Passagens para o tempo das cidades imaginadas

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Não se trata de um exercício estético de apresentação de teorias, mas da relação das obras com o Homem e o tempo. Da sua própria vivência. É este o pressuposto de "Portas, Passagens, Cidades Imaginárias: A Arqueologia como Medida do Tempo", a exposição do escultor João Charters de Almeida que o Museu Nacional de Arqueologia (MNA) apresenta até 18 de Novembro.

Organizada como uma "mini-retrospectiva" mas centrada em trabalhos em pedra ou aço datados entre 1983 (peça no jardim da Fundação Gulbenkian) e a actualidade, a mostra reúne 19 propostas, duas delas nunca construídas, que vão depois integrar a colecção de um novo museu em Abrantes.

Trata-se, segundo Luís Raposo, director do MNA, de "peças de escultura contemporânea muito evocativas da angústia do Homem e do trabalho dos próprios arqueólogos", o que justifica o convite feito pelo museu a Charters de Almeida, artista que trabalha com a noção do "tempo como fluir contínuo" e com a "sobreposição de estratos e acumulações" na história de um local. "As suas portas, janelas e passagens estão sempre a marcar o cá e o lá, o tempo e o espaço", acrescenta.

Fotografias, maquetas, simulações e desenhos preparatórios ajudam a compreender estes "sinais do tempo antes do passado", como lhes chama o autor. "Encaro a profissão com um sentido ético, tento dialogar com coisas muito concretas: as pessoas e o espaço", começa logo por dizer ao DN. Gosta de ter a sensação de que "o trabalho já lá estava" e de propor ao observador novas relações, "uma cidade imaginária na cidade real".

"Não procuro agradar"

"Não quero traduzir o sentido disto ou daquilo", esclarece o escultor, "o importante é olhar muito para as coisas, para as pessoas, estudar pontos de fuga e implementar no espaço ideias que não existem". E aí entra em jogo a intuição, que o leva a eleger locais que, à partida, parecem inadequados. Em Macau, criou uma imensa escultura em granito que irrompe do Rio das Pérolas sobre uma base de estacas. "A ideia foi a transmissão de conhecimento entre o Oriente e o Ocidente."

Com peças que chegam aos 40 metros de altura, Charters de Almeida trabalha sempre em colaboração com engenheiros, arquitectos e técnicos especializados. "A escala exige equipas grandes", conta, até porque a preparação dos terrenos, o transporte e a montagem são fases cruciais. É muito frequente ter de fazer ensaios e simulações com maquetas tridimensionais.

Foi o que aconteceu com a obra da Ribeira das Naus, em Lisboa, que remete para a História de Portugal. A das viagens para as Descobertas mas também a da reconstrução da cidade após o Terramoto de 1755, com "um novo sentido de Estado" no Terreiro do Paço. "Era um local de extremo melindre e carga política. Não destruindo o meu vocabulário, fui à procura de elementos que respeitem esse tipo de integração, os pórticos e os arcos da praça. Procurei integrar, não agradar."

A falta de dinheiro impede, por vezes, que as ideias se materializem. Mas há também nesta exposição projectos que ainda não passaram a fase da maqueta, como uma grande praça em Marrocos ou a obra de homenagem a Leite de Vasconcelos, grande dinamizador do MNA, que um dia o escultor espera ver nas imediações do museu.|

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