamento: um suposto pacto criminoso estabelecido em março de 2005 entre Manuel Pinho (e mulher) com Ricardo Salgado para que o primeiro, enquanto ministro da Economia (no primeiro Governo de Sócrates, entre 2005 e 2009) favorecesse os interesses do Grupo Espírito Santo, nomeadamente face à EDP.
Questionado sobre o tal suposto pacto criminoso entre Pinho e Salgado, alegadamente em março de 2005, o ex-primeiro-ministro recordou que nunca esteve no "horizonte" estar-se já nessa altura já na perspetiva de um Governo PS porque, no verão de 2004, quando se demitiu para ir para a Comissão Europeia, acordou com o Presidente da República que só o faria na condição de o Governo continuar liderado pelo PSD (Pedro Santana Lopes), mantendo-se a coligação com o CDS-PP. "Não tinha nessa altura qualquer probabilidade. O meu horizonte era cumprir o mandato. É completamente forçado... Aliás, a minha ida para a Comissão Europeia não significou a mudança de Governo para o PS", referiu "Ao sair, sucedeu não um governo do PS, mas um governo do meu partido e do outro partido que estava coligado [CDS]. Era uma condição sine qua non, acho que não há nenhum génio politico que pudesse antever o que ia fazer a pessoa A, B ou C num Governo seguinte", sublinhou. Durão assumiu ainda ter trabalhado também como consultor para uma empresa do GES numa "consultadoria na área internacional", mas garantiu que o ex-presidente do GES nunca procurou obter favorecimentos. "Nunca o Dr. Ricardo Salgado usou a sua posição para obter qualquer posição de favor", frisou.
Passos Coelho, pelo seu lado, segurou que nunca houve favorecimento ou tratamento preferencial ao ex-presidente do Grupo Espírito Santo (GES) Ricardo Salgado, nem enquanto liderou o Governo nem enquanto foi administrador da Fomentinvest.
"Nunca Ricardo Salgado usou a relação comigo para obter vantagens", frisou. Passos Coelho recordou também a sua experiência enquanto administrador financeiro da Fomentinvest entre 2004 e 2010, reiterando a ausência de favorecimentos ao BES por o banco então liderado por Ricardo salgado ser também acionista dessa sociedade. "Seguramente que não. Não tenho conhecimento de nenhum processo que tivesse qualquer relação, quer com o banco, quer com o ministro da Economia. Que seja do meu conhecimento, [a Fomentinvest não foi] nem privilegiada, nem prejudicada", reforçou, esclarecendo que renunciou a todos os cargos da Fomentinvest em 2010.
Passos Coelho, antigo líder do Governo (2011-2015), foi também questionado sobre os projetos PIN [Potencial Interesse Nacional], que se tornaram uma aposta, também, no Governo de José Sócrates que tinha Manuel Pinho como ministro da Economia e que continuaram no seu executivo, garantindo que não serviam para contornar a lei. "Os projetos PIN eram projetos que, à partida, deviam ter um acompanhamento e estudo dedicado, de modo a que pudessem ter um impacto na economia", observou, continuando: "Era seguramente uma intenção clara, no que dizia respeito ao Governo, de encontrar uma forma dedicada, atenta e tão célere quanto possível para criar condições para que pudessem ser aprovados nos termos da lei, de modo a que pudessem ter viabilidade e o impacto económico que se desejaria".
Já José Sócrates disse depois aos jornalistas que não deixou em tribunal "pedra sobre pedra" sobre "a mentirola que o Ministério Público (MP) arranjou" relativamente à relação do Governo que liderou com o ex-presidente do BES Ricardo Salgado. "Eu estou muito contente comigo próprio", disse, acerca do seu desempenho em tribunal.
O ex-primeiro-ministro socialista defendeu que a ideia de que "Salgado era amigo dos socialistas não tem a mínima sustentação". "É falso, isso é uma mentira [...], é um revisionismo histórico que o MP pretendeu desenvolver ao longo destes últimos 12 anos contra mim."