Passo a passo se chega ao Festival Com'Paço
Uma estudante de saxofone que se inspirou nos Simpsons, um futuro psicólogo e uma aspirante a professora de ensino básico. Muito os separa, mas o amor pela música e um workshop do festival Com'Paço juntou-os durante uma semana, entre outras dezenas de jovens músicos. O resultado desta formação intensiva pode ser visto esta noite nos Restauradores, em Lisboa.
Quinta-feira à tarde. Pausa entre Marcha de Lisboa 2017, cantada por Zana e João Campos, e a Marcha Com'Paço - uma composição oferecida ao Festival por Fernando Ramos - e alguns jovens queixam-se do calor. A sala de ensaios tem ar condicionado mas o teto baixo não ajuda nem à acústica nem ao controlo da temperatura. O maestro Délio Gonçalves está a dirigir 58 jovens músicos desde segunda-feira, de manhã à noite, em Oeiras, num estágio integrado no Com'Paço - X Festival de Bandas de Lisboa, e essa não será a sua maior preocupação, até porque logo a seguir faz um intervalo. "A parte mais importante é a social e humana. Desenvolvem relações, fazem amizades, conhecem pessoas de outros locais, e isso acaba por marcá-los. Por outro lado, um aspeto muito importante numa sociedade como a atual, é fortalecer o espírito de trabalho em grupo", comenta o maestro.
Com Délio Gonçalves, maestro titular da Banda da Armada, estão jovens dos 15 aos 25 anos das lisbonenses Banda Filarmónica da ACULMA (Marvila) e Sociedade Filarmónica União e Capricho Olivalense (Olivais), bem como da Banda da Covilhã, Banda Filarmónica do Centro Cultural de Borba, Banda Musical de Paço de Sousa (Penafiel), Sociedade Filarmónica Alcanedense (Santarém) e Sociedade Familiar e Recreativa de Malveira da Serra (Cascais) - bandas que a par da brasileira Banda Sinfónica Campesina Friburguense participam na décima edição do Com"Passo. Mas há ainda mais participantes neste estágio, provenientes da Banda Musical e Artística da Charneca, da Escola de Música do Conservatório Nacional e do Conservatório de Artes do Montijo.
Voltar a dar a Lisboa animação musical tradicional através das coletividades, no caso de bandas filarmónicas, foi uma ideia materializada pela Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) após proposta da animadora e programadora Armanda Parreira. No primeiro ano fez-se um encontro de bandas da cidade de Lisboa. Mas a organização quis deixar uma marca distintiva. "E a partir da segunda edição esse algo mais foi a aposta na formação. O caminho que se encontrou foi o encontro de bandas, mas não só no mesmo espaço, em palcos diferenciados para chegarem aos mais diversos públicos, mas simultaneamente, às bandas que se dispunham a vir à cidade apostarem na formação dos músicos mais jovens", explica Délio Gonçalves. Todos os anos são convidadas até duas bandas do concelho de Lisboa e as restantes são oriundas dos mais variados pontos do país. Cada banda inscreve um número variável de jovens, os quais têm a oportunidade de receber, durante uma semana, aulas individuais (por instrumento) e aulas de ensemble. "O trabalho conjunto da banda resulta no concerto do Com'Paço, um momento que é uma grande simbiose", diz Délio Gonçalves, e que termina com todos os músicos participantes em palco, cerca de 400, a tocar a Marcha Com'Paço.
No ano passado o concerto de encerramento realizou-se no Rossio e Ana Calhau recorda que, apesar de "não ter tocado nenhuma parte importante ou estado exposta" sentiu-se nervosa. A borbense, de 20 anos, espera que a experiência conte, tal como a ajudou a evoluir de um ano para o outro. Ana, estudante de Música na Universidade de Évora, é a prova de que os desenhos animados também dão bons exemplos: entrou para a filarmónica com nove anos para aprender saxofone, "por causa dos Simpsons, da Lisa Simpson". Sobre a formação no Com'Paço só encontra elogios: "É uma experiência fantástica, porque temos uma semana para fazermos aquilo de que gostamos, de manhã à noite. E podemos ter a parte do convívio, é uma ligação que se cria porque estamos aqui de manhã à noite e dormimos aqui". André Rocha, de 23 anos, da Banda Musical de Paço de Sousa, também realça o convívio entre os instrumentistas: "Há um espírito de camaradagem e de união pelo amor à música". Sobre a formação, este estudante de Psicologia na Universidade do Porto, refere "um nível de exigência bastante mais acentuado" ao que está habituado, mas ou exatamente por isso, o homem das lâminas (xilofone, glockenspiel, lira), gosta "imensamente" da experiência "recompensadora". Beatriz Lima, de 18 anos, da banda da Malveira da Serra, está de acordo. "É um cansaço gigante, mas vale a pena porque saímos daqui muito melhor do que éramos. E fazemos amigos, é uma honra poder estar aqui durante uma semana e aprender tanta coisa", diz a clarinetista que quer continuar a aprender música e um dia ser professora do ensino básico.
Por tudo isto, a presidente do conselho de administração da EGEAC, Joana Gomes Cardoso, afirma que "este é um Festival muito especial, em que Lisboa cumpre o seu papel de capital, mostrando o que se faz no resto do país neste género musical que tem um forte sentido comunitário e também um papel muito importante na formação musical de jovens do país inteiro".